Solidariedade
Do luto à luz: a doçura de 900 ovos de Páscoa que Dona Vera leva a crianças com câncer no ES
Dona Vera e o Projeto Essência transformam dor em esperança, levando chocolates, apoio e amor transformador a crianças com câncer no ES

Dona Vera derrete chocolate e derrete corações: 900 ovos de Páscoa levam amor transformador a crianças em tratamento no ES. Foto: Arquivo Pessoal
Aos 64 anos, Vera Lúcia da Silva Coutinho não para. Nesta semana, enquanto misturava chocolate derretido em uma bacia de alumínio, ela sorria ao lembrar das crianças que aguardam sua visita no Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, em Vitória. “Algumas nunca ganharam um ovo de Páscoa. Quando veem a coelha chegando, os olhinhos brilham como se fosse mágica”, conta, referindo-se à fantasia que veste todo ano. São 900 ovos artesanais, feitos com as próprias mãos e ajuda de voluntários, que serão entregues no próximo dia 15 de abril. Mas, para Dona Vera, o chocolate é só a ponta de um projeto maior, nascido de uma dor que ela transformou em abraço.
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Há 15 anos, a perda do filho caçula, de apenas um ano e seis meses, em um acidente doméstico, levou-a a um caminho inesperado. “Não dá pra curar a dor de outra mãe, mas dá pra segurar a mão e dizer: ‘Estou aqui, você não está sozinha'”, explica. Foi assim que surgiu o Projeto Essência, nome escolhido para refletir o que ela chama de “a marca de Deus nas pessoas”. “Não queria algo genérico. Essência é o que cada um traz dentro de si, mesmo na tempestade”, diz.
A Páscoa, segundo ela, não é o ápice do trabalho, mas um símbolo. “O ovo é a doçura de Deus no meio do tratamento pesado, das noites em claro, da saudade de casa”, descreve. A entrega dos chocolates, que é parte deles destinados também a comunidades carentes de Pancas, no Noroeste do estado, é cercada de histórias que ela guarda como joias. “Teve uma menina que abraçou o ovo e sussurrou: ‘Achei que o coelho não vinha pra hospital'”.
Mas o projeto não vive de datas. Toda terça-feira, Dona Vera aparece no hospital com lanches caseiros. “É nosso jeito de dizer que voltamos, que não esquecemos”, afirma. Já organizou “farras” improvisadas com música e brincadeiras, restaurou bonecas surradas para doar às pacientes e até ajudou a custear passagens para famílias que precisavam viajar a outros estados em busca de tratamento. “A gente não espera o Natal ou o Dia das Crianças. Se a gente acordou com vontade de fazer alegria, vai lá e faz”, diz, rindo.

Dona Vera e o Projeto Essência transformam dor em esperança. Foto: Arquivo Pessoal
A rotina é puxada. Além de cuidar da casa, ela passa tardes inteiras derretendo chocolate, moldando ovos e embalando com fitas coloridas. Este ano, reduziu a meta de 1.000 para 900 ovos. “Os pés estão cansando, tenho que pisar no freio”, admite, sem perder o humor. “Mas desacelerar é só pra não parar. Enquanto eu respirar, vou deixar minha essência por onde passar.”
O segredo para manter a iniciativa, segundo ela, está nas “parcerias que surgem do nada”. “Grito nas redes sociais, aparecem anjos”, diz, citando ajudantes como voluntários anônimos e até figuras conhecidas da TV local. Mas há necessidades urgentes: quer doar “cadeiras do papai” que são mais confortáveis do que as de plástico usadas por mães que dormem ao lado dos filhos e planeja ações para o Dia das Mães. “O hospital é de concreto, mas a gente cuida é da alma”, define.
Quando perguntada sobre o legado, Dona Vera corta a resposta com a praticidade de quem vive o presente: “Criança com câncer não pode esperar pelo amanhã. A gente planta hoje”. Mas, ao final da conversa, solta uma pista do que deseja: “Se um dia eu partir, quero que alguém pegue esse projeto e faça ainda mais. Porque essência não morre e amor, quando é de verdade, contamina”.
Doações podem ser feitas através das redes sociais do Projeto Essência. Além de chocolates para a Páscoa, o grupo precisa de leite em pó, achocolatados, brinquedos e colchonetes para as famílias. “E oração”, reforça Dona Vera. “Às vezes, é o que a gente mais precisa.”
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