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Coluna Vitor Vogas

Zona de perigo: o arriscado movimento de Casagrande para segurar Gandini em sua base

Gesto de paz: em uma senhora concessão, Casagrande sanciona lei que cria bolsa estudantil com a polêmica “Emenda Gandini”. Morde e assopra: deputado exalta “sensibilidade” de Casagrande, mas endurece em entrevista ao EStúdio 360 e discorda do governo quanto à BR-101. E mais: ao sucumbir à “Revolta da Bolsa”, governador capitula, abre precedente perigoso e pode cair na própria armadilha…

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Renato Casagrande e Fabrício Gandini

O governador Renato Casagrande (PSB) admite que seu governo e sua base parlamentar na Assembleia começaram o ano legislativo, em fevereiro, “não organizados”, o que resultou em inesperada derrota no dia 15, na votação de um projeto enviado por ele que cria uma bolsa estudantil para 120 alunos de baixa renda do ensino médio, com a aprovação de uma emenda de autoria de Fabrício Gandini (Cidadania) e indesejada pelo Executivo. A emenda dobrou o valor da bolsa, de R$ 400,00 para R$ 800,00 mensais por aluno contemplado. 

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“A relação com a base está pacificada. Aquele momento que vivenciamos naquele debate de bolsas para alunos foi um momento em que a base e o governo não estavam organizados, não preparados para aquela votação. Não tinha nem necessidade de votar aquela matéria naquele momento. Mas foi um momento muito isolado”, atenuou Casagrande, em conversa comigo na tarde da última terça-feira (28).

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“Temos a maioria dos deputados dispostos a colaborar com o governo. Isso está muito bem articulado pelo Davi Diniz na Casa Civil, pelo líder do governo, Dary Pagung, pelo vice-líder, Tyago Hoffmann, e pelos nossos parlamentares que estão na Mesa Diretora. Não tenho nenhuma dúvida de que teremos harmonia com a Assembleia. Mas é bom que a gente sempre compreenda que a relação do Executivo com o Legislativo não é uma relação sem problemas. Teremos problemas sempre.”

Apesar dos percalços iniciais, Casagrande mantém a projeção feita pelo chefe da Casa Civil, Davi Diniz, e reiterada por ele em entrevistas a esta coluna no fim do ano passado: a de que sua nova administração terá de 23 a 26 deputados integrados à sua base na Assembleia. “Da base ou de gente que tenha simpatia pelo governo, mesmo que não sejam da base de forma permanente. Podemos chegar, sim, a mais de 20 deputados com boa vontade com o governo.”

“É lógico que vou trabalhar para manter Gandini na base. O que já construímos juntos é muito superior a qualquer problema”

Falando em recompor a base, o mais surpreendente e ruidoso movimento de “desgarramento” partiu justamente do autor da emenda, Fabrício Gandini, presidente estadual do Cidadania e protagonista do que chamamos aqui de “Revolta da Bolsa”: a rebelião de parte dos deputados da base na votação daquele projeto.

No ápice da discussão em plenário no dia 15, Gandini chegou a dizer que a Assembleia não pode só “fazer o que eles querem”, não pode só “rezar a cartilha deles” (e por “eles” entenda-se o governo). Ao não se incluir no pronome, Gandini começou a se colocar à parte do governo Casagrande. Em entrevista no dia seguinte, o deputado me disse que saiu mesmo da base e que essa decisão é fruto de muita reflexão e não tem mais volta. 

O governador discorda.

“É lógico que vou trabalhar para manter o Gandini na base. Se ele quiser ficar na base, ele vai ter, como sempre teve, ambiente de total respeito, harmonia e reconhecimento ao seu trabalho”, disse Casagrande, na mesma conversa comigo na terça.

Os dois não conversam pessoalmente desde as eleições do ano passado (e esse é, aliás, um dos motivos da revolta de Gandini), mas, segundo Casagrande, isso há de ocorrer em breve. 

“Davi Diniz tem conversado com Gandini. Eu, naturalmente, daqui a pouco estarei conversando com o Gandini.”

