Coluna Vitor Vogas
Da insegurança ao alívio: o que levou Eugênio Ricas a desistir de disputar o governo?
Roubada, rasteira e decepção. Conheça, detalhadamente, as razões do superintendente e cada passo que o levou a querer ser candidato e recuar num intervalo de 20 dias

Eugênio Ricas desistiu de disputar o governo.
Da ingenuidade politica à insegurança. Da insegurança ao desconforto. Do desconforto ao alívio. E, do alívio, à decepção com a política e com quem a faz, de fato, no Espírito Santo. Começou com a expectativa pessoal de que pudesse mesmo chegar lá e se tornar o próximo governador do Estado; terminou, na mesma velocidade, com a sensação de que na verdade estava entrando numa roubada e de que, se abrisse mão da carreira na Polícia Federal, corria o sério risco de sofrer uma rasteira até agosto dentro do PSD e de acabar não conseguindo nem sequer disputar as eleições.
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Nos últimos 20 dias, a pré-candidatura de Eugênio Ricas ao governo do Espírito Santo surgiu e sumiu como um cometa no céu eleitoral capixaba. Nessa terça (29), em artigo assinado por ele e publicado em A Gazeta, Ricas anunciou publicamente sua decisão de não concorrer, em tom institucional. Na coluna de hoje, apresentamos os reais motivos da decisão do superintendente da Polícia Federal no Espírito Santo – que acordou muito mais aliviado nesta quarta-feira (30).
A primeira conversa de Ricas sobre o processo eleitoral foi com Paulo Hartung, no início do ano. O ex-governador o incentivou a lançar candidatura ao governo. Picado pela mosca azul, Ricas passou quase dois meses refletindo sobre a ideia. No fim de fevereiro, decidiu topar o projeto.
O próximo passo, então, seria arrumar um partido que pudesse abrigar sem óbices a sua candidatura. Nessa altura, Ricas, Hartung e um dirigente do PSD passaram a tratar dessa questão. Desde o início, o PSD foi apresentado a Ricas como o caminho ideal para ele.
Nesse tipo de coisa ninguém fornece nota promissória. Mas Ricas acreditou de verdade que houvesse o compromisso de que ele seria o candidato do PSD ao governo do Espírito Santo, sem adversários internos.
Até então não se falava (pelo menos não com ele) que o prefeito de Linhares, Guerino Zanon, hoje no MDB, também pudesse entrar no PSD para pleitear o mesmo espaço. O que se dizia a Ricas era que Guerino, outro pré-candidato ao governo oriundo do grupo de Hartung, entraria em outro partido que não o PSD para viabilizar a própria candidatura.
Assim, crendo piamente nesse “acordo” e nesse “compromisso”, Ricas começou a fazer a sua parte e a circular por veículos de imprensa, concedendo uma série de entrevistas em que admitia publicamente que poderia candidatar-se ao Palácio Anchieta. Foi nessa fase que deu uma entrevista ao vivo ao Estúdio360, no último dia 17. Apesar de certo nervosismo no ar, nos bastidores mostrou-se bastante motivado e convencido de que, no PSD, possuía todas as garantias e condições para ser mesmo candidato: a “candidatura Ricas” era para valer.
Por que, então, em vez de dizer “posso ser pré-candidato”, não declarava logo “sou pré-candidato”? Porque ainda não estava filiado, e colegas mais experientes o haviam alertado sobre o risco de, no meio político, levar uma rasteira a qualquer momento de onde menos esperasse. Sábios conselheiros. Parece que estavam adivinhando. Reforço: isso no dia 17.
A conversa muda; o “acordo” desanda
Poucos dias após a entrevista, o “compromisso” começou a desandar – ou Ricas começou a se dar conta de que as coisas não eram bem como ele tinha acreditado. Descobriu então que a obsessão maior dos dirigentes partidários, inclusive os do PSD, mais que eleger um governador ou até o presidente da República, é fazer deputados federais (o que lhes garante mais dinheiro no rateio dos fundos de financiamento público dos partidos e das campanhas).
Neste ponto, foi informado – por um emissário de Paulo Hartung com assento no PSD – que Guerino Zanon na verdade também estava a caminho de se filiar ao partido, com a mesma proposta de se lançar ao governo do Estado, mas levando para o PSD uma chapa completa, pré-montada, de candidatos a deputado federal – algo que Ricas não tinha a apresentar, até por ser novato na política.
O “fato novo” da chegada de Guerino veio com outra notícia: como só um dos dois poderia obter do partido a legenda para concorrer ao Palácio Anchieta, Ricas teria que se dispor a disputar internamente a legenda com o prefeito de Linhares, numa prévia ou na convenção partidária a ser realizada em julho. Portanto, teria que entrar no PSD – abrindo mão da chefia da Polícia Federal no Espírito Santo – sem nenhuma certeza de conseguir de fato ser o candidato.
