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Coluna Vitor Vogas

Vereadores de Vila Velha terão auxílio-alimentação a partir de 2024

Tramitação do projeto da Mesa foi uma aula completa de como faltar com a transparência. Votação em plenário durou 3 minutos, sem menção alguma à criação do benefício. E ganha um prêmio da coluna quem achar a íntegra da proposta no site da Casa

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Sessão plenária da Câmara de Vila Velha. Foto: site da CMVV

Responda rápido: o que você consegue fazer em 3 minutos e 10 segundos, ou, precisamente, 190 segundos? Por certo não conseguirá ler este texto até o fim. Mas foi esse o tempo de que precisaram os vereadores de Vila Velha para aprovar a concessão de uma verba indenizatória para eles mesmos, em processo marcado pela pressa, por nenhuma discussão e por absoluta falta de transparência. A partir de janeiro, os 17 parlamentares da cidade receberão auxílio-alimentação de R$ 1,2 mil por mês. O valor será corrigido anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).

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Longe das vistas e dos ouvidos dos cidadãos vila-velhenses (que arcarão com a conta), o pagamento do benefício para os próprios vereadores já se transformou em lei municipal, com efeitos a partir do dia 1º de janeiro. A lei foi promulgada pelo presidente da Câmara Municipal, Bruno Lorenzutti (Podemos), após a sanção tácita do prefeito Arnaldinho Borgo (Podemos). O ato de promulgação foi publicado na edição da última segunda-feira (11) do Diário Oficial do Município de Vila Velha.

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A Câmara de Vila Velha já paga auxílio-alimentação ao seu corpo de servidores. Conforme a Lei Municipal nº 6.796/23 (art. 3º, incisos I e II), vigente desde março deste ano, os servidores efetivos recebem, desde 1º de maio, a quantia de R$ 1 mil por mês. Já os funcionários comissionados e cedidos por outros órgãos recebem a ajuda no valor de R$ 600,00 mensais.

No dia 23 de novembro, a Mesa Diretora, presidida por Lorenzutti, protocolou o Projeto de Lei n° 4234/2023. A redação do projeto não foi publicada na página oficial da Câmara, e a ementa era a mais opaca possível: “dá nova redação aos incisos I e II do artigo 3º da Lei nº 6796/23 e dá outras providências”.

A “nova redação” aos trechos da referida lei diz respeito aos servidores da Câmara. Com o projeto, o auxílio-alimentação dos efetivos, atualmente em R$ 1 mil, será reajustado para R$ 1,2 mil a partir de janeiro. Para os comissionados e cedidos, o benefício passará de R$ 600,00 para R$ 700,00.

Quanto às “outras providências” dadas pelo projeto, bem, aí é que eles puseram o jabuti em benefício próprio. Diz o artigo 2º do projeto:

Art. 2º Fica instituído um auxílio financeiro denominado “Auxílio-Alimentação” a ser pago mensalmente aos Agentes Políticos da Câmara Municipal de Vila Velha, nos mesmos moldes do fixado para os servidores do quadro efetivo.

Ora, os “agentes políticos da Câmara” não são outros que os próprios vereadores. “Os mesmos moldes” significa o mesmo valor pago aos efetivos. Assim, a partir de janeiro, os vereadores também passarão a fazer jus ao benefício no valor de R$ 1,2 mil – teoricamente, a título de indenização pelos gastos com alimentação efetuados em serviço, isto é, no exercício das atividades parlamentares.

A autoconcessão de verba indenizatória com essa finalidade já é, por si mesma, extremamente questionável. Vereadores não podem querer se igualar a servidores comuns, até porque não o são. Não são obrigados a cumprir jornada fixa de trabalho de segunda a sexta-feira nos respectivos gabinetes, muito menos a manter dedicação exclusiva à vereança, podendo acumular outras atividades profissionais e fontes de renda.

Porém, mais até que a medida, em si mesma bastante questionável, o que chama a atenção no episódio é o show completo de como faltar com a transparência esperada de homens públicos.

