Plural
Decisão do STF sobre maconha não resolverá a guerra às drogas
O advogado empresarial criminal Edison Viana faz uma análise sobre a descriminalização da maconha no Brasil
O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização da maconha parece ter suscitado pelo menos dois grandes debates no país, um político e outro jurídico. O debate político girou em torno do voto do ministro Cristiano Zanin, que acaba de ser indicado para a Corte pelo presidente Lula e que votou contra a descriminalização, contrariando expectativas de setores considerados progressistas. Nesta análise, contudo, procurarei me ater à questão jurídica.
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Do ponto de vista do Estado democrático de direito, um primeiro questionamento a ser feito é a instância em que ocorre o debate, ora no STF: se o Brasil quer discutir a legalização do uso ou porte de drogas, o fórum mais apropriado seria o Congresso Nacional, o Poder constitucionalmente investido da devida representatividade e legitimidade para legislar.
A decisão do STF poderá naturalmente servir de fundamento para futuras ações, mas é pouco provável, como veremos, que ela provoque realmente transformações sociais, num país que costuma encarcerar com maior frequência jovens pretos, pobres e moradores de bairros periféricos, que constituem a vasta maioria da população carcerária.
Mas afinal, o que está em julgamento? O processo judicial ora no STF começou há 8 anos, quando um presidiário foi flagrado fumando maconha em sua cela, em São Paulo. A Defensoria Pública paulista levantou então a tese de que não cabe ao Estado dizer o que um adulto plenamente capaz pode ou não consumir. É isso que está sendo julgado neste momento.
O STF deverá decidir em plenário se o artigo 28 da Lei de Drogas, a Lei 11.343/2006, que proíbe o porte de drogas para uso pessoal, está de acordo com a Constituição ou se viola os princípios da intimidade e da vida privada.
A votação foi interrompida no final de agosto, quando o placar estava em 5 a 1 a favor da descriminalização: Zanin votou contra e em seguida o ministro André Mendonça pediu vistas. Ele tem um prazo de 90 dias para analisar o caso, quando o processo poderá voltar à pauta.
Apesar da votação favorável no momento, os próprios autores da ação afirmaram em entrevista à imprensa que o resultado não mudará a realidade de pretos, pobres e analfabetos. “O STF está resolvendo o problema do playboy que usa maconha, mas segue deixando usuários de outras drogas, pessoas vulneráveis e moradores de rua nas mãos da polícia”, disse o advogado Cristiano Maronna, que representou no caso o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) – ou seja, tudo muda para não mudar.
A tese da Defensoria Pública de São Paulo, a meu ver, está correta: não caberia ao Estado dizer o que um adulto capaz pode ou não fazer, se esse ato diz respeito somente à sua pessoa, sem afetar terceiros.
Se o Estado resolve proibir o consumo de uma substância porque ela faz mal, ele poderá também legislar sobre a automutilação? E se a questão é o consumo de drogas, o STF poderá liberar o consumo de maconha, mas o consumo de outras drogas como cocaína e heroína continuará proibido? Qual seria o limite ideal para a intervenção do Estado na vida privada? O debate se arrasta há décadas no mundo ocidental. A Lei Seca nos anos 30 nos Estados Unidos foi um fracasso retumbante, como se sabe.
Recente estudo do Ipea divulgado em julho analisou mais de 5 mil processos por tráfico de drogas em Tribunais de Justiça de todo o país e constatou em números a percepção geral de injustiça. Na maioria dos casos, o comportamento do réu está longe de configurar tráfico e a maioria é homem (87%), jovem (72%), preto (67%) e de baixa escolaridade (75%). A descriminalização, nesse sentido, seria uma questão de justiça social, além de jurídica.
Considerando a complexidade da questão, os exemplos históricos e o intenso debate que envolve princípios constitucionais, liberdade individual, segurança pública e desigualdade social, é o caso de se perguntar: será que o Brasil está preparado para a liberação das drogas, não obstante o fundamento jurídico ser acertado ou não? De todo modo, penso que o Congresso Nacional, representando todas as correntes da sociedade, deveria ser a instância adequada para essa definição. O julgamento do STF será certamente um marco no país, mas, como vimos, pouco mudará a nossa realidade cotidiana.
*Edison Viana é advogado empresarial criminal
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