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Coluna André Andrès

Gaudio: a história do chef capixaba que virou vinho

Figura conhecida no mundo da gastronomia, Paulo Gaudio teve sua vida transformada por sua paixão pelos vinhos

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Chef Paulo Gáudio, proprietário da vinícola Gaudio. foto: redes sociais

Paulo Gáudio, proprietário da vinícola Gaudio. foto: redes sociais

Como se sabe, existem vários tipos de paixão. Tem a arrebatadora, inesperada e, muitas vezes, encerrada de forma fulminante. Existe a platônica, de admiração distante. E tem aquela esculpida pelo tempo, mais sólida, consistente. Essa última explica parte da história de Paulo Gaudio. Conhecido tanto pela carreira na educação quanto por comandar muito bem o fogão, o capixaba nascido na capital foi sendo arrebatado ao longo da vida por paixões sucessivas. Elas não se anularam, ao contrário, foram se acumulando até dominá-lo totalmente e levá-lo a outras terras, a novos projetos, e muitas mudanças…

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A proximidade de Paulo com a cozinha vem de família. Lá pelos anos 70, ele ficava no espaço mais gostoso da casa vendo os pais, de origem italiana e espanhola, ‘na função’. Tentava aprender algo. No entanto, quem ajudava a elaborar os pratos eram as suas irmãs. Para ele, restava a missão de… lavar os pratos. Aos 10 anos, após ele insistir para ter uma chance de cozinhar, a mãe permitiu. E o estimulou: “Você já sabe como fazer. Faça!” E ele fez: a paixão pela gastronomia se traduziu na preparação da primeira das centenas de moquecas de sua vida.

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Do ‘suco’ ao vinho
Mais ou menos nessa época, seguindo uma tradição italiana, Paulo tomava um ‘suco’ diferente, preparado com vinho, água e açúcar. Aliás, era essa a bebida preferida de sua avó. O tempo passou, e o suco foi trocado pelos vinhos. No início, timidamente, com os rótulos encontrados no mercado brasileiro, de qualidade limitada. “Era o que tínhamos para tomar”, explica, rindo, divertindo-se com a lembrança. Em uma viagem a Foz do Iguaçu, provou bons tintos argentinos. E ocorreu, ali, uma revelação: aquilo era muito diferente de tudo já provado por ele.

A vida profissional seguiu seus caminhos. Vieram as aulas de Matemática e a participação na direção de uma das maiores escolas de Vitória. Os pratos e os vinhos, no entanto, estavam cada vez mais presentes. Das viagens, Paulo trazia muitas garrafas, várias delas abertas na Sereníssima, a primeira confraria da capital, e, depois, na Caves, a mais antiga das confrarias ainda em atividade, 31 anos após ser criada. Suas habilidades na cozinha, demonstradas em reuniões de família e de amigos, levou o amigo Juarez Campos, figura fundamental da gastronomia no estado, a estimulá-lo: “Está na hora de você abrir seu restaurante.” Quase foram sócios. Detalhes impediram a parceria. Mesmo assim, o La Cave foi aberto, e durante 19 anos serviu pratos das cozinhas espanhola e italiana.

Os proprietários da vinícola Gaudio, Thaiz e Paulo Gaudio. foto: Divulgação

Thaís e Paulo Gaudio com alguns dos rótulos produzidos em Urupema: paixão pelos vinhos. Foto: Divulgação

Um mergulho em um novo mundo

O próximo passo foi inevitável: dar aulas de gastronomia. Foram 15 anos no curso da UVV. Um dia, alunos o incentivaram a ter seu próprio negócio na área de vinhos. Ele mergulhou em contatos e projetos com figuras importantes do mundo vinícola do Chile e da Argentina. Formou-se na Federazione Italiana Sommelier Albergatori Ristoratori (Fisar). Seus olhos e seu paladar, no entanto, estavam voltados para os vinhos brasileiros. Há alguns anos, um ex-aluno o colocou em contato com a produção de vinhos de Urupema, em Santa Catarina. As áreas encontradas eram e são muito promissoras. Um terreno foi arrendado, e, depois, outro foi comprado.

Durante esse processo, no entanto, Paulo tinha de resolver um problema: como não domina as técnicas da produção, tinha de encontrar alguém para cuidar da terra. A solução estava ao seu lado, na maior de suas paixões. Thaís, sua esposa, decidiu fazer o mestrado em viticultura e enologia, o primeiro curso do gênero no país, no Instituto Federal de Urupema. “Hoje, ela cuida muito mais da produção do que eu”, diz Paulo, com o sorriso de quem está feliz com sua transformação maior, afinal, seu sobrenome foi parar no rótulo dos nove vinhos produzidos pelo casal. E Gaudio acaba sendo o resumo de uma história curiosa de evolução e transformação, de um chef que virou vinho…