Por outro lado, Casagrande afirmou que o presidente do Cidadania tem o direito de fazer esse movimento. Também disse compreender eventuais “motivações estratégicas” dessa inflexão do deputado, se ele estiver fazendo isso visando se reposicionar no jogo político-eleitoral, com vistas à próxima disputa pela Prefeitura de Vitória (como é fato que está). 

“O Gandini tem todo o direito de tomar a decisão que achar mais adequada. Se ele quiser, por uma posição política, da vida dele, caminhar para uma posição ideológica, de um lado ou de outro, que seja diferente da posição do governo, ele tem todo o direito de fazer isso. Mas a nossa relação e aquilo que já construímos juntos é muito superior a qualquer problema que tivemos. Ele pode tomar a decisão, por questões estratégicas e de avaliação do mandato dele. Mas, por fatos concretos que tenham acontecido na nossa relação, não tem nenhuma razão.

Gesto de paz: em uma baita concessão, Casagrande sanciona o projeto com a “Emenda Gandini”

Mais do que qualquer reunião ou declaração, Casagrande respondeu a Gandini com um tremendo gesto político, o equivalente a estender uma bandeira branca para o deputado dissidente da base: 

Apesar dos pesares (do gasto extra imposto ao governo por Gandini e de todos os argumentos em contrário apresentados pela tropa de choque de Casagrande em plenário), o governador decidiu sancionar a lei que institui a bolsa para estudantes do ensino médio, no valor de R$ 800,00, tal como queria Gandini. E o fez bem rapidamente, para passar logo o recado e acabar de uma vez com o problema. 

A Assembleia aprovou o projeto na tarde de segunda, com a emenda de Gandini. O projeto, então, seguiu para Casagrande, que poderia vetá-lo ou sancioná-lo. No fim da tarde de terça, perguntei ao governador o que ele faria. Ele me respondeu que aguardaria o parecer do secretário de Educação, Vitor de Angelo. 

Horas depois, na noite de terça, Davi Diniz ligou para Gandini para lhe informar que o projeto seria sancionado. A lei que cria a bolsa de R$ 800,00 mensais por aluno será publicada no Diário Oficial do Estado desta quinta-feira (2). 

Gandini respondeu ao aceno de paz de Casagrande agitando também sua bandeira branca. Em nota enviada por sua assessoria à imprensa na noite desta quarta (1º), o deputado dedicou palavras muito cordiais ao governador:

“É uma vitória para a educação capixaba! E mostra a responsabilidade e a sensibilidade do chefe do Poder Executivo estadual com a educação. Fico agradecido por ter contribuído com um projeto que já era bom e ficou ainda melhor com a minha emenda.”

Mas, em entrevista ao EStúdio 360, Gandini endurece com governo

A troca pública de gentilezas tem seu valor político, o clima de reconciliação está no ar, e a operação nesse sentido foi deflagrada. Pode ser um primeiro passo. Mas daí a Gandini de fato voltar atrás vai uma distância.

Prova disso foi a entrevista dada por ele ao telejornal EStúdio 360 horas antes de enviar essa nota. O deputado entrou no modo “morde e assopra”. 

Na entrevista, exibida nesta quarta às 18h50, Gandini voltou a afirmar que sua postura agora é de total independência em relação ao Palácio Anchieta: vai votar com o governo no que for bom para a população, mas já não se sente preso a nenhum compromisso de lealdade. 

Ao longo da entrevista, Gandini afirmou diversas vezes que “não há diálogo” com ele da parte do governo. 

Como potencial candidato a prefeito de Vitória de novo em 2024, o deputado também deixou claro um dos principais motivos de seu deslocamento para fora da base: a enorme proximidade restabelecida entre PSB e PT também no Espírito Santo, com o partido de João Coser gozando de participação muito maior que o Cidadania no atual governo Casagrande. “Conheço bem o PT. Sei o que fizeram em Vitória…”, ironizou. 

Gandini sabe (ou teme) que a preferência do Palácio Anchieta na eleição à Prefeitura da Capital em 2024 vá toda para Coser. E, também por isso, busca agora construir e trilhar um caminho próprio, independente do governo, rumo à sucessão de Pazolini (Republicanos). 

