Dia a dia
Briga entre irmãos se enquadra na Lei Maria da Penha? Entenda
Agressão de irmão contra irmã pode configurar violência doméstica, mesmo fora de uma relação afetiva ou da mesma residência

Violência doméstica se enquadra na Lei Maria da Penha. Foto: FreePik
Uma briga entre irmãos terminou com agressão, desmaio e prisão — e o caso foi enquadrado na Lei Maria da Penha. O episódio, ocorrido em Vila Velha, reacendeu um debate pouco conhecido pelo público: a legislação que protege mulheres da violência doméstica também pode ser aplicada fora de relações conjugais. Situações envolvendo familiares, como irmãos, pais ou tios, também estão previstas na lei quando há contexto de convivência doméstica e a vítima é mulher.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
O caso aconteceu na quarta-feira (16), no bairro Novo México, quando um jovem de 22 anos agrediu a própria irmã com socos na cabeça e tentou enforcá-la duas vezes após uma discussão por causa de louça suja. Segundo o boletim da Polícia Militar, a vítima chegou a desmaiar durante as agressões. Ela apresentou marcas no pescoço e manifestou interesse em representar criminalmente contra o irmão. O suspeito foi preso e autuado com base na Lei Maria da Penha.
A lei vai além da relação afetiva
Segundo a Gerência de Proteção à Mulher da Secretaria de Segurança Pública (SESP), a Lei nº 11.340/2006 pode ser aplicada em casos de agressão entre irmãos, desde que a vítima seja mulher. Não há exigência de que os envolvidos morem juntos ou tenham determinada idade. O que importa é o contexto de violência doméstica ou familiar e a motivação de gênero.
A advogada Layla Freitas, especialista em direito de família e relações de gênero, reforça que o enquadramento pela Lei Maria da Penha não depende apenas do parentesco, mas de três elementos centrais: a vítima ser mulher, a violência ocorrer em contexto doméstico ou familiar e a agressão estar motivada por desigualdade de gênero. “Não basta haver uma briga entre irmãos. É preciso que o ato violento reflita uma lógica de dominação ou subjugação da mulher por ela ser mulher”, explica.
O vínculo familiar não é suficiente
Ainda de acordo com Layla, o simples fato de haver vínculo familiar não garante, por si só, a aplicação da lei. É necessário comprovar que a violência ocorreu por razões de gênero. “A própria letra da Lei Maria da Penha exige esse critério. O foco da norma é a proteção da mulher em situação de vulnerabilidade decorrente de relações desiguais”, esclarece.
Mesmo que irmãos sejam maiores de idade e não morem juntos, a lei pode ser aplicada se ficar comprovado que a violência se deu por uma motivação de gênero. “A ausência de coabitação não afasta, necessariamente, o enquadramento. Mas será preciso demonstrar que houve dominação, controle ou agressão baseada no fato de a vítima ser mulher”, completa a advogada.
Quando se aplica a Lei Maria da Penha?
Nnos casos em que a mulher procura a delegacia, a Sesp orienta que o primeiro passo é o registro do boletim de ocorrência. A investigação deve apurar o contexto do caso, e, se os requisitos forem atendidos, a Lei Maria da Penha pode ser aplicada com respaldo legal — inclusive com a concessão de medidas protetivas.
Layla Freitas explica que, quando os três critérios estão presentes — vítima mulher, contexto familiar e motivação de gênero —, o caso é tratado pela Justiça como violência doméstica, e não como lesão corporal comum. “Sem esses elementos, a agressão pode ser enquadrada pelo Código Penal, mas fora da proteção ampliada da Lei Maria da Penha.”
Jurisprudência e avanços na interpretação da lei
A advogada ressalta que a jurisprudência dos tribunais superiores vem reconhecendo a ampliação do conceito de violência doméstica e familiar, desde que comprovada a motivação de gênero. “A aplicação entre irmãos não é automática. O Judiciário analisa caso a caso, e a apresentação de provas — como laudos médicos, áudios, prints e boletins — pode ser decisiva”.
Ela destaca ainda que a evolução da interpretação da norma tem sido impulsionada por decisões do STF e do STJ, com respaldo em convenções internacionais como a Convenção de Belém do Pará. “As leis não são estáticas. A sociedade evolui, e o direito precisa acompanhar, especialmente quando se trata da proteção à mulher”, conclui.
LEIA MAIS:
