Coluna Vitor Vogas
Obituário: o tamanho de Max Mauro na história do Espírito Santo
Em nome da Rede Capixaba, a coluna de hoje presta sua homenagem a esse grande capixaba, relembrando aqui em detalhes sua riquíssima trajetória como homem público, com o auxílio de fontes que conviveram de perto com ele ou que estudaram a fundo sua história
O Espírito Santo acaba de perder um dos seus maiores homens públicos e um dos políticos mais importantes do século XX no Estado: na madrugada desta quinta-feira (14), aos 87 anos, o ex-governador Max Freitas Mauro se despediu da vida. Ele estava hospitalizado desde o dia 16 de setembro, por força de uma pneumonia. Só neste ano, foi a sexta internação. Há sete anos, ele lutava contra o Mal de Alzheimer. A morte foi comunicada por seu filho, Max Filho. A causa imediata foi insuficiência renal aguda.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
Prefeito de Vila Velha por um mandato (no início dos anos 1970), deputado estadual por um mandato (1975-1979) e deputado federal por três mandatos (1979-1983, 1983-1987 e 1999-2003), Max Mauro governou o Espírito Santo de 1987 a 1991. Deixa dois filhos: Max Filho e Márgia, frutos do seu primeiro casamento, com a ex-primeira-dama Gleide.
Em nome da Rede Capixaba, a coluna de hoje presta sua homenagem a esse grande capixaba, relatando aqui em detalhes a sua riquíssima trajetória como homem público, com o auxílio de fontes que conviveram de perto com ele ou que estudaram a fundo a sua história.
As três marcas de Max Mauro
Como homem, Max Mauro em geral é descrito como muito educado, um pouco retraído, mas com grande senso de humor. Como homem público, tinha três características maiores, atestadas e celebradas por todas as fontes da coluna.
A primeira delas é a integridade, a honestidade a toda prova e a intransigência com a corrupção no poder público. Max Mauro, nesse aspecto, foi um exemplo para a sua geração e as seguintes. Num universo em que essa é uma virtude rara, o ex-governador era uma verdadeira reserva moral.
Não só era pessoalmente incorruptível como tinha tolerância zero com tudo o que pudesse vagamente rescender a “sacanagem”, desde os tempos de prefeito e deputado estadual, como sublinha o médico Fernando Herkenhoff, companheiro de Max nas fileiras do PMDB durante o seu apogeu político, entre o fim dos anos 1970 e a década de 1980.
“A primeira marca dele é a idoneidade. Era de uma integridade rara na vida política brasileira, talvez mundial. Uma pessoa que tratava bem o dinheiro público e os impostos. Como deputado estadual [de 1975 a 1979], era membro do ‘MDB autêntico’. Fazia uma oposição muito firme, mas não adjetivada, ao regime militar. E o regime sabia que tinha nele uma pessoa que não tem preço, à prova de barganha e sacanagem. Ele não se vendia”, relembra Herkenhoff.
O historiador Estilaque Ferreira dos Santos o descreve assim:
“Era um homem sério, muito honesto, de caráter moralizante, genuinamente devotado à causa pública. Um homem de alto grau de credibilidade e extremamente amigo dos seus amigos. É uma grande perda. Ele teve uma trajetória muito interessante, que certamente será muito lembrada no futuro, uma trajetória muito rica para o Espírito Santo e para o Brasil”.
A segunda grande marca de Max Mauro é seu espírito democrático e sua luta pela democracia como valor máximo e inegociável – luta essa que se confunde com a própria biografia.
Se tivermos que definir em uma palavra um vulto político como Max Mauro, não parece haver outra melhor: ele foi, antes de tudo, um democrata. Poucos no Espírito Santo fazem jus como ele fez a essa definição. Poucos como ele são tão identificados com a luta, pela via institucional, contra a ditadura civil-militar (1964-1985), em prol da redemocratização do país e da participação popular nos processos decisórios.
“Foi um grande democrata, um homem sempre muito voltado para a organização da sociedade democrática. Teve uma participação importante na construção da sociedade civil que se opõe a regimes autoritários”, assinala o cientista político João Gualberto Vasconcelos.
“Max Mauro é, sem dúvida nenhuma, um dos maiores nomes da oposição ao regime militar no Espírito Santo. O maior elemento da biografia dele é esse”, corrobora Estilaque.
A terceira grande marca de Max Mauro é a coerência ideológica, a fidelidade às próprias ideias e a firmeza em suas convicções – algo que, na política, deveria ser a regra, mas, na verdade, é exceção. Esse traço da personalidade política de Max não foi mantido sem um preço: levou-o a colecionar desafetos, alguns deles bem poderosos, no decorrer da vida.
