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Coluna Vitor Vogas

Poder no ES: o arranjo produtivo para Marcelo, Ricardo e Casagrande

“Fará um trabalho melhor [que o de Casagrande]”, diz Marcelo Santos sobre Ricardo Ferraço, após atingir a histórica reeleição unânime na presidência da Ales

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Marcelo Santos e os outros membros da nova Mesa Diretora foram recebidos por Casagrande, no Palácio Anchieta, após eleição na Ales. Foto: Hélio Filho/Secom

Marcelo Santos e os outros membros da nova Mesa Diretora foram recebidos por Casagrande, no Palácio Anchieta, após eleição na Ales (03/02/2025). Foto: Hélio Filho/Secom

O projeto “Arranjos Produtivos”, voltado para capacitação de trabalhadores do campo e fortalecimento da agricultura familiar, virou o carro-chefe da gestão de Marcelo Santos (União) na Assembleia Legislativa (Ales). No fim do ano passado, ganhou até um prêmio concedido pela União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais (Unale). Na eleição da Mesa Diretora da Ales, o arranjo mais produtivo para Marcelo, e também para o governo Casagrande, foi o acordo costurado por eles que garantiu a reeleição do presidente por mais um biênio.

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A recondução de Marcelo Santos, confirmada na segunda-feira (3), por unanimidade, na votação dos deputados em plenário, é uma vitória política para todas as partes envolvidas no acordo: Marcelo, Casagrande e o vice-governador Ricardo Ferraço (MDB).

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Para Marcelo, é uma vitória tripla: 1) porque manteve a presidência do Poder Legislativo Estadual; 2) porque enfim alcançou algo que buscava há muito tempo: considerável influência sobre os rumos do União Brasil no Espírito Santo, por intermédio de um grande aliado, o prefeito de Cariacica, Euclério Sampaio; 3) porque agora pode sonhar de verdade com uma chapa forte do União que lhe permita chegar à Câmara dos Deputados na eleição de 2026.

Para Casagrande, a vitória política está, em primeiro lugar, no fato de ter provado que segue exercendo profunda influência nas decisões do Poder vizinho, incluindo a definição da Mesa Diretora, construída a portas fechadas com Marcelo no Palácio Anchieta. Com a renovação da aliança com Marcelo e do voto de lealdade do presidente, Casagrande seguirá tendo um aliado à frente da Casa de Leis, com a segurança e a tranquilidade que isso representa. A expectativa, até o fim do governo, é de navegabilidade em mar calmo; governabilidade total; estabilidade política e institucional.

“Nós aqui estamos contratando a estabilidade política por mais dois anos”, discursou Casagrande, da tribuna da Assembleia, na tarde de terça-feira (4), durante a sessão solene de abertura do ano legislativo, ao lado de Marcelo e Ricardo Ferraço.

Dessa vez, a mão do governador não se fez sentir de forma tão pesada – como na eleição passada da Mesa, no início de 2023. Operou de maneira mais discreta, entre quatro paredes. Tanto que, para atenuá-la – ou para não deixá-la tão explícita –, o governador preferiu se abster de declarar publicamente apoio a Marcelo, gesto que não teria feito a menor diferença e só serviria para “passar um atestado de interferência”.

Mas a mão foi forte do mesmo jeito. Aliás, desde a redemocratização do país, poucas vezes um governador exerceu tão grande influência na definição do comando do Parlamento no Espírito Santo. Resumindo: se Marcelo está inegavelmente fortíssimo hoje na Assembleia, Casagrande está ainda mais.

Para Ricardo Ferraço, a vitória se deu no campo eleitoral. Nesse aspecto, foi até mais importante para ele do que foi para Casagrande. O acordo selado com Marcelo garante, em primeiro lugar, a presença do União Brasil na coligação majoritária liderada por Casagrande em 2026, a qual pode ter o próprio como candidato a senador e Ricardo, a governador. Garante, ainda, que o apoio político e eleitoral de Marcelo a Casagrande agora se estende ao vice-governador. Se Ricardo assumir o Governo do Estado em abril de 2026, terá no presidente da Ales também um aliado. Se for candidato a governador, terá nele um apoiador.

