Coluna André Andrès
A pesada crítica de um “mestre” ao vinho brasileiro – Parte 1

Foto: Patricio Tapia | Divulgação
Patricio Tapia é considerado um dos maiores críticos de vinhos da América do Sul. Há quem o considere o maior. É o responsável pelo Descorchados, o mais respeitado guia de vinhos latino-americanos. Na edição deste ano, Tapia tratou com dureza, para dizer o mínimo, o vinho produzido no Brasil. Curiosamente, sua opinião teve pouca repercussão. Ele deveria ser mais ouvido e sua posição também deveria ser mais discutida por quem gosta da produção nacional. Ele tem razão total? Bem, isso será discutido na próxima coluna. Por enquanto, fique com partes do texto publicado pelo chileno em Descorchados. Seus elogios ao espumante nacional ficarão de fora, porque todos sabemos da qualidade desse produto. A ideia, aqui, é mostrar, para quem ainda não viu, a essência da crítica de Tapia. A coluna está usando como referência para essa reprodução o Blog do Jeriel, grande entendedor do tema. Vamos ao texto…
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“Tivemos um ano complexo no Brasil. Mas primeiro as boas notícias. A qualidade dos espumantes brasileiros segue em alta, ganhando também em caráter e em diversidade de estilos.
Do lado oposto, é a pouca consistência que mostram os seus vinhos tranquilos, tanto brancos como tintos. Há muito bons exemplos que se misturam com vinhos que – a maioria deles – ainda não mostram uma expressão clara de fruta, uma identidade varietal. O Brasil e seus vinhos ainda são um trabalho em andamento.
Provar vinhos tranquilos no Brasil hoje é semelhante a fazê-lo na Argentina ou no Chile, mas há 20 anos. E sim, é verdade, existe a questão do clima. Enquanto, por exemplo, em Mendoza – que é um deserto – a falta de chuvas nos meses de colheita permite uma ótima sanidade das uvas, na Serra Gaúcha, por exemplo, chove cerca de 1.600 mm por ano e 120 mm por mês, no momento do amadurecimento das uvas. “Agosto é o mês mais seco, com 110 milímetros de chuva”, conta o produtor Alejandro Cardozo. Essa quantidade de água seria considerada um dilúvio em Mendoza. Deve acrescentar-se também que as temperaturas na região não são tão altas, nunca atingindo os trinta e poucos graus como no Vale Central do Chile. É por isso que os tintos e os brancos do sul do Brasil são geralmente de teor alcoólico bastante baixo, produto de temperaturas que não ultrapassam os 26°C durante os meses de maturação.
Com tudo isso em mente, voltemos à ideia de que degustar vinhos tranquilos hoje no Brasil é como fazê-lo há vinte anos na Argentina ou no Chile, quando o momento local de cada um deles pecava por certa ingenuidade e, sobretudo, permanecia isolado de tudo que estava acontecendo no mundo. Muito mais concentrado no mercado local, mas acima de tudo, sem exigências, satisfeito de alguma forma por um trabalho que não recebia críticas, que não se questionava.
Correndo o risco de parecer excessivamente áspero, a experiência de degustar tintos e brancos brasileiros – principalmente tintos – pode ser um tanto decepcionante, se comparada ao nível médio apresentado por outros países produtores latino-americanos. Em primeiro lugar, a dificuldade do clima é sentida neles. É sentida a dificuldade de obtenção de frutas sanas, o que resulta na pouca clareza varietal de seus vinhos. Para remediar uma má matéria-prima, é preciso recorrer a produtos enológicos, e isso se sente muito na hora de procurar a fruta, a expressão varietal.
Depois, há o fato da extração excessiva. No Brasil, aparentemente, ainda existe a ideia de que quanto mais carregado, mais denso e tânico, maior será a qualidade do vinho dali resultante. E o que eles obtêm na maioria das vezes são tintos desequilibrados, muitas vezes na acidez, e quase sempre nos taninos.
A madeira também é um ponto importante. Os vinhos mais ambiciosos do panorama brasileiro abusam da extração, mas também da madeira. E muitas vezes de forma ingênua, como se quisessem deixar claro para o consumidor que se gastou um bom dinheiro com barricas e necessita que sintam isso, não há dúvida. E sim, é verdade, alguns gerentes comerciais e até mesmo vinicultores, enólogos e proprietários de vinícolas pensam que a madeira é um argumento de qualidade e que as pessoas gostam, uma ideia da última década.
E, finalmente, o ponto da madurez. É claro que em condições chuvosas, a ideia de antecipar a colheita ou atrasá-la, muitas vezes não depende do produtor, mas dos caprichos da natureza. Tem sido comum para nós nestes anos degustar no Brasil vinhos muito maduros, de frutas cansadas ou, no outro extremo, vinhos verdes, sem fruta para sustentá-los, sem o frescor dos frutos vermelhos. De todos os problemas que vejo no vinho tranquilo brasileiro, este me parece o mais complicado.
Antes de passar para as boas notícias, alguns números. Este ano provamos 396 vinhos tranquilos, o que foi um recorde. No entanto, apenas 46 deles foram selecionados para aparecer no guia. Em termos percentuais, este é o pior desempenho que tivemos em Descorchados 2021, entre os quatro países cujos vinhos foram provados.
Enquanto trabalhávamos na edição brasileira dos novos Descorchados, tive que responder a muitos produtores que, preocupados, pediram explicações para a ausência de seus vinhos nas reportagens. E a minha resposta, com mais ou menos detalhes, sempre teve como motivos aqueles que já discutimos.
Esta situação não é nova para o guia. Há anos que mantemos contato direto com produtores e, em mais de 20 anos, vimos como os seus vinhos evoluem – segundo nós – para melhor. Em alguma coisa temos contribuído, mas acho que a chave fundamental para essa evolução foi colocar a cabeça para fora e ver o mundo. E isso é algo que não vimos no Brasil.
Quando, há mais de uma década, os produtores argentinos começaram a degustar tintos e brancos além de Mendoza, além da Califórnia ou Bordeaux, um mundo imediatamente se abriu para eles e essa visão foi fortemente sentida em seu trabalho. Houve um antes e depois daquelas viagens, daquelas provas na Borgonha, em Barolo, na Bairrada, na Galícia, no Jurá, em Jerez. Os novos sabores e a troca com produtores de outras latitudes mudaram o vinho argentino e o mesmo aconteceu no Chile. Essas viagens, essas degustações, afinal, transformaram o vinho sul-americano.
É hora, então, de os produtores brasileiros ousarem e tentarem. No momento é difícil viajar, mas eles têm a sorte de ser o principal país importador de vinhos da América do Sul e a oferta alí existente é mundial. Não há pretexto. Um pouco mais de mundo implicaria mudanças significativas, mesmo radicais.”
Na próxima coluna vamos analisar o texto do grande Patricio Tapia.
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