ES360
O mais tenso momento vivido no plenário da Assembleia este ano
Deputado do PL põe dedo em riste e bate na mesa do líder do governo. Coluna relata em detalhes o que levou Callegari a agir assim, motivações e reações

Callegari encara Dary de longe. Crédito: Lucas S. Costa/Ales
O deputado Wellington Callegari (PL) protagonizou, na última segunda-feira (16), o momento mais tenso vivido no plenário da Assembleia Legislativa na atual legislatura. Inconformado com uma derrota sofrida em votação no plenário após articulação da base governista, o parlamentar de oposição dirigiu-se aos berros até o líder do governo, Dary Pagung (PSB), bateu na mesa dele e, com o dedo em riste, dirigiu-lhe palavras ríspidas, em tom intimidador.
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A cena não foi registrada pela transmissão da TV Assembleia, mas confirmada à coluna por vários deputados que a testemunharam debaixo de seus olhos.
O rompante de Callegari foi causado pelo arquivamento de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de sua autoria: a que pretendia mudar a Constitucional Estadual a fim de permitir que cerca de 1,6 mil inspetores penitenciários em designação temporária (DTs), com mais de cinco anos de serviço contínuos e ininterruptos, se tornassem servidores efetivos do Estado, incorporados ao quadro de policiais penais.
A proposição foi apresentada por Callegari em abril, tendo sido assinada por outros dez deputados. Em junho, com base em parecer da Procuradoria-Geral da Assembleia, o presidente da Mesa Diretora, Marcelo Santos (Podemos), deu despacho denegatório à matéria, ou seja, barrou a sua tramitação na origem, por entender que era inconstitucional.
Callegari recorreu da decisão à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida por Mazinho dos Anjos (PSDB). No dia 19 de setembro, sete membros da CCJ aprovaram por unanimidade parecer de Mazinho pela constitucionalidade da PEC – contrário, portanto, ao entendimento da Procuradoria-Geral e de Marcelo Santos. Tudo isso ocorreu com as galerias do plenário lotadas pelos inspetores penitenciários, mobilizados em torno do projeto de interesse da categoria.
Na sessão da última segunda, o parecer da CCJ foi pautado por Marcelo e votado em plenário logo no início da sessão. Antes e durante a votação, Dary e o vice-líder do governo, Tyago Hoffmann (PSB), dando voz às diretrizes do Palácio Anchieta, orientaram a base a votar pela rejeição do parecer – ou seja, pelo arquivamento definitivo da PEC, antes mesmo de análise de mérito.
O governo Casagrande venceu, impondo uma derrota à oposição. Por 13 votos a 8, a PEC foi mesmo para o arquivo morto. Seis deputados que estavam presentes à sessão preferiram não participar da votação – incluindo Raquel Lessa (PP), que, na CCJ, havia votado pela constitucionalidade da PEC.
Também na CCJ, Janete de Sá (PSB) votara pelo seguimento da PEC. Na segunda, não participou da votação, chegando ao plenário um pouco depois.
O governista Adilson Espindula (PDT) foi um dos que assinou a PEC de Callegari em abril. Em plenário, votou pelo arquivamento da matéria.
O também governista Allan Ferreira (Podemos) incluiu a firma dele na PEC depois de esta ter sido aprovada na CCJ, em setembro. Na votação em plenário, também mudou de ideia.
Bispo Alves (Republicanos) assinou a PEC em abril. Presente à sessão na segunda, preferiu não registrar seu voto.
A FÚRIA DE CALLEGARI
Antes mesmo da votação, Callegari já tinha começado a se enfurecer: “Estamos diante de uma situação, no mínimo, curiosa. O que estamos discutindo aqui é única e exclusivamente o mérito do despacho denegatório do senhor presidente da Assembleia, a tramitação ou não da PEC. […] Procuradoria da Casa é apenas uma opinião, por mais abalizada que seja. O dia em que alguém for eleito para se submeter a procurador, pega o seu diploma de deputado, rasga e joga no lixo! Quem realmente determina a constitucionalidade de um projeto aqui é a CCJ!”
Não economizando em adjetivos, começou a acusar uma “manobra”, fustigando o líder do governo: “Vejo uma manobra ridícula, feia! Esperam o dia em que essas galerias estão vazias, porque não havia previsão de que isso seria votado hoje, não é, caro Dary? Então não vão ter aqui arquibancadas para vocês tentarem fazer uma manobra dessas. É de uma vergonha absurda, típica do governo!”