“Era um político de altíssima coerência”, define Estilaque. “Tinha uma firmeza ideológica muito grande e fidelidade às suas ideias. Nunca se desviou da sua linhagem ideológica. Mostrou uma coerência que não se viu, por exemplo, na trajetória de Gerson Camata, que fez um ziguezague”, compara o historiador, introduzindo um coadjuvante que jogará papel muito relevante na sequência desta minibiografia.
As convicções ideológicas de Max estão gravadas no DNA político da família Mauro. Suas ideias estão profundamente enraizadas no trabalhismo – mais especificamente, no trabalhismo à brasileira encarnado por Getúlio Vargas (o varguismo). Sua trajetória política remonta a seu pai, Saturnino Rangel Mauro, de quem foi o principal herdeiro político.
Saturnino Mauro e o trabalhismo varguista
Max Freitas Mauro nasceu no dia 11 de março de 1937, mesmo ano em que o então presidente Getúlio Vargas, no poder desde 1930, implantou sua ditadura civil, inaugurando no Brasil o “Estado Novo”.
O primeiro político importante da família foi seu pai, Saturnino Mauro. Deputado estadual duas vezes pelo Espírito Santo (inclusive constituinte em 1947), o pai de Max era um getulista de carteirinha, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). “Saturnino vem de uma tradição trabalhista muito forte, ligada por sua vez a uma tradição sindical muito forte”, explana João Gualberto.
Com o golpe de 1964 e o início da ditadura civil-militar, vem, no ano seguinte, o Ato Institucional nº 2 (AI-2), que dissolve partidos políticos, incluindo o PTB. Implanta-se, então, o bipartidarismo no país: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação do governo militar, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), onde se exercitava, na medida do possível, a oposição institucional ao regime.
Todas as forças de oposição institucional à ditadura escoaram para o MDB, incluídos os petebistas e trabalhistas em geral. Foi o caso de Saturnino, que passou para a oposição à ditadura, e de Max Mauro. Formado em Medicina pela Universidade Federal da Bahia, o filho de Saturnino já entra na estrada política como cofundador do MDB no Espírito Santo.
“Max era um líder político de firme postura ideológica, que nunca negou sua tradição trabalhista e, depois, de emedebista autêntico”, sintetiza João Gualberto.
“Ele é um político com origens bem remotas, fincadas no varguismo. Seu pai, Saturnino, era muito identificado com a política varguista e com o sindicalismo que, por si só, era muito identificado com o varguismo. Max Mauro herda isso do pai”, ratifica Estilaque. “Foi o último grande representante dessa política varguista no Espírito Santo. Ao mesmo tempo, foi o maior representante do MDB autêntico no Espírito Santo”, condensa o historiador.
A ascensão política: participação popular e oposição à ditadura
Herdando do pai os votos e o DNA trabalhista, Max Mauro surge no cenário capixaba como um jovem líder político humanitário de Vila Velha. Tinha 33 anos quando se elegeu prefeito de sua cidade, em 1970. Governando o município no início da década de 1970, fez um mandato até hoje lembrado por um aspecto marcante: a abertura e o incentivo à participação popular, em pleno auge da ditadura militar.
Como prefeito, além de ser um dos primeiros a exercitar a inovadora experiência de orçamentos participativos, fomentou os movimentos comunitários da cidade da Grande Vitória, dando-lhe forma orgânica e inédita densidade.
Ao lado do também ex-governador Élcio Alvares, Max Mauro foi o político que mais projetou Vila Velha, até então um patinho feio, no cenário político estadual. É curioso o paralelo entre eles nesse aspecto, pois é o único ponto a unir esses dois opostos.
Encerrado o mandato único de prefeito, Max se elegeu deputado estadual, pelo MDB. Seu mandato na Assembleia, de 1975 a 1979, coincidiu com o governo estadual de Élcio Alvares, governador biônico, filiado à Arena. Os dois foram grandes, mas cordiais, adversários.
“Já havia um movimento de denúncia de desmandos dos militares e pela reabertura democrática. Max Mauro se engaja fortemente nesse movimento de defesa do Estado de Direito. Isso é muito claro na trajetória política dele”, observa João Gualberto.