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Os vinhos da Gaudio

Os vinhos da vinícola Gaudio são produzidos em uma área de microclima muito curioso. Urupema fica a 1.200 metros de altitude. É uma das cidades mais frias do país, mas com uma oscilação diária de temperatura: pode gear pela manhã e, pouco tempo depois, a temperatura atingir até 18 graus. Tecnicamente, isso é conhecido como amplitude térmica, apontada como fundamental para se produzir boas uvas. A produção é restrita, como sempre ocorre com uma vinícola boutique. Por enquanto, a distribuição está limitada a restaurantes e hotéis. Confira abaixo os nove rótulos da Gaudio:

Vinhos produzidos pela vinícola Gaudio. foto: Divulgação

Alguns dos vinhos produzidos pela Gaudio: produção beneficiada pelo clima da região. Foto: Divulgação

Conquista – Trata-se de um espumante brut nature rosé. “Tem características de muito frescor e alegre, além de uma austeridade de ser um vinho mais seco e que vem trazer aqueles paladares e sabores que vão agradar e limpar e salivar a boca para degustação de um novo gole e de um prato que vem acompanhar”, define Paulo.

Vitória Chardonnay – Chardonnay sem passagem por barrica, ou seja, com todas as características da fruta sendo preservadas. Segundo seu produtor, o vinho “traz inicialmente aromas de frutas brancas, como melão, o abacaxi”. Sem madeira, o Chardonnay ganha em acidez e se torna ótima opção para harmonização com pratos de carnes brancas e frutos do mar.

Vitória Sauvignon Blanc – A Sauvignon Blanc é uma casta de grande adaptação na região. Alguns dos vinhos mais premiados e conhecidos da Serra Catarinense são feitos com essa uva. Apresenta as notas de frutas cítricas características da Sauvignon. E vinhos feitos com essa casta sempre são apontados como parceira perfeita para a moqueca capixaba.

Vitória Tinto – Blend, formado por 65 % de Cabernet Sauvignon, 22 % de merlot e 13 % de Malbec. Essa mescla poderá se alterar conforme a safra. Passa seis meses por barricas de carvalho francês e americano. “Um vinho extremamente frutado, com muita elegância, taninos aveludados e redondos, frutas vermelhas e que depois aparecem aqueles toques de couro, especiarias e levemente defumado. Principalmente com carnes vermelhas”, diz Paulo.

Tatu Dourado – Os vinhos laranja têm ganhado o mercado nos últimos anos. Sua história remonta a vinhos feitos na região do Cáucaso. Originalmente, eram feitos em ânforas. As cascas ficam mais tempo em contato com o mosto, daí sua cor alaranjada. Ou âmbar, como aponta o rótulo da Gáudio. É feito com Sauvignon Blanc. E o nome? Bem, Segundo uma lenda, um tatu dourado aparece na região de vez em quando. Em sua toca estaria escondido um tesouro de colonizadores. Até hoje, ninguém encontrou o tatu nem a toca. O vinho é bem mais fácil de achar…

Vinho Papagaio Charão, da vinícola Gaudio.

Vinho Papagaio Charão, da Gaudio: rosés da Serra Catarinense é famoso por sua qualidade. Foto: Divulgação

Papagaio Charão – A ave é conhecida na região por fazer revoadas na época da chegada do pinhão. E também por ter parte do corpo tomada por tons de vermelho e rosa. Por isso ele foi lembrado para dar nome ao vinho rosé da Gaudio. É sempre bom lembrar: assim como ocorre com a Sauvignon Blanc, o rosé da Serra Catarinense é sempre muito elogiado.

Donna Chardonnay – Os vinhos sobem um degrau na linha Donna. O Chardonnay passa por nove meses em barrica. Fica mais encorpado. E ganha uma característica curiosa, segundo seu produtor: “Ele tem notas de caju, que é específico da nossa chardonnay. Tem muita estrutura, com aromas tostados. Ou seja, um Chardonnay de características bem marcantes.”

Donna Malbec – A linha superior da vinícola é completada por esse vinho estruturado, de acidez marcante. Como ocorre tradicionalmente com a Malbec, essa estrutura e acidez o tornam ótima companhia para carnes vermelhas.

Cedro – É o ícone da Gaudio. Mescla bordalesa, com a Cabernet Sauvignon predominando e sendo acompanhada por Merlot, Malbec e Cabernet Franc. “Cedro é a árvore da vida. Está relacionada ao nosso conceito e também é o nome da localidade onde estamos plantando as nossas primeiras mudas para os nossos próximos vinhos”, conta Paulo Gaudio.


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André Andrès

Há mais de 10 anos escrevo sobre vinhos. Não sou crítico. Sou um repórter. Além do conteúdo da garrafa, me interessa sua história e as histórias existentes em torno dela. Tento trazer para quem me dá o prazer da sua leitura o prazer encontrado nas taças de brancos, tintos e rosés. E acredite: esse prazer é tão inesgotável quanto o tema tratado neste espaço.

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