Callegari esbraveja. Crédito: Lucas S. Costa/Ales
Depois de confirmada a derrota na votação, o deputado de Cachoeiro explodiu de vez, carregando ainda mais na adjetivação:
“O que está se assistindo aqui hoje é uma manobra feia, ridícula, monstruosa, podre, para não falar outra coisa! Pede-se tanta responsabilidade da oposição. Eu sou extremamente responsável. Não posso dizer o mesmo da situação! Agem às sombras, de forma covarde, porque não foi essa a atitude quando isso aqui estava lotado! […] Eu sou dono do meu voto, contra quem for! Eu sei quem eu sou! Tem deputado aqui que não sabe!”
Parte dessa fala do deputado foi feita com o microfone desligado, mas ele seguiu bradando e se fazendo ouvir:
“Foram unânimes na CCJ, agora sequer tiveram coragem de botar o voto naquele painel! Foi vergonhoso o que aconteceu nesta Casa hoje! Colocassem pelo menos o ‘não’ ali, teria sido mais bonito! Aqueles que discursaram na tribuna agora nem sequer colocaram o ‘não’ ali, se abstiveram! E vêm falar de ‘independência parlamentar’?!? Independência o escambau! O mandato de vocês tem dono! Tem dono!!!”
Foi em meio a essa avalanche que o bolsonarista perpetrou a reação agressiva contra Dary, levantando-lhe o dedo e batendo na mesa do líder do governo.
A REAÇÃO DE VANDINHO
A atitude levou alguns deputados a saírem em defesa de Dary, repudiando e repreendendo Callegari. A fala mais emblemática – até por conter um velado “aviso prévio” de troco – foi a de Vandinho Leite (PSDB):
“O caminho que alguns pares estão tomando nesta Casa é um caminho que, no meu entendimento, não faz o menor sentido, inclusive pares que respeito e de quem sou amigo. Me considero amigo dos deputados do PL, por exemplo. Quando tenho que defender algo, defendo de forma veemente. Agora, acho inadmissível e irresponsável deputado vir com dedo em riste para colega aqui. Ninguém é mais macho que ninguém aqui! Aqui o voto de cada um vale um e precisa ser respeitado. Cada deputado aqui foi eleito e precisa ser respeitado, independentemente do voto que proferir”, defendeu o tucano.
Aí veio o “sobreaviso” de que vai ter troco, seguido por uma “lição do veterano ao novato”:
“No grito, ninguém leva. E, geralmente, esses parlamentares que levam para esse caminho são deputados que vão precisar do plenário e dos próprios colegas aqui. Ir com o dedo em riste para o Dary… Dary não faz mal a ninguém, é uma pessoa educadíssima. O que ganha aqui no plenário é voto. Não é bravata, não é gritaria. É articulação, bom senso e diálogo. Bravata é quem está jogando para a plateia porque sabe que não vai passar, porque não articulou, porque não pediu voto. Quem quer jogar para a plateia grita e blefa. Quem quer que projeto seja aprovado dialoga com os colegas.”
A REAÇÃO DE MAZINHO
Na sequência da sessão, Mazinho – autor do parecer favorável à PEC de Callegari na CCJ – também fez um desagravo a Dary, explicitando a cena testemunhada por ele e colegas momentos antes:
“O Dary é um deputado sereno. É um deputado que é líder do governo. Sua função é trazer e discutir as demandas do governo, e ele faz isso muito bem. O deputado Dary nunca colocou a faca no pescoço de ninguém aqui. Ele conversa com os deputados e busca o convencimento dos deputados. Infelizmente, o deputado Callegari hoje perdeu um pouco as estribeiras e acabou indo à mesa do deputado Dary, que estava ali de forma como sempre tranquila, e deu um tapa na mesa, falando algumas palavras ao Dary. Discordar de uma posição é uma coisa. Mas você chegar ao ponto de querer culpar, agredir, ameaçar, eu acho que não é o caminho.”
O DAY AFTER: CALLEGARI DISCUTE COM MURIBECA
Como se fosse pouco, a discussão continuou na sessão de terça-feira (17). Sem se desculpar com Dary nem mostrar arrependimento, Callegari subiu à tribuna para criticar os parlamentares que votam seguindo o entendimento dos procuradores da Assembleia. De certo modo, minimizou a importância do trabalho dos autores dos pareceres técnicos sobre os projetos em tramitação na Casa:
“É claro que me excedi. E o que o bloco governista fez? Abusou, se excedeu ao extremo, abusou da moral, se aproveitou que a galeria estava vazia, porque não era ontem que íamos votar o mérito. Ontem só ia se fazer uma votação simbólica sobre a tramitação, ratificando um relatório favorável de quem realmente vota sobre constitucionalidade, que é a CCJ, não a Procuradoria.”
O deputado do PL chegou ao cúmulo de defender que os pareceres dos procuradores não fiquem mais disponíveis ao público no site da Assembleia.
“Parecer de procurador é apenas para a nossa opinião. Repito: vocês, procuradores, com todo o respeito, não estão aqui para decidirem nada. […] Aí ‘parecerzinho’ fica circulando pela imprensa, como se a Procuradoria fosse um tribunal! Vocês não têm autoridade para isso! Vou até entrar com um projeto de resolução para tornar os pareceres sigilosos, sigilosos não, para que fiquem restritos à comissão. Parecer de procurador só interessa a nós, deputados.”
Do microfone de apartes, o deputado Pablo Muribeca (Patriota) rebateu a fala de Callegari, tachando-a como “falta de cavalheirismo” para com os procuradores que assessoram os trabalhos dos deputados.
Callegari replicou: “Rebatendo sua fala, aqui ninguém ofendeu ninguém. […] O que eu disse é que parecer de procurador é opinativo. Se isso para Vossa Excelência é uma ofensa, acredito que Vossa Excelência esteja com um forte problema de interpretação da língua portuguesa”.
OPINIÃO DO COLUNISTA
A PEC é flagrantemente inconstitucional, ferindo os princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade no poder público. O parecer do presidente da CCJ, Mazinho dos Anjos, foi surpreendente e preocupante. Mais ainda o fato de ter sido aprovado por unanimidade.
Mas o que causa espanto mesmo é o teor obscurantista da ideia lançada por Callegari, de vedar a publicação dos pareceres dos procuradores. É uma ideia retrógrada, que vai na contramão das premissas mais elementares da transparência e da publicidade no Poder Legislativo.
Há muitos anos, justamente em nome de tais princípios, os pareceres ficam disponíveis na página oficial da Assembleia que se gaba de ser uma das “mais transparentes” do Brasil. Qualquer um pode acessá-los – não apenas a imprensa.
“Parecer de procurador só interessa a nós, deputados”, argumentou Callegari.
Errado.
Interessa também aos cidadãos diretamente afetados pelos projetos que podem virar lei e influir em suas vidas.

Deputados votam sobre tramitação da PEC de Callegari. Crédito: Lucas S. Costa/Ales
COMO VOTARAM OS DEPUTADOS
NA CCJ
Nenhum deputado votou contra o parecer de Mazinho pela constitucionalidade da PEC de Callegari. Sete votaram a favor:
Mazinho dos Anjos (PSDB)
Capitão Assumção (PL)
Coronel Weliton (PTB)
Janete de Sá (PSB)
Lucas Polese (PL)
Lucas Scaramussa (Podemos)
Raquel Lessa (PP)
NO PLENÁRIO
Contra o parecer da CCJ (para que o projeto fosse arquivado): 13 votos
Adilson Espindula (PDT)
Alexandre Xambinho (Podemos)
Allan Ferreira (Podemos)
Dary Pagung (PSB)
Denninho Silva (União)
Bruno Resende (União)
José Esmeraldo (PDT)
Gandini (Cidadania)
Iriny Lopes (PT)
João Coser (PT)
Tyago Hoffmann (PSB)
Vandinho Leite (PSDB)
Zé Preto (PL)
A favor do parecer da CCJ (para que o projeto seguisse tramitando): 8 votos
Callegari (PL)
Camila Valadão (PSol)
Capitão Assumção (PL)
Coronel Weliton (PTB)
Danilo Bahiense (PL)
Lucas Polese (PL)
Lucas Scaramussa (Podemos)
Mazinho dos Anjos (PSDB)
Estavam na sessão, mas não votaram: 6 deputados
Bispo Alves (Republicanos)
Hudson Leal (Republicanos)
Pablo Muribeca (Patriota)
Raquel Lessa (PP)
Sérgio Meneguelli (Republicanos)
Theodorico Ferraço (PP)
Não estavam na sessão: 2 deputados
Alcântaro Filho (Republicanos)
Janete de Sá (PSB)
Abstenção: 1 deputado
Marcelo Santos (Podemos), o presidente
ADENDO: ZÉ ESMERALDO SENDO ELE
Encerramos com essa fala lapidar do deputado José Esmeraldo (PDT), logo após a votação na segunda:
“Os deputados que votam com o governo, tem um monte de frouxo! Tem um monte que correu do pau! É bom que o governador saiba e que o Davi saiba também! É ‘deputado faz de conta’! Tem mulher no meio também! Manda vir pra cima de mim!”
‘Mulher’ é provável referência a Raquel Lessa e Janete de Sá (ausentes no momento da votação). ‘Davi’ é alusão a Davi Diniz, secretário-chefe da Casa Civil. É ele quem articula esse tipo de operação – chamada de “manobra” por Callegari – diretamente com Dary Pagung e com os deputados da base governista.