Desestatizar x Estadualizar: Gandini discorda de Casagrande sobre BR-101

Como cereja do bolo, falando como presidente da recém-instaurada Comissão Especial para Fiscalização da Infraestrutura de Rodovias na Assembleia, Gandini discordou frontalmente da tese sustentada por Casagrande em relação ao imbróglio da concessão da BR-101. 

Para simplificar, hoje, como disse Casagrande, existem duas soluções possíveis:

Uma é o Governo Federal dar reset e iniciar do zero um novo processo de concessão da BR-101 para outra empresa, o que pode demorar alguns anos. Esse processo já foi desencadeado pelo Ministério dos Transportes, com o lançamento do edital para um estudo de viabilidade técnica visando à desestatização dessa e de outras duas rodovias federais que cortam o Espírito Santo.

A outra é o Governo do Estado assumir a concessão da BR-101, se o Governo Federal aceitar estadualizar a rodovia. 

Casagrande afirma que seu governo trabalha com essas duas alternativas. Mas claramente prefere a segunda opção e luta para concretizá-la. 

Gandini discorda com ênfase desse caminho preferido por Casagrande. Para ele, se o Governo do Estado assumir a BR-101, o processo pode até ser mais rápido, mas o governo não vai obter do Ibama as licenças ambientais necessárias para duplicar a rodovia. Consequentemente, não fará as obras necessárias. E ficaremos estagnados, ou pior, andando em círculos.

Gandini opina que o melhor caminho é o Governo Federal lançar um novo edital de concessão pública da BR-101 para o mercado, mas com um contrato totalmente diferente daquele firmado com a Eco101. O novo contrato de concessão, para ele, deve incluir previamente as licenças ambientais necessárias para a realização das obras. 

Os riscos corridos por Casagrande ao sancionar a lei da bolsa emendada por Gandini  

Para Gandini, a sanção da lei com sua emenda de fato foi uma vitória política. Primeiro porque o governo cedeu, fez-lhe uma senhora concessão e sancionou a lei no valor pelo qual Gandini se bateu em plenário. Para isso, o deputado enfrentou o líder e o vice-líder do governo, entre outros oficiais da base. E, no fim, levou a melhor. Ganhou moral para a sequência do mandato. 

Já para o governo, a sanção do projeto com a emenda foi uma decisão arriscada e uma vitória relativa. 

Financeiramente, a concessão foi pequena: dobrar o valor da bolsa significa pouco mais de R$ 500 mil a mais neste ano aos cofres do Estado. Uma ninharia num orçamento de R$ 22 bilhões.

Politicamente, a concessão foi grande. 

Se o governo ganha por um lado na medida em que acalma a base, pode perder por outro, ao abrir um precedente temerário, que pode se voltar contra ele mesmo. 

Logo no início do mandato, o governo joga por terra os principais argumentos técnicos usados por deputados da base quando querem barrar projetos ou emendas de deputados que não agradam ao Palácio.

Primeiro, argumenta-se que a Legislativo, constitucionalmente, não pode criar despesas para o Executivo sem que haja previsão orçamentária. Segundo, que qualquer projeto ou emenda precisa apresentar formalmente o impacto financeiro e a fonte dos recursos no orçamento.

Foram exatamente os argumentos centrais evocados pela tropa de choque do governo Casagrande no último dia 15: Dary Pagung, Tyago Hoffmann, Janete de Sá (PSB) e Mazinho dos Anjos (PSDB) repetiram isso à exaustão. Falaram que, se a emenda fosse aprovada, o governador seria obrigado a vetar o projeto, deixando estudantes sem bolsa alguma. 

Ora, se o governo sancionou o projeto tal como foi aprovado e topou pagar os R$ 800,00 mensais por aluno, provado está que, quando quer, o Executivo flexibiliza bastante os critérios de “legalidade, constitucionalidade e boa técnica legislativa”…

“Vai ter que pagar!”

“Eles podem vetar. Nós derrubamos o veto. Esta Casa é soberana para derrubar o veto. E [o governo] vai ter que pagar. E vai ter que pagar! E vai ter que pagar!”, exclamou um possuído Gandini no plenário no dia 15.

Gandini pagou para ver, e o governo vai mesmo pagar.

Zona de perigo

Prevaleceu a tese de Gandini. A tese dos rebelados.

O governo entrou na “zona de perigo”.

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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