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Iluminação artificial: a luz que direciona e também desorienta
Como as tartarugas, que desovam e nascem à noite, sabem para que lado é o mar? Essa é uma pergunta frequente quando ministro cursos sobre tartarugas marinhas. A resposta vem com outra pergunta: você já foi a uma praia sem iluminação artificial à noite? Quem já foi, vai lembrar que a noite, o lado do mar fica mais claro pois a água reflete a luz da lua e das estrelas, fazendo com que o horizonte e as ondas fiquem mais brilhantes.

Mar iluminado pela lua e as estrelas. Fonte: Creative Commons
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Dessa forma, as tartarugas marinhas conseguem saber para que lado elas precisam ir. Mas se as tartarugas marinhas se guiam pela luz, o que acontece numa praia com iluminação artificial? Ou seja, em uma praia com postes de luz iluminando a orla e casas com lâmpadas acesas?
Para as tartarugas marinhas a fotopoluição, que é o termo utilizado para a presença prejudicial da iluminação artificial no meio ambiente, pode impactar todas as fases do seu ciclo de vida, em especial a fase de migração dos filhotes do ninho para o mar. Uma praia com iluminação artificial ao longo da costa pode confundir e desorientar os filhotes recém-nascidos, que ao invés de seguirem para o mar, acabam indo para o continente por ser mais iluminado.

Campanha do Projeto Tamar sobre fotopoluição. Fonte: Projeto Tamar
Isso faz com que os filhotes sejam atraídos para longe do oceano, aumentando a suas chances de serem comidos por predadores, por permanecerem mais tempo perambulando pela areia. Toda essa energia gasta no caminho contrário ao mar pode levar a morte dos filhotes, por exaustão ou até mesmo desidratação. Além disso, se existir alguma rodovia próxima a orla, é comum encontrar filhotes atropelados. Cientistas descobriram que apenas uma única lâmpada na praia de desova pode desviar e levar à morte de inúmeros filhotes.

Filhote de tartaruga marinha que se desorientou e acabou indo em direção a orla iluminada. Fonte: BBC Planet Earth II
A fotopoluição pode atrapalhar também os filhotes que conseguirem entrar no mar, pois a presença de iluminação artificial na costa ou na própria água, como nos barcos ancorados, pode continuar a desorientar os filhotes. Pois fazem com que eles demorem mais tempo para atingir o alto mar, diminuindo suas chances de sobrevivência e aumentando sua exposição aos predadores. As fêmeas adultas de tartarugas marinhas também são afetadas pela presença de luzes nas praias que podem atrapalhar e impedir seu comportamento de desova, assim como desorientar o seu retorno ao mar.
A fotopoluição está ligada, exclusivamente, à presença humana e com o crescimento da população no litoral, e o problema só tende a crescer. Mas o que podemos fazer para que a luz que serve para nos orientar, não desoriente as tartarugas marinhas? A solução é simples: trocar as lâmpadas de alta potência, por lâmpadas de baixa potência, de preferência as que emitem luz amarela, laranja ou até vermelha; utilizar luminárias embutidas ou com anteparo, que consiga direcionar a lâmpada para que a luz não incida diretamente sobre a praia; e as casas ao longo da orla podem apagar as luzes, pelo menos durante a temporada de desova das tartarugas.
Os filhotes de tartarugas marinhas precisam passar por inúmeros desafios naturais para sobreviverem e isso já é suficiente para que apenas 1 em cada 500 filhotes sobreviva. Portanto, se pudermos ajudar evitando a iluminação das praias, estaremos fazendo a nossa parte na luta pela sobrevivência desses bichinhos.

Imagens ilustrativas sobre formas de iluminação mais adequadas para diminuir o impacto da fotopoluição.
Fonte: Cartilha de Fotopoluição- Projeto Tamar (http://tamar.org.br/arquivos/cartilha%20fotopoluicao_V2014.pdf)
Sobre a autora:

A bióloga Camila Miguel, coordenadora do Projeto Chelonia mydas
Camila Miguel é bióloga, coordenadora do Projeto Chelonia mydas, Doutora em Ecologia e Evolução da Biodiversidade- PUCRS e mestre em Zoologia- PUCRS.
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