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Insegurança Jurídica no Brasil e do Brasil: somos uma fábrica de incertezas

Enquanto o Brasil seguir como fábrica de incertezas, a Insegurança Jurídica continuará sendo o maior obstáculo ao desenvolvimento que não consta em nenhum balanço oficial

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A Insegurança Jurídica no Brasil desafia previsibilidade e confiança no sistema. Foto: Pixabay

A Insegurança Jurídica no Brasil desafia previsibilidade e confiança no sistema. Foto: Pixabay

A insegurança jurídica no Brasil não é um acidente de percurso, nem tampouco uma anomalia administrativa. Trata-se, cada vez mais, de uma característica institucionalizada do país, uma engrenagem silenciosa, mas ativa, que opera de forma a corroer a previsibilidade, a estabilidade e a confiança no ordenamento jurídico. O que se vê, na prática, é que a insegurança jurídica não apenas ocorre no Brasil; ela é produzida do Brasil — ou seja, é estruturada a partir das próprias escolhas legislativas, judiciais e políticas que compõem o sistema.

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Essa insegurança se manifesta de forma difusa: legislações em constante mutação, interpretações administrativas casuísticas, decisões judiciais contraditórias, ausência de respeito à jurisprudência consolidada, e, sobretudo, uma cultura institucional que relativiza os efeitos da lei e da própria Constituição. Quando os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima são tratados como meras cláusulas de estilo, e não como fundamentos do Estado de Direito, abre-se espaço para um sistema normativo que penaliza quem cumpre a lei e estimula comportamentos defensivos, de retração econômica.

Não se trata, aqui, de um quadro episódico ou isolado. A insegurança jurídica no Brasil é sistemática e tem sido cultivada por decisões conscientes e reiteradas. Em matéria tributária, por exemplo, é comum que o contribuinte siga fielmente a orientação administrativa ou judicial vigente à época de seu planejamento fiscal, e, anos depois, seja surpreendido com a reversão daquele entendimento, muitas vezes com aplicação retroativa e cobrança de encargos. E, mesmo quando os tribunais reconhecem a ilegitimidade da cobrança, a famigerada modulação de efeitos limita o alcance da decisão, frustrando a confiança legítima de quem agiu de boa-fé. Isso não é apenas uma distorção técnica — é um desrespeito institucional.

O problema se agrava quando se observa que tais práticas não apenas acontecem dentro do território nacional, mas moldam a própria imagem do Brasil para o investidor estrangeiro. A insegurança jurídica do Brasil, portanto, extrapola suas fronteiras. Quando normas mudam sem critérios transparentes, quando contratos são reinterpretados por razões políticas, quando decisões judiciais se prestam a finalidades arrecadatórias, o país perde credibilidade. O investidor deixa de enxergar o Brasil como terra de oportunidades e passa a vê-lo como um campo minado normativo, onde o risco jurídico supera o risco de mercado.

Esse cenário tem impactos diretos no ambiente de negócios. O empreendedor, seja ele de pequeno, médio ou grande porte, convive com a constante necessidade de consulta jurídica para atividades rotineiras. Algo que deveria ser simples — como emitir uma nota fiscal, contratar um fornecedor ou estruturar uma operação — passa a exigir pareceres, planejamento tributário e blindagem jurídica. A incerteza normativa aumenta o custo de conformidade, retarda decisões e sufoca a inovação. Em última instância, compromete a competitividade do país.

A jurisprudência, que deveria oferecer estabilidade e previsibilidade, tornou-se muitas vezes fonte de instabilidade. O sistema de precedentes introduzido pelo Código de Processo Civil de 2015, embora bem intencionado, não foi suficiente para conter a oscilação interpretativa dos tribunais superiores. Ao contrário: em muitos casos, as cortes modulam efeitos com base em argumentos econômicos, distanciando-se do texto constitucional e transformando decisões judiciais em instrumentos de gestão fiscal. E o mais grave: o contribuinte não tem como prever se a interpretação vigente hoje será válida amanhã. Vive-se, assim, um estado permanente de incerteza legal.

A insegurança jurídica, nesse contexto, se incorpora ao chamado “Custo Brasil”. Ela não aparece em balanços contábeis, mas afeta diretamente a alocação de recursos, o custo do crédito, o número de litígios e a aversão ao risco regulatório. Países concorrentes caminham na direção da previsibilidade, simplificação e proteção da confiança, enquanto o Brasil mantém uma estrutura jurídica que dificulta, quando não inviabiliza, o planejamento empresarial de médio e longo prazo.

Não se pode naturalizar esse quadro. É preciso romper com a lógica da insegurança planejada, da normatividade fluida, da jurisprudência instável e da modulação como ferramenta de conveniência política. Segurança jurídica não é luxo, tampouco um privilégio das grandes corporações. É condição mínima para a liberdade econômica, para o empreendedorismo e para o desenvolvimento nacional.

A superação desse cenário exige compromisso institucional. Leis claras, decisões consistentes, respeito aos precedentes e valorização da boa-fé objetiva devem compor o núcleo duro da política legislativa e jurisdicional. O país precisa reencontrar-se com os fundamentos do Estado de Direito e compreender que nenhuma reforma — seja tributária, administrativa ou fiscal — produzirá resultados sustentáveis se continuar assentada sobre um solo jurídico movediço.

Enquanto a insegurança jurídica continuar sendo um dado estrutural no Brasil e um produto recorrente do Brasil, não haverá crescimento sólido, nem confiança, nem previsibilidade. É hora de o país deixar de ser produtor de incertezas e passar a exportar segurança, estabilidade e respeito ao Direito. O empresariado, que já há muito carrega esse ônus, precisa estar à frente dessa transformação. E o Estado, por sua vez, precisa fazer a sua parte: cumprir a Constituição e respeitar a lei.

Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.


*Ramon Fávero é advogado e Consultor Jurídico na Fávero Advocacia, Professor de Direito e Membro do Núcleo Especial de Tributação Empresarial do IBEF-ES.

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