Coluna Vitor Vogas
Pastores, coronel, vice-prefeita: as estratégias de Casagrande pelo voto conservador
Primeira-dama dando atestado de “formação cristã”, comercial de “família perfeita”, apoio das Assembleias de Deus e de sindicato policial, depoimentos de oficiais da PMES e frases estilo “linha dura”: a coluna analisa a nova roupa do governador neste 2º turno
Para vencer a eleição em 2º turno, o governador Renato Casagrande (PSB) não pode receber votos somente de eleitores de esquerda ou de centro, de eleitores liberais nos costumes… Precisa conquistar uma boa parcela dos muitos eleitores conservadores do Espírito Santo – penetrando em território bolsonarista, cujos eleitores a priori tendem a ir com Manato (PL), se depender somente do alinhamento automático com o candidato à Presidência. Para invadir essa praia, a campanha de Casagrande tem feito neste 2º turno uma inflexão tanto no discurso como na propaganda e na agenda eleitoral do governador.
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Com relação aos numerosos eleitores mais fanáticos por Bolsonaro, nem adianta gastar energia: são eleitores convertidos de Manato. Mas há margem para prospecção daquelas centenas de milhares de eleitores do Espírito Santo que votam em Bolsonaro ou por antipetismo, ou porque associam o presidente ao combate à violência, ou porque o vinculam à defesa da “família” e de “valores cristãos”, ou por todas as opções anteriores.
O bolsonarismo está alicerçado em alguns pilares sociais, com destaque para evangélicos e católicos mais conservadores, militares e agentes de segurança pública, empresários e a classe médica (esta última por motivos que escapam à minha compreensão).
Considerando sobretudo os dois primeiros grupos, o Casagrande do 2º turno é um candidato que se apresenta em uma versão mais “linha dura com o crime” e mais “representante da tradicional família cristã capixaba”. Sua agenda e sua política de alianças têm priorizado encontros com líderes religiosos e entidades ligadas a igrejas evangélicas e à católica.
Primeira-dama convocada
Um perfeito exemplo do empenho da campanha em mostrar um Casagrande mais “família” foi a participação da primeira-dama, dona Virgínia, no programa de rádio levado ao ar nesta sexta-feira (14). Discretíssima, ela costuma manter-se atrás das cortinas, mas dessa vez foi convocada a entrar em cena. “Entrevistada” pela apresentadora, destacou o lado religioso de Casagrande e sua preocupação com os outros, por sua “formação cristã”.
No 1º turno, Casagrande aqui e ali dava um jeito de registrar sua faceta religiosa. Por exemplo, houve um programa de TV em que conversou com uma idosa beneficiada com uma cirurgia de catarata. A senhora disse que, curada, podia voltar a ler a Bíblia. E ele emendou: “É, nós que somos cristãos gostamos de ler a Palavra…”
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Comercial de margarina
Mas nem precisa ter vista perfeita para enxergar a mudança de tom no 2º turno. Agora ele é regularmente apresentado como “um homem de família”. Uma das inserções de Casagrande é um típico comercial de margarina. O candidato surge em primeiro plano, com sua família ao fundo, da sua mãe ao seu netinho, reunida em torno da mesa de jantar. E declama o seguinte texto:
“Para mim não existe nada mais importante que a família. Ela é a base de tudo: da nossa educação, da nossa fé, da nossa moral. Com minha família, aprendi a cultivar os valores cristãos que eu levo para a vida. Sou casado há mais de 30 anos, tenho dois filhos e um neto. Entrei na vida pública carregando todos esses princípios.”
Detalhe 1: Casagrande aparece de mãos dadas com os parentes, orando em volta da mesa. Detalhe 2: Manato também costuma dizer que é casado há mais de 30 anos.
Convenções da Assembleia de Deus
Quanto às alianças, na busca pelo voto religioso, Casagrande marcou dois tentos importantes nesta semana. Na terça-feira (11), conquistou o apoio declarado da Cadeeso, a maior convenção das igrejas Assembleia de Deus do Estado, que reúne 380 igrejas e 800 congregações, com cerca de 5 mil ministros. O apoio foi referendado pelo pastor Arnaldo Candeias, presidente da entidade.
Na sexta, foi a vez de outra convenção de ministros da Assembleia de Deus, a Comadeeso, representada por dois líderes, juntar-se à campanha de Casagrande. O pastor Nathaniron Ribeiro da Cunha, presidente da entidade, declarou e pediu voto ao candidato, dirigindo-se aos pastores e líderes de ministérios: “Renato é uma pessoa que defende a vida, que defende a família, que tem princípios cristãos. Sempre tem diálogo muito bom com a igreja. […] Interromper esse projeto seria um retrocesso muito grande para o Espírito Santo.”
O pastor David Estinguette foi ainda mais prescritivo: “Pastor, todo o estado do Espírito Santo, você vai votar 40 para o governo”.
Casagrande aproveitou a chance para afirmar seu compromisso com a defesa da vida, da família e dos valores cristãos e de diálogo permanente com as igrejas, “como a gente fez durante a pandemia”.