A Câmara de Vila Velha não deu a menor publicidade nem à apresentação nem à votação do projeto. Como dito acima, nem sequer publicou em sua página oficial a íntegra da proposta, protocolada em 23 de novembro. Quatro dias depois, o projeto foi votado e aprovado, em sessão extraordinária convocada e presidida pelo presidente Bruno Lorenzutti.

Da leitura do projeto pelo 1º secretário da Mesa, Joel Rangel (PTB), à proclamação do resultado, tudo durou os 3 minutos e 10 segundos citados no início deste texto. E “a leitura do projeto” foi daquele jeito: somente a ementa citada acima, nada mais. Não houve nenhum comentário, tampouco qualquer menção a “benefício” ou “auxílio-alimentação”. O raro cidadão que por acaso tenha visto a sessão ficou sem entender o que de fato se estava votando.

Pareceres favoráveis de três comissões (Justiça, Administração e Finanças) foram apresentados, votados e aprovados sumariamente em plenário, por unanimidade nos três casos.

Chamou a atenção até a velocidade da fala do presidente, lendo tudo o que precisava ser lido no ritmo de um locutor de futebol no rádio.

A votação propriamente dita durou incríveis 30 segundos, da abertura do painel por Lorenzutti até ele dizer (sempre correndo) “Aprovado! Próximo!”.

Após a aprovação no dia 27 de novembro, o projeto de lei seguiu para a análise do prefeito Arnaldinho, que, de acordo com a Lei Orgânica de Vila Velha, tinha 15 dias para se posicionar sobre a matéria. Dentro desse prazo, o prefeito poderia tanto sancionar o projeto, transformando-o em lei municipal, como vetá-lo total ou parcialmente, devolvendo o veto à Câmara para apreciação em plenário.

Arnaldinho, contudo, não fez nem uma coisa nem outra. O projeto foi devolvido à Câmara sem manifestação do prefeito. O silêncio nesse caso, do ponto de vista legal, corresponde à chamada “sanção tácita”. Reza a Lei Orgânica Municipal (artigo 40, § 3º): “Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Prefeito importará em sanção”.

Em outras palavras, o prefeito dá o seu aval ao projeto sem deixar suas impressões digitais nem comprometer-se politicamente com o teor do que foi aprovado. Na prática, o chefe do Executivo lava as mãos… e devolve a bola para a Câmara. Foi o que fez Arnaldinho. Após o projeto voltar à Casa sem veto nem sanção, cabe ao presidente do Legislativo promulgar a nova lei municipal. Foi o que fez Bruno Lorenzutti.

Cumprindo uma obrigação legal, o presidente fez publicar a promulgação da nova lei na edição da última segunda-feira (11) do Diário Oficial do Município de Vila Velha.

Ainda assim, a publicação saiu da maneira mais “escondida” possível, na seção “Diversos” lá na última página, em meio a outras publicações avulsas como um comunicado da Secretaria Municipal de Obras e um edital de convocação para perícia do Instituto de Previdência de Vila Velha (IPVV). Mas fácil localizar um anúncio em páginas de classificados.

Vale dizer que, no preâmbulo da publicação, Lorenzutti de certo modo tratou de dividir com Arnaldinho a responsabilidade pela promulgação, dizendo, textualmente, que o prefeito “sancionou” a lei que institui o auxílio-alimentação para os vereadores de Vila Velha:

O presidente da Câmara Municipal de Vila Velha, Estado do Espírito Santo, usando das atribuições que lhe são conferidas pelo § 7º do artigo 40 da Lei Orgânica do Município de Vila Velha, ‘faz saber que o Prefeito sancionou nos termos do § 3º do artigo 40 da Lei Orgânica Municipal, e ele promulga o Autógrafo de Lei nº 4.814/23, que se transformou na Lei Nº 6.982, de 04 dezembro de 2023.” (grifo nosso)

Cumpre destacar que somente então, no dia 11 de dezembro, no ato de promulgação publicado no Diário Oficial, é que a imprensa e o público em geral puderam enfim descobrir do que afinal tratavam as “outras providências” dadas pelo projeto de lei aprovado pela Câmara em 27 de novembro.

