fbpx

Coluna Vitor Vogas

Análise: debate final entre Manato e Casagrande virou duelo de concepções sobre “defesa da vida”

No confronto final com Casagrande, Manato fez vários acenos aos eleitores bolsonaristas mais ideológicos, mas excedeu-se no negacionismo ao afirmar que “a pandemia foi uma farsa”

Publicado

em

Todos os elementos mais marcantes do 2º turno da eleição ao governo estadual desaguaram no debate final da TV Gazeta, na noite da última quinta-feira (27), entre Renato Casagrande (PSB) e Carlos Manato (PL). Foi o ápice da agressividade mútua e também do contraste das duas estratégias no que se refere à disputa nacional.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

Manato atacou Casagrande pelo flanco da suposta corrupção. O governador atacou o adversário pelas frentes da Le Cocq e da greve da PMES. Mas o tema que realmente dominou a contenda foi a pandemia.

Receba as notícias da coluna no grupo de Whatsapp do Vítor Vogas.

Manato fez fortes acenos aos bolsonaristas mais radicais (sobretudo evangélicos e católicos mais conservadores), que não admitem o aborto sob hipótese alguma, mesmo em excepcionalidades previstas pela legislação brasileira, e àqueles que até hoje põem em dúvida o tamanho da gravidade da pandemia do novo coronavírus.

Radicalizando no bolsonarismo, o candidato levou ao extremo o discurso negacionista. Não só criticou medidas de isolamento social (como o fechamento temporário do comércio) como defendeu, a esta altura do campeonato, o inócuo “tratamento precoce” (cloroquina, “kit Covid”), a exemplo do que fez Bolsonaro no debate da Band contra Lula.

Indo além, o candidato a governador, que é médico, disse ao vivo, em rede estadual de TV e rádio, uma frase que será lembrada por muito tempo: “A pandemia foi uma farsa que vocês fizeram”. Segundo ele, o número de vítimas da doença foi superestimado pela Secretaria Estadual de Saúde, a fim de que o governo estadual pudesse obter mais repasses federais. Até mortes “por tiro e facada” teriam entrado na contagem oficial.

Em sua jogada inicial no debate, Manato também tentou pregar em Casagrande a pecha de “abortista”, condenando-o porque o Governo do Espírito Santo enviou uma menina de 10 anos para realizar um aborto legal em um hospital de Pernambuco.

> Manato admite que pode escalar aliados políticos em equipe de governo

O caso ocorreu em agosto de 2020, no município de São Mateus. A menina em questão engravidara após ser estuprada por quatro anos por um tio não consanguíneo. Havia uma decisão judicial autorizando o procedimento – a qual, a rigor, nem seria necessária: casos de gravidez decorrente de estupro e de risco de morte para a gestante (dado o corpo infantil da menina) estão entre as exceções previstas na legislação brasileira sobre o aborto.

A então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, enviou representantes e aliados políticos a São Mateus, e a menina teve o nome ilegalmente vazado. Após muita pressão indevida, a vítima foi levada para Pernambuco, onde conseguiu exercitar o seu direito ao aborto legal.

Respostas de Casagrande

Diante da declaração de Manato de que a pandemia teria sido uma “farsa”, Casagrande classificou-o como “um médico que renega a ciência” e que “não tem sensibilidade”. “Inadmissível”, “impressionante” e “inacreditável” foram adjetivos repetidos por ele.

Sobre as medidas de isolamento social adotadas por seu governo no auge da pandemia, o governador classificou-as como “medidas corajosas para salvar vidas”. Além da coragem, repetiu que um governante precisa ter “empatia” e “sensibilidade”. “Nós salvamos vidas” foi seu mantra. Ainda disse ao oponente que, se fosse ele o governador, teria adotado “medidas covardes”.

No fim, além de exibir um gritante contraste de projetos e de mentalidade, o debate expôs uma enorme divergência de concepções entre os dois candidatos sobre o que significa de fato “defender a vida”: se seria impedir o aborto em qualquer hipótese (mesmo naquelas previstas pelo Código Penal), ou se seria adotar medidas impopulares, mas necessárias no auge da pandemia, para frear as taxas de transmissão do novo coronavírus e assim reduzir o número de mortes de pacientes com Covid-19.

> Agressividade e estratégias opostas: um balanço do 2º turno entre Manato e Casagrande

Ponderação do colunista

Não posso deixar de ponderar que Manato, no meu sentir, passou do ponto no discurso negacionista, ao retomar, a esta altura da pandemia, a defesa de um pretenso “tratamento precoce” de eficácia jamais comprovada pela ciência e, principalmente, ao reeditar uma teoria conspiratória que beira as raias do absurdo e até da inconsequência, além de pressupor falta de ética por parte de colegas de sua própria categoria profissional.

Afinal, o que o candidato declarou só seria possível se um sem-número de médicos em atividade no Espírito Santo forjasse a causa mortis em atestados de óbito que só podem ser dados por eles, praticando, portanto, o crime de falsidade ideológica. Não sem razão, parcela dos médicos capixabas reagiu com indignação à fala.

Dizer que “a pandemia foi uma farsa” é uma afirmação muito grave. Desrespeita não só as vítimas da Covid-19 e seus parentes como a própria classe médica, da qual o candidato faz parte. Não faz jus à memória de quem morreu nem ao sacrifício dos profissionais da saúde que se mataram (não raro, literalmente) na linha de frente do combate à doença nos hospitais.

Em entrevista ao EStúdio 360 na última quinta-feira (27), poucas horas antes do debate – a sua última grande entrevista nesta campanha eleitoral –, Manato afirmou ter a humildade necessária para assumir seus erros e pedir desculpas quando está errado. Disse isso ao responder a uma pergunta sobre o episódio ocorrido em outubro de 2018, no qual reclamou dos poucos votos recebidos na comunidade de Feliz Lembrança, em Alegre, sua cidade natal.

Ganhando ou perdendo a eleição, seria oportuno que o nobre candidato voltasse a exercitar a nobilíssima virtude.

LEIA TAMBÉM

> No ES, Marina pede votos para Casagrande e dá “anistia” para Audifax

> Uma correção importante: o real motivo da saída de cena de Nésio Fernandes

> PT abraça a estratégia de Casagrande de não abraçar Lula

> O ensurdecedor silêncio de Paulo Hartung sobre o 2º turno no ES

> “Pinga”: no ES, Paulo Guedes debocha de Lula, de Meirelles e de criador do Real


Valorizamos sua opinião! Queremos tornar nosso portal ainda melhor para você. Por favor, dedique alguns minutos para responder à nossa pesquisa de satisfação. Sua opinião é importante. Clique aqui

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.