A sintonia entre os três se fez sentir no discurso de Marcelo, da tribuna, logo após ter sido reeleito pelos pares na segunda-feira. Emblematicamente, ele encerrou assim: “Conte comigo, governador Renato Casagrande! Conte comigo, vice-governador Ricardo Ferraço! Vamos seguir em frente para fazer do Espírito Santo um estado cada vez melhor de se viver”.

Marcelo sobre Ricardo: “Fará um trabalho melhor [que o de Casagrande]”

Já na tarde desta terça-feira, na sessão solene de abertura do ano legislativo, com a presença de todas as maiores autoridades do Espírito Santo, chamou a atenção a sintonia nos discursos dos três.

Marcelo referiu-se a Casagrande como “meu amigo, o governador” e destacou o simbolismo da presença dele, assim como o da presença de Ricardo, lembrando que ambos foram deputados estaduais nos anos 1990, antes da chegada dele à Casa.

O presidente citou o slogan que o vice-governador tem usado em suas redes sociais: “O Espírito Santo é o Brasil que dá certo”… “e tem que ser exemplo a ser seguido”, completou.

E foi além. Surpreendendo um pouco, afirmou que Ricardo Ferraço fará um “trabalho melhor” que o de Casagrande no governo. Ele cumprimentava o chefe do Ministério Público Estadual (MPES), Francisco Berdeal, e a antecessora deste no cargo, Luciana Andrade, quando tascou esta: “Quando alguém nos sucede, naturalmente vai fazer um trabalho melhor, e eu tenho certeza que o Francisco vai fazer isso no Ministério Público, assim como o Ricardo Ferraço vai fazer no governo”.

Em sua vez de discursar, assim como Marcelo, Ricardo enalteceu a “harmonia” e a “unidade” entre eles. Segundo o vice-governador, a reeleição unânime do presidente da Ales contraria a máxima de Nelson Rodrigues de que “toda unanimidade é burra”. “Aqui, não. Aqui a unanimidade é um gesto de maturidade, de inteligência, de unidade. E é um sinal muito forte dessa construção coletiva que estamos fazendo no estado do Espírito Santo”.

Ainda segundo o vice-governador, “essa união se transformou em grande referência Brasil afora, pelos feitos que tem possibilitado”.

Ele destacou que o atual governo tem feito “os melhores e maiores investimentos da história do Espírito Santo”. Como tem feito em discursos recentes, pregou que “a responsabilidade fiscal não é fim, mas um meio” para que o governo consiga investir em melhorias na vida das pessoas.

Sem falar diretamente de eleições, Casagrande aproveitou o seu discurso para verbalizar o protagonismo que ele dividirá com Ricardo daqui para a frente (como parte do projeto para o vice se viabilizar eleitoralmente):

“Convidei o vice-governador para contribuir de forma mais ampla no governo. Ricardo já contribui muito no governo porque tem experiência administrativa, conhece a política brasileira e a política local, tem histórico de gente séria e responsável. Eu pedi ao Ricardo: vamos fazer uma mudança e você vem para ficar ao meu lado, para a gente poder ter mais uma pessoa que vai estar junto, fazendo todas as ações do Governo do Estado”.

Casagrande anunciou a data para Ricardo deixar o comando da Secretaria de Desenvolvimento, a ser assumido por Sérgio Vidigal (PDT): dia 12 de fevereiro. “Ele estará lado a lado comigo para cuidar de todo o governo.”