Da tribuna da Assembleia, Max foi uma voz de oposição ao governo Élcio no Estado e, acima de tudo, à ditadura civil-militar, que, nos últimos anos daquela década, começava a dar sinais de fadiga e não teve escolha senão principiar um “lento, seguro e gradual” processo de reabertura política, com a Lei da Anistia e a reinstituição do pluripartidarismo (ambas de 1979). No mesmo ano, Max se elege para o primeiro de seus três mandatos como deputado federal.
Anistiado, Leonel Brizola, o mais direto herdeiro político de Vargas, volta ao Brasil após o exílio. Perdendo a disputa pelo ressurgido PTB, funda o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Em 1980, é fundado o PT. Max, porém, decide ficar no PMDB (ao qual se acrescenta o P).
Em 1982, ele é coprotagonista de um episódio que, para muitos, está entre os mais importantes da história política contemporânea do Espírito Santo: a convenção do PMDB para definir o candidato do partido na eleição daquele ano para governador do Estado, a primeira pelo voto popular desde o golpe de 1964 – em mais uma concessão do regime às pressões que vinham das ruas.
Pela frente, o filho de Saturnino tinha um adversário duríssimo, como a história trataria de demonstrar: o ex-radialista Gerson Camata, seu colega na bancada capixaba na Câmara Federal.
A convenção do PMDB em 1982
Diferentemente de Max Mauro, um emedebista autêntico, Gerson Camata era recém-filiado ao PMDB. Carregando o carisma e a popularidade dos tempos de apresentador de programas de rádio AM, tinha construído sua carreira até ali pela Arena, como vereador de Vitória (um mandato), deputado estadual (um mandato) e deputado federal (dois mandatos). Com faro político, percebeu a mudança na direção do vento da história. E migrou para o PMDB. “Inteligentemente, ele se bandeou para a oposição ao regime”, traduz Estilaque.
A convenção foi realizada no Colégio do Carmo, no Centro de Vitória. Sem dialogarem entre si, Estilaque e João Gualberto dão o mesmo número: Max perdeu para Camata por quatro votos.
Uma das grandes testemunhas oculares desse enredo é Luiz Polese. Hoje consultor informal de empresas, o administrador de 71 anos foi um dos principais companheiros políticos de Max durante os seus dias mais gloriosos, do fim dos anos 1970 a meados dos anos 1990. Homem de esquerda desde muito jovem (apesar do pai integralista) e militante das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) ligadas à Igreja Católica, o colatinense entrou no PMDB em 1979, com seu grupo político de Colatina, para fazer oposição à ditadura. Então se aproximou profundamente de Max e da sua corrente interna, chamada por eles de Esquerda Independente. Passou a seguir sua liderança dentro do PMDB.
Em 1982, por ocasião da convenção, Polese era presidente do Diretório do partido em Colatina. Os convencionais do município apoiaram Max e votaram nele no Colégio do Carmo. Após a derrota para Camata, eles desceram juntos a escadaria da escola. Polese relata o diálogo travado com Max, do qual jamais se esqueceu – para ele, prova irrefutável da firmeza de caráter e da lealdade do líder político:
“Perdemos a eleição da convenção por dois ou três votos, para o Camata, recém-chegado ao PMDB. Como militante das CEBs, eu havia participado das discussões de fundação do PT. Enquanto descíamos aquelas escadarias, eu disse ao Max: ‘Vamos pro PT! Vamos nos filiar ao PT e ser candidatos pelo PT. Não vamos ficar aqui apoiando o Camata’. E o Max me respondeu: ‘Não, não. Não vamos tomar nenhum atitude precipitada. Eu vou ser candidato a deputado federal. Não vamos nos dispersar. É hora de estarmos unidos para fazermos uma eleição unida. E vamos apoiar o candidato aprovado pela convenção’. É isso. Ele sempre foi um político muito partidário, além de ter posições muito avançadas para a época. Um homem de esquerda, um progressista nato, com uma coerência muito grande de respeito às decisões partidárias. Um homem político combativo, firme em suas posições. Mesmo derrotado naquela convenção, ele teve a liderança necessária para não deixar a gente se dispersar”.
De fato, a derrota na convenção foi “parcial” e “provisória”. Os grupos envolvidos selaram então o acordo de que Max seria o candidato peemedebista à sucessão de Camata, em 1986. E assim foi feito. Antes do fim do seu governo, Camata renunciou, entregou o mandato para o vice-governador, José Moraes, e candidatou-se ao Senado em 1986. Cumprindo sua parte no acordo, apoiou Max (formalmente) ao Governo do Estado. Foi a chapa “Macaca”, junção das iniciais de Max, de Camata e do empresário Camilo Cola, também candidato ao Senado naquele ano pelo PMDB.
