fbpx

Coluna João Gualberto

Coluna João Gualberto | Eles ainda estão aqui

Filme “Ainda Estou Aqui” revive os horrores da ditadura e emociona o público ao narrar a história de Rubens Paiva

Publicado

em

Cena emocionante do filme Ainda Estou Aqui, que retrata a tragédia da ditadura militar brasileira. Foto: Divulgação

Cena emocionante do filme Ainda Estou Aqui, que retrata a tragédia da ditadura militar brasileira. Foto: Divulgação

Assisti, há alguns dias, o extraordinário filme de Walter Salles Ainda Estou Aqui. Fiquei muito emocionado e entristecido, como quase todos os milhões de brasileiros que têm ido aos cinemas para mergulhar por algum tempo nos anos de chumbo que infelizmente vivemos no Brasil. O extraordinário texto de Marcelo Rubens Paiva, que é a base do roteiro, o desempenho dos atores, em especial o de Fernanda Torres, tudo nos leva ao despertar das nossas emoções.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

O que mais chama a atenção é o modo como o exército brasileiro foi capaz de sequestrar um bom pai e marido carinhoso, um político que fora cassado e que tentava reconstruir sua vida na iniciativa privada, na área de construção civil no Rio de Janeiro. Em seguida o exército levou Rubens Paiva como prisioneiro para dentro de uma de suas dependências para matá-lo, como foi anos depois comprovado. Mais do que isso, penso em como puderam levar sua esposa – na verdade já viúva, sem o saber, visto que os documentos oficiais atestaram a morte do prisioneiro 24 horas após o sequestro – para um lugar sórdido, de forma proposital, para que ela ouvisse os gritos de outros presos sendo torturados.

Receba as notícias da coluna no grupo de Whatsapp do João Gualberto.

Tudo ao que assistimos no filme é assustador, tanto que o público permanece em silêncio profundo e sai da sala da sessão com olhos vermelhos de chorar pelo que acabou de ver. Choramos, na verdade, os muitos mortos por aquele regime de horror, que enquanto produzia o chamado milagre econômico, enquanto ficava popular entre os setores médios da população, matava os seus críticos. Os que acompanharam as matérias recentes sobre o crescimento do crime organizado no Brasil viram que figuras como o Capitão Guimarães nasceram naquelas masmorras que mataram Rubens Paiva e torturaram psicologicamente a admirável Eunice Paiva.

O filme não retrata só o passado, ele também trata do presente entre nós. Vimos agora, pelo indiciamento em processo da Polícia Federal que, no governo brasileiro que perdeu as eleições de 2022, houve um movimento pelo retorno dos governos como aqueles que mataram Rubens Paiva de forma covarde. Não apenas ele, mas milhares de outros opositores, em sua enorme maioria jovens. Mais do que isso, um  recente ex-governante do nosso país ameaçou interromper o processo democrático  inúmeras vezes, como quando desfilou com seus velhos tanques em Brasília.

Certamente a anistia dada aos torturadores em 1979 foi um grande equívoco, um dos maiores erros na construção democrática brasileira dos anos recentes. Nenhuma violação como aquela que vimos em Ainda Estou Aqui foi investigada ou apurada, nenhum daqueles gorilas que faziam pingar sangue do corpo de inocentes teve seus atos trazidos a público para o julgamento da sociedade. Tanto que talvez aquele que tenha sido o mais brutal dos torturadores do regime militar, o coronel cujo nome não merece ser citado, foi homenageado pelo então deputado Jair Messias Bolsonaro ao votar pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Só isso já mereceria sua cassação, se os crimes cometidos pelo regime militar tivessem sido apurados pela justiça e o torturador homenageado houvesse sido devidamente condenado pelas  atrocidades que cometeu. Outro fato a ressaltar, como muito bem registrou o jornalista Vitor Vogas em artigo recente, que Marcelo Rubens Paiva relata que Jair Bolsonaro, quando deputado federal, literalmente cuspiu no busto erguido em memória de Rubens Paiva na Câmara dos Deputados, em Brasília.

Um candidato a tirano tentar dar um golpe com a ajuda de um certo número de oficiais das forças armadas já é em si espantoso, mas o que me parece mais difícil de entender é como milhões de brasileiros ainda apoiam uma atitude como essa. É comum observarmos pessoas da nossa convivência, seja dos setores médios ou mesmo dos meios populares, ainda defenderem com vigor a volta dos governos ditatoriais ou, no mínimo, aprovarem os gestuais autoritários que dão passagem às narrativas pela suspensão do estado democrático.

Para não irmos mais longe, basta lembrar das multidões que se aglomeravam diante dos quartéis pedindo que um golpe impedisse a posse do presidente eleito em 2022. Vindas de uma sociedade violenta como a brasileira e sujeitas às mentiras que circulam pelas redes sociais, muitas pessoas de bem cederam e cedem ao discurso fácil dos populistas de direita. O que me parece é que o pesadelo da família de Rubens Paiva não é um fato sobre o qual possamos ter certeza de que não voltará; não ainda. Talvez um passo importante seja a condenação, agora, para servir de lição, daqueles que querem articular o retorno do regime cruel que infelicitou a vida de tantos brasileiros.


Valorizamos sua opinião! Queremos tornar nosso portal ainda melhor para você. Por favor, dedique alguns minutos para responder à nossa pesquisa de satisfação. Sua opinião é importante. Clique aqui

João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.