Coluna André Andrès
Varvaglione, produtora do Papale, faz 100 anos. E o tempo lhe fez bem
Os bons vinhos, como se sabe, têm estrutura para suportar o passar dos anos. É como se eles se alimentassem do tempo para alcançar sua plenitude. Bons vinhos crescem com sua própria história, assim como ocorreu e ocorre com alguns grandes produtores de tintos e brancos. E também como uma certa famiglia italiana. Há 100 anos, a ideia de produção qualificada em uma vinícola no sul da “Bota” era apenas um projeto. Ele exigiu muito trabalho, é certo. E a esse trabalho se deve grande parte do crescimento e da consolidação da Varvaglione, produtora de rótulos de grande sucesso de vendas em várias partes do planeta. Lavoro é fundamental, mas, no mundo do vinho, refinamento é igualmente importante, assim como a reverência à história. E essa mistura de dedicação, fineza e memória se encontra na linha da vinícola localizada na Puglia.
O refinamento, buscado por todas as boas vinícolas, é alcançado nos detalhes. Quer um exemplo? Entre os apreciadores de vinhos, existe um número mágico: 12,5. Esse foi o índice de graduação alcoólica predominante durante longo tempo em boa parte dos melhores tintos produzidos na Europa. O tempo passou, veio o aquecimento global, a necessidade de produção em larga escala, a vontade de atender o mercado e os vinhos foram ficando cada vez mais alcoólicos. Alguns tintos argentinos, feitos na Patagônia, chegam a inacreditáveis 16,5º. A Varvaglione fincou pé em uma de suas linhas: dos 12,5º não iremos passar. E não passam. Por meio do controle da produção, os mostos são conduzidos de forma a produzir rótulos com a graduação alcoólica desejada. Daí surgiu a linha 12 e Mezzo, formada por tintos e brancos, todos com 12,5º de álcool. Os brancos oferecem acidez equilibrada, os tintos têm corpo, mas sem exagero. Merecem ser provados.
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Já a história, presente na trajetória da vinícola, está literalmente escrita no rótulo do Papale. O tinto foi feito em homenagem a Bento XIII, Papa nascido na Puglia e, por isso, fundamental para o crescimento econômico da região no século XVIII. O rótulo do vinho, um belo Primitivo de Mandúria, traz a reprodução da edição de 4 de julho de 1724 do jornal de Nápoles com o relato da escolha de Pierfrancesco Orsini para conduzir os rumos do Vaticano. Um grande acontecimento, sem dúvida, mas ele só se tornou efetivamente conhecido por conta de um outro fato, peculiar, ocorrido há poucos anos, como poderá ser visto abaixo, no relato sobre o Papale Oro, grande vinho da Varvaglione.
Por sua história e pela história construída por seus produtos, a vinícola chega aos 100 anos como um tinto robusto: esbanjando vigor. Seus proprietários tem olhos postos no futuro, mas não perdem de vista a tradição escrita ao longo desse século de vida. E isso está traduzido em seus vinhos, capazes de respeitar os desejos de quem ainda aprecia tintos menos alcoólicos, e, ao mesmo tempo, revisitar o passado e agradar paladares modernos. Convenhamos, não é tarefa fácil. Mas a Varvaglione cumpre com a missão com força e solidez. Talvez porque, como os grandes vinhos, ela também se alimente do tempo, o senhor dos nossos destinos…
12 E MEZZO MALVASIA DEL SALENTO. Como foi dito acima, 12,5º é o nível alcoólico de toda a linha, inclusive os tintos. O branco feito com Malvasia, uva muito aromática, acompanhou muito bem um salmão com caponata e queijo curado, durante a noite de harmonização promovida pela Domno, importadora ligada à Casa Valduga, no Daju Bistrô, em Vitória. Os trabalhos foram exemplarmente conduzidos por Lucas Simões, jovem e brilhante enólogo da Valduga. Como já foi dito acima, essa graduação alcoólica, de 12,5º, hoje é bem difícil de ser encontrada, por conta do aquecimento, da produção acelerada, de diversos fatores, enfim. O branco é bem leve, tem um toque um pouco mais adocicado. É muito gostoso. Harmonizou com um salmão grelhado com caponata de beringela e lascas de queijo curado.
Preço: entre R$ 95 e R$ 125
12 E MEZZO ROSATO DEL SALENTO. Não é muito comum encontrarmos rosés italianos no mercado brasileiro. Como se sabe, vinho rosé é produzido a partir do contato a polpa (aquela formada pela parte clara da fruta) com as cascas vermelhas da uva, mas por um período curto. Esse processo “empresta” cor ao vinho. Neste caso, o rosato foi feito com Negroamaro. Vinho com uma acidez gostosa. Casou bem com a salada de alface, grão de bico, camarão e polvo.
Preço: entre R$ 95 e R$ 115
12 E MEZZO NEGROAMARO DEL SALENTO IGP. Primeiro tinto da noite. Nunca é demais lembrar: normalmente, os rótulos dos vinhos na Itália combinam o nome da uva com o local onde ele é produzido. Neste caso, é um tinto feito com a uva Negroamaro na região de Salento. Veio com a tarefa de equilibrar o paladar com um creme de baroa e gorgonzola. Saiu-se muito bem. O vinho passa rapidamente por barrica. E preserva seus toques frutados. Não chega a ser adocicado, mas esse toque frutado combinou bem com o gorgonzola. Muito bom equilíbrio final.
Preço: entre R$ 95 e R$ 120
PAPALE PRIMITIVO DI MANDURIA DOP. Novamente, para deixar claro: Primitivo é o nome da uva, Manduria é a região onde o vinho é produzido. O nível subiu. O vinho amadureceu oito meses em tonéis com medidas maiores que as tradicionais. Tem mais álcool: 14 graus. Por isso é mais adocicado quando comparado aos anteriores. É um vinho estruturado. Vai suportar bons anos de vida. Acompanhou muito bem um risoto de funghi e tiras de filé.
Preço: entre R$ 140 e R$ 160
PAPALE LINEA ORO PRIMITIVO DI MANDURIA DOP. Para encerrar a noite, o Primitivo mais qualificado da vinícola. Um sucesso de vendas. O Papale foi originalmente feito em homenagem ao Papa Bento XIII, originário da Puglia, onde fica a sede da Varvaglione. O rótulo ganhou fama mundial em 2013, com uma compra muito especial. O dono de uma loja de Nova York estranhou quando recebeu uma encomenda de 115 garrafas do Papale. O número exato era incomum. A estranheza era ainda maior porque do outro lado do telefone estava alguém com forte sotaque italiano. Ele começou a entender os fatos quando veio a exigência: o vinho tinha de estar no Vaticano no dia seguinte. Tudo ficou mais claro: 115 era o número de cardeais, prestes a oficializarem o nome do argentino Jorge Bergoglio como sucessor de Bento XVI. A ligação com um vinho feito em homenagem a Bento XIII caía muito bem para a eleição do Papa Francisco. O Papale não tinha sido encontrado na Itália, daí a encomenda ser feita para uma loja nos EUA. A história correu o mundo. E ajudou a colocar o vinho entre os mais conhecidos da Itália. Ah! Na noite de degustação, ele foi escoltado e escoltou uma costela prensada com rosti de rapadura e musseline de mandioca. Vinho ótimo. Harmonização perfeita. Noite feliz.
Preço: entre R$ 250 e R$ 350.
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