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Coluna João Gualberto

Coluna João Gualberto | Parlamentarismo à brasileira

As culturas nacionais constroem grandes redes simbólicas e muitas significações, que  chamo de imaginárias

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Polícia Legislativa faz varredura na rampa do Congresso Nacional para posse de presidencial. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Parlamentarismo à brasileira. Foto: José Cruz/Agência Brasil

A sociedade brasileira tem uma questão mal resolvida quando cria novas instituições: nossas elites copiam com frequência os modelos de outros países, onde funcionam bem. Foram exemplos disso a França e os Estados Unidos, nos quais nos inspiramos para construir nossos modelos republicanos no final do século XIX, mas esses não são os únicos exemplos.

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A grande questão que ficou para o futuro é que não temos nem franceses e nem estadunidenses para honrar tais modelos políticos; o que temos somos nós, brasileiros, imersos em outra cultura. Não que sejamos moralmente inferiores ou incapazes de absorver modelos mais elaborados, mas as instituições que vingam em uma sociedade têm que fazer sentido para ela, precisam estar ligadas à sua teia de significações imaginárias sociais.

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As culturas nacionais constroem grandes redes simbólicas e muitas significações, que  chamo de imaginárias. Essas redes simbólicas e imaginárias é que dão potência, ou não, ao desejo conceitual do legislador republicano de primeira hora. Exemplo claro disso é o federalismo, construído no início de nossa república. Não que fosse um ideal somente republicano; Feijó já pensava em um federalismo monárquico, que nunca se efetivou.

O federalismo foi uma das grandes molas da democracia que vingou nos EUA, desde o início de o início de sua trajetória como nação independente. Já aqui virou, sobretudo, uma estratégia de legitimação do poder das oligarquias regionais, que estavam ávidas pelo poder no fim do império. Seria um despropósito dizer que ele se resume a isso, mas também não seria correto dizer que a afirmação política dos coronéis – autoritária, elitista e apoiada na tese da incapacidade política das massas – não passou pela distorção do sentido original da ideia.

Outro exemplo de uma instituição transposta das democracias mais inclusivas do que a nossa nascente experiência como nação foram os partidos políticos. Os estadunidenses criaram, ainda no século XIX, os movimentos que levaram tanto o Partido Republicano quanto o Partido Democrata a ter fortes raízes populares, como também aconteceu em outras nações. As grandes convenções com participação em massa de eleitores são antigas e marcam a força daquela democracia, afinal trata-se do único país ocidental em que nunca houve uma ditadura. Mesmo as loucuras de Trump passaram pelo processo eleitoral e têm aprovação em seu país, e precisam dessa aprovação para continuar. Nesse caso, trata-se mais de um problema de sociedade do que de um desejo de tirania isolado. Mais isso é uma outra discussão.

Nosso legislativo sofre da mesma enfermidade, pois expressa o desejo das elites, refletindo mais um olhar intelectualizado sobre a política do que propriamente um desejo do eleitorado. Victor Nunes Leal, no seu clássico Coronelismo, Enxada e Voto, nos ensina que o eleitor da roça, em dias de votação, faz festa, tem transporte gratuito, recebe alimentação e presentes variados, como pares de botas ou, mais recentemente, panelas de pressão. As pessoas mais pobres, historicamente, não têm uma relação orgânica com o voto. Muito disso ainda acontece até hoje, como sabemos todos.

Essa baixa relação com o voto faz com quem muitas demandas do parlamento não expressem demandas coletivas. Uma vez eleitos, deputados federais e senadores não se sentem obrigados a prestar contas de suas ações a seus eleitores. A ideia de representação desaparece ao longo do mandato, restando a origem territorial do parlamentar. Não se costuma respeitar o que pensa o eleitor sobre aquela ação específica.

Essa ideia do descasamento entre as demandas populares e a ação parlamentar veio à mente agora, em função da clara crise que vivemos entre o executivo e o congresso nacional. Não quero colocar a culpa no congresso, pois seria preciso ser mais longo e mais crítico para um julgamento mais correto. Quero apenas chamar a atenção para o descolamento do contexto das necessidades nacionais e do desejo dos eleitores  em tudo isso.

Sentindo a fragilidade do Governo Lula e sua incapacidade de estabelecer conexões com o novo mundo que está sendo criado em nosso tempo, o congresso viu-se em condições de ditar, por si mesmo, os desejos nacionais. Só que faz isso a partir de uma enorme fragmentação política, baseada dos anseios de cada parlamentar, sem uma visão clara do conjunto da sociedade brasileira.

O chamado presidencialismo de coalizão está ferido de morte. O que vemos hoje são presidentes fracos. Não podemos esquecer que Bolsonaro também estava refém do congresso, um congresso forte e sem pauta, a não ser a defesa de interesses – nem sempre republicanos – dos nossos legisladores.  A crise política precisa ser resolvida.

João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

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