A Assembleia de Deus é uma das mais importantes denominações pentecostais clássicas no Brasil. Na grande árvore das igrejas evangélicas, está situada entre as denominações históricas e as neopentecostais. Nestas últimas, domínios de Magno Malta (PL), nem adianta alimentar esperanças.
Já neste sábado, Casagrande faz um movimento importante na direção de lideranças e movimentos sociais ligados ao catolicismo no Espírito Santo: participa do Fórum Igrejas e Sociedade em Ação, que reúne movimentos sociais vinculados à Arquidiocese de Vitória.
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O apoio da Capitã Estéfane
Outro apoio importante obtido por Casagrande nesta sexta-feira (14) foi o da Capitã Estéfane (Patriota). É uma adesão com duplo valor simbólico. Primeiro, porque ela é vice-prefeita de Vitória, cidade governada por um adversário político do governador: o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos). Segundo, porque Estéfane, além de evangélica, é oficial da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES).
Assim, a vice-prefeita também preenche a segunda casinha que a campanha de Casagrande está priorizando no 2º turno: mostrar que ele lidera pessoalmente, com bons resultados, as políticas de segurança pública do Estado e que goza do respeito de representantes das forças estaduais de segurança. Em sua declaração de apoio, Estéfane destacou os investimentos do atual governo no setor. Política de direita conservadora, ela teve 10.075 votos na eleição para a Câmara Federal.
Depoimento de Ramalhão
Na mesma linha, a propaganda eleitoral de Casagrande exibiu nesta sexta um depoimento do Coronel Alexandre Ramalho (Podemos), ex-comandante-geral da PMES e secretário estadual de Segurança Pública durante metade do atual governo.
Ramalhão, como é conhecido na tropa, desfruta de muito respeito entre companheiros de farda e, como candidato a deputado federal, obteve 33.874 votos, dados provavelmente por eleitores conservadores de direita identificados com seu discurso “linha dura” para a segurança pública. Sua plataforma era o endurecimento da legislação penal no Congresso. Não chega a ser um “bandido bom é bandido morto”, mas é seguramente um “bandido tem que ser preso, ficar atrás das grades e acabou a conversa”.
Em seu depoimento, Ramalho destacou a redução paulatina da taxa de homicídios no Espírito Santo e a liderança pessoal de Casagrande no programa Estado Presente. Ramalho, obviamente, define-se como um político de direita (mas não da direita radical) – e é com esse público que o governador está buscando dialogar.
Sindicato da Polícia Civil
Falando em diálogo com o setor, outro tento importante marcado pela campanha, na última quarta-feira (12), foi a conquista do apoio do Sindicato dos Policiais Civis (Sindipol-ES). O presidente, Aloísio Duboc Fajardo, disse aos “amigos policiais civis do Espírito Santo” que Casagrande “cumpriu com os compromissos de campanha”: segundo ele, o governador estruturou a Polícia Civil, deu aumento de 35% e armas novas aos policiais e aumentou o número de vagas em concurso público.
Na quinta (13), o candidato à reeleição reuniu-se com representantes das Guardas Municipais de nove municípios capixabas.
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Declarações “linha dura”
Ao mesmo tempo, ninguém espere ouvir de Casagrande que “a polícia vai mirar na cabecinha e… fogo!”, à moda Witzel… Mas, seja como governador, seja como candidato à reeleição, ele tem dado declarações mais firmes e impactantes, no estilo Capitão Nascimento (por sinal, o cientista político Luiz Eduardo Soares, autor do livro Tropa de Elite, que deu origem ao blockbuster no cinema, declarou apoio a Casagrande).
Na terça à noite, em sua entrevista coletiva sobre os ataques a seis ônibus em Vitória, Casagrande mandou estas frases de efeito: “Nós vamos pra cima! Bandido não vai se criar aqui!”. “Vamos prender um a um”, registrou pouco depois, em um vídeo no Instagram.
Em seu programa de rádio nesta sexta (14), o locutor exclamou, parafraseando Casagrande: “No Espírito Santo, bandido não se cria!”. A repetição sugere que a frase tirada da manga por Casagrande na terça tenha sido previamente formulada por marqueteiros especialmente para aquele momento. Ou então deu certo e eles resolveram repetir.
Já o programa de TV de Casagrande nesta sexta foi aberto com o candidato mandando “um aviso bem claro à bandidagem” (termo usado por ele mesmo): “Qualquer tentativa de intimidação da população será combatida imediatamente pelas nossas forças de segurança”.
Ele ainda condenou “as lideranças políticas que estão usando vergonhosamente o caso para aproveitamento eleitoral”. “Governo de verdade não convive amigavelmente com o crime organizado. Não deixaremos que as milícias tenham vez no nosso estado”, completou, em indireta a adversários.
Conclusão
Por esse conjunto de fatores, pode-se atestar que, para conservar seu lugar no Palácio Anchieta, Renato Casagrande veio com um terno mais conservador para este 2º turno.
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