Arranjo contra um possível “desarranjo”

Em entrevista coletiva após ser reconduzido à presidência, na segunda-feira, Marcelo comentou a participação do governo na eleição da Mesa. Segundo ele, o governo entendeu que sua continuidade era importante para não “desarranjar” a Assembleia e, consequentemente, os outros Poderes:

“Numa casa política, principalmente com as eleições se avizinhando, é natural a preocupação de todos os Poderes e instituições – não só o Executivo, mas talvez mais ele – de que não houvesse um desequilíbrio na Casa. Ao desarrumar a Assembleia Legislativa, você alcança imediatamente o Executivo. Ao alcançar o Executivo, você desarranja essa relação, e isso desce para todos os Poderes e instituições. Ao ouvir a base, e a base deixou isso muito claro, ficou muito claro para o governador, e o sentimento dele também era esse, que a vontade da Assembleia era pela continuidade da gestão. Então naturalmente o governador orientou a base dele, da qual faço parte, pela continuidade do nosso trabalho”.

Feito histórico: a reeleição por unanimidade

À parte a inegável influência de Casagrande na eleição da Mesa Diretora da Ales, não se pode tirar os méritos de Marcelo. É fato que, desde o ano passado, se a eleição dependesse só dos deputados (como deveria ser, em tese), Marcelo seria uma barbada.

Ele realmente construiu uma unanimidade entre os pares, traduzida no placar da votação, agradando a todos os colegas, de uma ponta a outra do plenário, de Camila Valadão (PSol) a Lucas Polese (PL).

Chapa única na eleição da Mesa é algo muito comum na Ales. Não há disputa entre duas chapas desde 2003. Mas eleição unânime, mesmo com chapa única, é algo raro. Neste século, só havia ocorrido duas vezes: na eleição de Elcio Alvares, em 2009, e na de Rodrigo Chamoun, em 2011. Há, porém, uma diferença importante: nenhum dos dois foi reeleito. Marcelo, sim. Ele é, no século XXI, o único presidente da Ales reeleito por unanimidade.

Aliás, Marcelo conseguiu ser reeleito com mais votos do que teve em sua primeira eleição, em 2023. Na ocasião, recebeu 27. Camila e Polese, não à toa citados acima, votaram contra a chapa dele. O agora prefeito de Cachoeiro, Theodorico Ferraço (PP), absteve-se.

Muito bem articulado e afável no trato com todos, o presidente agrada por defender os deputados e a Assembleia como instituição – no estilo “mexeu com um deputado, mexeu comigo”. Também é reconhecido por respeitar as prerrogativas dos colegas, dar a eles condições de exercer dignamente o mandato – inclusive físicas, vide a reforma dos gabinetes – e não cercear a voz de ninguém, incluindo os parlamentares da oposição.

Esse contentamento geral se manifestou nas falas de muitos deputados ao declarar o voto em Marcelo na segunda-feira. O “presida”, como o chamou Iriny Lopes (PT), foi muito elogiado por vários. Raquel Lessa (PP) chegou a destacar o senso de humor e a leveza de Marcelo. Ainda bem que ele está leve, pois, após a vitória, chegou a ser erguido do chão por Xambinho (Podemos) e capitão Assumção (PL).

Marcelo Santos é erguido por Assumção e Xambinho após ser reeleito. Foto: Ales

Marcelo Santos é erguido por Assumção e Xambinho após ser reeleito. Foto: Ales

Deputada de muitos mandatos, Janete de Sá (PSB) afirmou que nunca viu os deputados com tanta vontade de votar em alguém para presidente da Casa.

Homenagem foi “motivo de vergonha”

“Esta Casa já foi motivo de vergonha para o Espírito Santo”, disse Marcelo Santos, em seu discurso na abertura do ano legislativo. É verdade. O presidente não deu nome aos bois, mas a referência foi à Era Gratz.

No ano passado, o próprio Marcelo, no plenário da Assembleia, entregou em mãos homenagens ao protagonista dessa era e a alguns de seus coadjuvantes. A Assembleia condecorou, indiscriminadamente, todos os ex-deputados vivos, independentemente de terem tornado a casa “motivo de vergonha” ou de orgulho para o Espírito Santo.

O fato de o próprio Marcelo reconhecer que a Casa era “motivo de vergonha” torna ainda menos compreensível a referida homenagem… É preciso decidir se era motivo de vergonha ou de honrarias.