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Coluna Vitor Vogas

Máfia do vinho: como era o esquema e o papel de cada integrante

Organização criminosa se estruturava em 5 núcleos formados por empresários e dois agentes públicos

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No inquérito da Operação Decanter, os representantes do Ministério Público Estadual (MPES) explicam como se estruturava a quadrilha formada por empresários do setor de comércio de vinhos e agentes públicos instalados no governo estadual, que praticavam, em tese, os crimes de sonegação fiscal, associação criminosa, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. “Os investigados, com habitualidade e em união de desígnios delitivos, agiram dolosamente para estruturar um complexo esquema de sonegação fiscal, voltado à supressão do ICMS devido em operações de venda de bebidas, em especial vinhos”, dizem os promotores de Justiça.

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A quadrilha se dividia em cinco núcleos. Havia “o grupo de contadores”, “as empresas pivôs” (principais beneficiárias do esquema), “as empresas credenciadas para atuarem em regime de substituição tributária”, “as empresas instrumentais em Goiás” e o núcleo dos agentes públicos, formado pelo auditor fiscal Carlos Alberto Farias e pelo ex-secretário de Estado da Fazenda Rogélio Pegoretti.

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Os autores do inquérito explicam como cada um deles atuava no esquema. Confira o que diz o MPES:

1. Grupo dos contadores

“Nessa fraude fiscal estruturada, temos um grupo de contadores (Geraldo Ludovico, Joabe Lopes de Souza e Guilherme Tarcísio Silva) responsáveis pela constituição de inúmeras empresas instrumentais (‘fictícias’ ou ‘de fachada’), voltadas à emissão de notas fiscais simuladas para inflar artificialmente o estoque das empresas atacadistas cognominadas ‘pivôs’.”

2. As empresas pivôs

“As principais empresas ‘pivôs’ identificadas (Letícia Distribuidora, Serra Atacado, Distribuidora Vila Velha, Comercial K.S., Newred Distribuidora, Unidos Distribuidora, Rio Branco Distribuidora e Comercial Sos) são gerenciadas, de direito ou de fato, pelos empresários Otoniel Jacobsen Luxinger, Adilson Batista Ribeiro, Gessio de Oliveira Pereira, Sérgio Ricardo Nunes de Oliveira, Ricardo Lúcio Corteletti, José Gabriel Paganotti, Frederico de Lima Leone, Wagney Nunes de Oliveira e Alexandre Soares de Olivera”.

Segundo o MPES, “essas firmas, em verdade, são as grandes beneficiárias do esquema de sonegação fiscal, na medida em que são elas as responsáveis por comercializar as mercadorias às redes varejistas, sem o pagamento do ICMS devido”.

3. As empresas credenciadas para atuarem em regime de substituição tributária

De acordo com os autos, “todo esse engenho criminoso somente é possível pela atuação das empresas credenciadas para atuarem em regime de substituição tributária (Total Mix Atacado, Sol Atacado, Ômega Atacadista, Ocean Atacadista e Saphira Distribuição), as quais adquirem as mercadorias de fornecedores e, para não recolherem o ICMS-ST (substituição tributária) nas vendas internas, simulam vendas interestaduais para empresas instrumentais do Estado de Goiás). Na prática, contudo, os produtos não saem fisicamente do Espírito Santo, sendo revendidos a varejistas com notas emitidas pelas empresas ‘pivôs’”.

O MPES dá nome aos responsáveis, de direito ou de fato, pelas empresas credenciadas: “são os investigados Otoniel Jacobsen Luxinger, Adilson Batista Ribeiro, Ramon Rispiri Viana e Wagney Nunes de Oliveira”.

4. As empresas instrumentais em Goiás

Conforme consta nos autos, “outra importante figura na engrenagem delitiva é Hugo Soares de Souza, responsável, de fato, pela constituição, no Estado de Goiás, das empresas instrumentais Madri Atacado Ltda, Bandeirantes Atacado Eireli, Goiás Distribuidora Eireli e HSS Foods Distribuidora, as quais receberam notas fiscais simuladas de todas as firmas credenciadas acima identificadas”.

5. Os agentes públicos

“Por fim”, completa o MPES, “foram colhidas provas substanciais de que dois agentes públicos (o ex-secretário de Estado da Fazenda Rogélio Pegoretti Caetano Amorim e o auditor fiscal da Receita Estadual Carlos Alberto Farias) pediram e/ou receberam vantagem financeira indevida dos empresários beneficiários do esquema de sonegação fiscal, para que, em contrapartida, preservassem os interesses deles”.