Ou seja, só no derradeiro ato da tramitação, na publicação de um projeto já votado, aprovado e tacitamente sancionado, é que se pôde descobrir o conteúdo desse mesmo projeto – quando o certo, evidentemente, seria a publicização do seu teor desde o ato inicial da tramitação: a protocolização no site da Câmara.

Assim mandam as regras mais elementares não só da transparência, não só do respeito ao princípio constitucional da publicidade dos atos do poder público, mas do respeito aos cidadãos que os elegeram e que pagam essa conta. Ponto.

Na verdade, o prazo não foi respeitado, não…

Um detalhe que também é preciso sublinhar, pela estranheza da situação: como manda a Lei Orgânica de Vila Velha, “decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Prefeito importará em sanção”.

Ocorre que, no caso concreto, o prazo legal para isso nem sequer chegou a vencer. É que a lei foi promulgada por Lorenzutti antes mesmo de expirado o prazo de 15 dias. É só fazer um cruzamento de datas para se verificar o descumprimento.

A lei foi promulgada na última segunda-feira (11), mas o ato de promulgação, assinado por Lorenzutti, é datado de 4 de dezembro – como consta na publicação do ato no Diário Oficial. Portanto, entre a aprovação do projeto e a assinatura da promulgação, decorreram na verdade sete dias.

Detalhe adicional: segundo a Lei Orgânica Municipal (art. 40), a partir da aprovação da lei (em 27/11), o presidente da Câmara tinha até dez dias úteis para enviar o projeto ao prefeito. Assim, passaram-se sete dias, no limite, se o projeto tiver sido enviado diretamente no mesmo dia da aprovação, mas a matéria pode ter passado ainda menos tempo sobre a mesa do prefeito.

O cálculo do aumento de gastos

Se o site da Câmara de Vila Velha não traz nem a redação do projeto, que dirá o impacto financeiro e a justificativa.

O impacto financeiro, por se tratar de uma conta simples, nós mesmos podemos calcular.

Em 2024, o pagamento do auxílio-alimentação aos 17 vereadores representará um gasto extra de R$ 20,4 mil mensais e R$ 244,8 anuais para a Câmara.

A partir de 2025, como o número de edis em Vila Velha subirá para 21, o gasto corresponderá a R$ 25,2 mil mensais e R$ 302,4 mil anuais. Isso não considerando eventual reajuste pelo IPCA-E (já previsto no texto da lei recém-promulgada).

O cálculo refere-se apenas à criação do benefício para os vereadores, sem considerar o reajuste no tíquete para os servidores da Câmara.

Contatos sem retorno

Quanto à justificativa da Mesa Diretora, “ficaremos devendo” ao leitor ou leitora – embora quem tenha a obrigação de prestá-la sejam os vereadores que aprovaram o projeto e, principalmente, seus autores. Desde a tarde da última segunda-feira (11), pedimos um posicionamento e enviamos questionamentos por escrito ao presidente Bruno Lorenzutti, ao diretor-geral da Câmara, Bruno Maciel, e à Diretoria de Comunicação da Casa. Não houve resposta.

Também telefonamos para o presidente Bruno Lorenzutti, mas não fomos atendidos.

Seguimos à disposição e atualizaremos este texto com as respostas, quando e se vierem.

Só a capa?!? De novo?!? Não pode ser tão difícil…

Não é a primeira nem a segunda vez que a Câmara de Vila Velha – especificamente, seu site – fica devendo em matéria de transparência. Quando os vereadores apresentaram a proposta de emenda à Lei Orgânica que ampliou de 17 para 21 o número de parlamentares na próxima legislatura, foi rigorosamente a mesma coisa: só a capa do projeto no site, com uma ementa obscura.