Morreram ali, se é que de fato algum dia existiram, as garantias com que o delegado contava. Com elas, morreu a sua convicção e esvaiu-se o seu entusiasmo, dando lugar à insegurança e à sensação de que, desde o princípio, tinha sido muito ingênuo e fora feito de trouxa.
As suspeitas do delegado
Uma primeira questão: se Guerino no início não estava para entrar no PSD, como é que de repente ele chegou com uma chapa prontinha de candidatos a deputado e quais foram as armas que ele usou para conseguir montar essa chapa?
Uma desconfiança: o que garantia a Ricas que Guerino e seus aliados não usariam essas mesmas armas lá na frente, em uma prévia? Além disso, que transparência teria esse processo interno de escolha? (Não é como lá na Secretaria de Estado de Controle e Transparência, comandada por ele em parte do governo Paulo Hartung…)
Um dirigente do PSD chegou a lhe dizer “fique tranquilo, você ganha fácil nas prévias”… Mas Ricas não tem “grupo político”, aliados antigos na política, muito menos noção de como jogar o jogo partidário, muito diferentemente do experimentado Guerino… Tudo isso fez o delegado de repente se sentir muito inseguro. E, de pronto, o que até então lhe parecera uma grande e sólida empreitada – com chances reais de vitória – começou a lhe cheirar como uma tremenda roubada.
Acostumado com o “cortar reto” que vigora na Polícia Federal, Ricas achou um sinal muito ruim já começar na atividade política com um acordo político quebrado, antes mesmo de confirmar candidatura. Se o negócio já começa assim, que dirá durante a campanha propriamente dita e mais ainda durante o governo, em caso de vitória eleitoral.
E, então, ele tomou sua decisão de não entrar mais nessa “roubada”; uma decisão que lhe trouxe alívio e paz de espírito.
Ingênuo e decepcionado
Além de ter se sentido meio ingênuo, Ricas sentiu-se não exatamente usado, mas decepcionado com a política. Jamais filiado a um partido e ainda não testado nas urnas, o delegado federal entreabriu a porta para ver como a política partidária realmente é feita. E não gostou do que viu através da fresta.
Fechou a porta e voltou ao seu habitat (aliás, nem saiu de lá): a Polícia Federal (PF). O que, aliás, foi outro ponto muito importante pesado em sua decisão.
O risco de Ricas: salto no escuro
Para se habilitar a disputar as eleições de outubro, Ricas teria que renunciar, até o próximo sábado (2), ao cargo de superintendente da PF no Espírito Santo. Como delegado de carreira, seguiria nos quadros da instituição, mas não mais na posição de chefia. Não seria abrir mão de pouca coisa.
Faria total sentido se tivesse ele a certeza plena de um caminho desobstruído para registrar candidatura em agosto. Mas, encontrando obstáculos dentro do próprio PSD antes mesmo da largada, que segurança tinha ele de que valia mesmo a pena jogar tudo para o alto e ir para o risco?
Nesse caso, Ricas preferiu não largar a chefia da Superintendência para entrar numa disputa interna com Guerino sem garantia alguma de que obteria a legenda – o que seria realmente um movimento para lá de arriscado: renunciar à tão cobiçada posição de superintendente, em prejuízo da própria carreira e da ascensão nos quadros da PF, para correr o risco de lá na frente ficar com a brocha na mão, sem chefiar o órgão no Espírito Santo nem poder disputar o governo.
O delegado tinha a consciência de que fazer um movimento tão ousado significaria não só abdicar da superintendência, mas, possivelmente, enterrar a sua ascendente carreira na instituição.
O diretor-geral da PF é escolhido pelo presidente da República e é quem nomeia, com relativa independência, os superintendentes nos estados (em decisões interna corporis). Mas a PF é um órgão um tanto refratário em relação à atividade política: federais que disputem ou exerçam mandato ficam marcados, associados à política. E, se voltam às fileiras da instituição, em geral não conseguem mais subir.
Quem segue por um caminho político tem que fazer essa escolha consciente de que é uma troca praticamente definitiva. Falando em federais, é como diz o policial Malone (Sean Connery) ao agente do FBI Eliot Ness (Kevin Costner), em “Os Intocáveis”: a partir do momento que você atravessa essa porta… “there’s no turning back”: é um caminho sem volta.
Então é preciso ser um caminho minimamente seguro, sobretudo nos primeiros e titubeantes passos.
Réquiem para um sonho eleitoral
Ao lado do alívio e da decepção, resta não só ao ex-quase-pré-candidato, mas a todos que acompanham a política local, uma sensação de que a eleição ao governo deste ano perdeu um nome muito competitivo e que poderia dar trabalho a Renato Casagrande (PSB). O próprio Palácio Anchieta monitorava com muita atenção e respeitava (para não dizer temia) a pré-candidatura do delegado.
No fim, o que Ricas viu foi um partido do Centrão, dirigido nacionalmente por Gilberto Kassab, preterir um candidato promissor ao cargo de governador para ter chances de fazer um, com muita sorte dois, deputados pelo Espírito Santo. E o status quo da política se perpetuando.
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