“Delinquir a qualquer custo”

Os responsáveis pelo inquérito também alertam para a “periculosidade” dos empresários em questão, sua reincidência na prática de crimes (“reiteração delitiva”), sua “intenção de continuar delinquindo a qualquer custo” e seu “firme propósito de corromper agentes públicos”.

Os promotores destacam que, no caso de Otoniel e Adilson, após a cassação da inscrição estadual da empresa Total Mix Atacado, “eles passaram a operar, também, com a empresa credenciada Sol Atacado, constituída em nome do irmão de Otoniel, Daniel Jacobsen Luxinger, o que evidencia a intenção de continuar delinquindo a qualquer custo. Mas não é só. Nos inúmeros áudios trocados entre Otoniel e Adilson, localizados nos dados telemáticos obtidos com autorização judicial, denota-se um firme propósito de corromper agentes públicos, para evitar fiscalizações em suas empresas, sendo este mais um importante indicativo da periculosidade em concreto deles”.

A influência de Rogélio na Sefaz mesmo após ter sido exonerado

Os signatários do inquérito detalham a participação fundamental de Rogélio Pegoretti para que o esquema prosperasse:

“A restrição cautelar da liberdade também é necessária para o investigado Rogélio Pegoretti Caetano Amorim, o qual, no exercício do relevantíssimo cargo de secretário de Estado da Fazenda, recebeu propina dos investigados Otoniel, Adilson, Ricardo, Sérgio Ricardo e Frederico [os cinco empresários que a Justiça mandou prender], e, em contrapartida, adotou medidas para resguardar os interesses deles, como transmissão de informações sobre investigações em curso, transferência de auditores fiscais que instauraram auditorias contra as empresas, concessão de vantagens fiscais indevidas em favor das firmas e perseguição de concorrentes”.

Rogélio Pegoretti pediu demissão da Secretaria da Fazenda. Foto: Arquivo/Ales

Segundo os responsáveis pela investigação, Rogélio, como secretário da Fazenda, colocou-se a serviço de sonegadores contumazes de impostos, em troca de propina:

“A gravidade em concreto desse fato, por si só, já seria suficiente para legitimar a prisão preventiva, para resguardar a ordem pública. Afinal, estamos diante de um servidor público de carreira (auditor do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo), que, ao ocupar o mais alto cargo da Secretaria de Estado responsável pelas finanças estaduais, se colocou a serviço de um grupo de empresários sonegadores contumazes de impostos, em troca de vantagem financeira indevida”.

Os promotores ressaltam que, mesmo após ter sido exonerado do cargo, há evidências de que Rogélio Pegoretti teria continuado a exercer influência sobre servidores da Sefaz, daí a necessidade da decretação de sua prisão preventiva.

“Também é importante destacar que, mesmo após a sua exoneração do cargo de secretário de Estado da Fazenda, em agosto de 2021, é notório que ele continua possuindo grande influência política naquele órgão, tanto que duas assessoras nomeadas por ele continuam trabalhando no gabinete do atual secretário [Marcelo Altoé].”

Após citar uma das muitas conversas telefônicas mantidas entre Otoniel e Adilson (no dia 11 de agosto de 2020, pouco depois da exoneração do secretário), o MPES conclui que “todas essas circunstâncias denotam que Rogélio, mesmo afastado do cargo de secretário de Estado da Fazenda, pode continuar tentando influenciar auditores fiscais e outras autoridades daquele órgão a beneficiarem os empresários corruptores.”

Os autores do inquérito também mencionam que, enquanto estava no cargo, Rogélio pressionou servidores a fim de obter informações privilegiadas sobre as investigações – um deles chegou a ser remanejado de função logo após uma reunião em que esse intento foi frustrado – e que, mesmo agora, embora longe da Sefaz, sua “notória influência” representa “um sério obstáculo” para que auditores fiscais prestem depoimentos isentos, com medo de retaliações, por terem sido indicados por ele para os respectivos cargos comissionados (de livre nomeação).

“Mas não é só. Essa notória influência também representa um sério obstáculo a que os auditores fiscais que têm conhecimento das irregularidades por ele praticadas prestem depoimentos isentos, dado o natural receio de retaliações.”

Eles citam um caso concreto:

“Será ouvido como testemunha, por exemplo, o auditor fiscal Arthur Carlos Teixeira Nunes, que, de acordo com a testemunha Alexander Allegretti Pocubay, esteve presente na reunião em que o ex-secretário exigiu informações sobre a presente investigação. Contudo, Arthur Carlos ocupa o cargo em comissão de gerente fiscal, para o qual foi nomeado por Rogélio, não havendo dúvidas de que a influência deste poderá interferir na isenção do depoimento a ser prestado, em razão do risco potencial de que venha a sofrer retaliações internas”.

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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