Na ocasião, questionado por esta coluna, Bruno Lorenzutti alegou em síntese que esse é o procedimento normal na Câmara de Vila Velha. De fato, publicar só a capa dos projetos, qualquer que seja o projeto, é o padrão no site dessa Câmara. Mas é um padrão terrível, que precisa séria e urgentemente ser revisto no site do Poder Legislativo do segundo maior município do Espírito Santo.

Perdoem-me, mas não pode ser tão difícil assim publicar regularmente, no sistema de consulta a processos legislativos, o arquivo com redação integral e justificativa de todas as matérias protocoladas na Casa, como simplesmente todo mundo faz em qualquer Casa de Leis do planeta que tenha o mínimo de infraestrutura.

O efeito cascata da Assembleia

É aquela pedra cantada aqui em abril deste ano. Naquele mês, dando um péssimo exemplo, deputados estaduais aprovaram a extensão, para eles mesmos, do auxílio-alimentação pago pela Assembleia Legislativa aos seus servidores (hoje no valor de R$ 1,8 mil). Abriram o precedente seguido desde então, em cadeia, por Câmaras Municipais do Espírito Santo.

No fim de novembro, os deputados aprovaram projeto de resolução apresentado pelo presidente da Assembleia, Marcelo Santos (Podemos), que acabou com a necessidade de o deputado interessado requerer oficialmente o recebimento do benefício. A partir de agora, quem assumir mandato na Assembleia terá direito ao tíquete-alimentação automaticamente, sem precisar nem pedir.

Sem descontos

No dia 4 de dezembro, os vereadores de Vila Velha aprovaram projeto de resolução, também de autoria da Mesa Diretora, promulgado no dia seguinte por Bruno Lorenzutti no Diário Oficial da Câmara, o qual especifica:

“O auxílio-alimentação de que trata o caput deste artigo não tem natureza salarial, nem se incorporará à remuneração do servidor para quaisquer efeitos, bem como não será configurada como rendimento tributável e nem constitui base para incidência de contribuição previdenciária.”

Traduzindo: essa verba, inicialmente fixada em R$ 1,2 mil, não sofrerá descontos.

A posição de Arnaldinho

A título de registro, a Lei Orgânica de Vila Velha (art. 40, § 1º) diz que, “se o Prefeito julgar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, dentro de quinze dias úteis, contados da data do seu recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente da Câmara os motivos do veto”.

Assim, é legítimo concluir que, se o prefeito não vetou o projeto total ou parcialmente, não o julgou inconstitucional nem contrário ao interesse público.

Questionada pela coluna sobre os motivos de o prefeito não ter vetado nem sancionado o projeto, a assessoria da Prefeitura de Vila Velha respondeu, por nota, que Arnaldinho não quis interferir em um assunto interno do Poder Legislativo, relativo a como a Câmara gastará seu orçamento:

“A Câmara é um poder independente e possui autonomia para realizar planejamento e gestão financeira sobre repasse duodécimo que recebe, sem interferência do Executivo.”

Como votaram os vereadores

Ah, e, para zero surpresa de ninguém, o site da Câmara também não traz nem o placar da votação do projeto que criou o tíquete-alimentação para os vereadores nem como eles votaram. É possível, porém, recuperar a relação pela imagem do painel de votação na filmagem da sessão extraordinária de 27 de novembro, disponível no canal da Câmara no YouTube.

Dos 17 vereadores, 14 estavam presentes. Todos votaram a favor:

. Anadelso Pereira (Podemos)

. Bruno Lorenzutti (Podemos)

. Devacir Rabello (PL)

. Devanir Ferreira (Republicanos)

. Flávio Pires (Agir)

. João Batista Tita (PSD)

. Joel Rangel (PTB)

. Jonimar Santos (PSC)

. Osvaldo Maturano (PSDB)

. Patrícia Crizanto (PSB)

. Renzo Mendes (PP)

. Rogério Cardoso (Podemos)

. Romulo Lacerda (PTB)

. Welber da Segurança (PSDB)

Ausentes: D’Orleans Sagais (PV), Léo Pindoba (sem partido) e Fabio do Vale (Patriota).


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