Camilo não ganhou. Camata e Max Mauro, sim. Um não criou problemas para o outro. Foi um acordo de cavalheiros, de mútua sobrevivência política. A campanha de Max em 1986 mobilizou a nata da inteligência da Ufes.
A rivalidade com Camata e a entrada em cena de um novo rival…
Apesar do cumprimento do acordo e da cortesia recíproca mantida pelos dois, havia uma tensão política latente entre Max e Camata nos anos 1980. Os dois eram grandes rivais políticos. Afinal, com idades próximas e em pleno auge da forma política, competiam diretamente não só pelo protagonismo no PMDB capixaba, mas no cenário político estadual da época. Depois de Élcio Alvares, Camata pode ser considerado o segundo grande adversário de Max Mauro (mas dentro da mesma trincheira). “De certo modo, Gerson Camata interceptou a trajetória ascendente do Max Mauro no cenário estadual em 1982”, formula Estilaque.
No interstício entre 1982 e 1986, Max realmente foi deputado federal. Impossibilitado de concorrer ao governo em 1982, renovou, no mesmo pleito, seu mandato na Câmara dos Deputados.
Curiosamente, ainda na fatídica convenção do PMDB em 1982, outro grupo político determinante na derrota de Max para Camata tinha por protagonista aquele que viria a se tornar seu terceiro grande rival na política local: o ex-líder estudantil Paulo Hartung.
Como frente ampla que era, o PMDB, na verdade, consistia numa colcha de retalhos. A corrente interna de Max era a Esquerda Independente, sem ligação direta com partidos clandestinos, tendo-o como maior líder e referência. Havia a do pessoal do PCdoB, abrigada no partido, chamada de Tendência Popular. E havia a dos militantes do clandestino Partido Comunista Brasileiro (o “Partidão”), também “refugiados” no PMDB, denominada Comissão de Mobilização Popular. Essa era a de Hartung. Dela também fazia parte Fernando Herkenhoff, que também tinha sido líder estudantil na Ufes.
Em uma relação de proximidade que se prolongaria pelas décadas seguintes, Hartung e seu grupo decidiram apoiar Camata na convenção. Nas voltas que o mundo político dá, Camata teria oportunidade de retribuir a Hartung: como senador, apoiou o então colega de bancada para o Governo do Estado, contra Max Mauro, em 2002.
Fernando Herkernhoff relembra por que o grupo dele e de Hartung (os “comunistas”) optaram, ironicamente, por apoiar Camata em 1982 contra Max, político com raízes muito mais democráticas e que expressava muito mais fortemente a tradição emedebista. Por estratégia, concluíram que o ex-integrante da Arena era um nome mais viável justamente por seu passado: com ele no Palácio Anchieta, o risco de reação do regime à vitória de um peemedebista seria bem menor do que com Max.
“Pertenci ao grupo político do Max Mauro. Filiei-me ao MDB e participava das reuniões que ele realizava às segundas-feiras em Vila Velha [ritual político perpetuado por Max Filho]. Houve uma reunião interna no PCB, e a posição vencedora foi que, naquele momento, a candidatura ao governo tinha de ser uma candidatura ampla, ao estilo Tancredo Neves, porque senão haveria uma reação militar. Então, majoritariamente, decidimos apoiar o Gerson Camata, já compromissado com a candidatura de Max Mauro em 1986. Já sabíamos que, na eleição seguinte, nós iríamos apoiar o Max Mauro, e assim fizemos. Depois de alguns meses de mal-estar, houve uma reaproximação entre nosso grupo e o do Max”, rememora Herkenhoff.
O Governo Max Mauro
Max Mauro governou o Espírito Santo por um único mandato, de março de 1987 a março de 1991. No meio do mandato, fiel a suas raízes, trocou o PMDB pelo PDT.
João Gualberto resume assim o que o governo Max teve de melhor e de pior.
Do lado mais positivo e virtuoso, destaca-se aquela primeira das suas três marcas maiores: “Foi um governo ético. Max não era um homem de relações pessoais fáceis. Não era um populista, um camarada que se impõe pela simpatia, mas pelos princípios”, ressalta o cientista político.
Por outro lado, na opinião de Gualberto, o governo do vilavelhense não pode ser considerado exatamente “realizador”. Não foi uma administração de grandes e numerosas entregas, devido a certa lentidão associada a Max, decorrente, para Gualberto, de uma das características apontadas por ele no ex-governador: a de ser muito centralizador.
“Foi um governo vagaroso. Max tomou o apelido de ‘Tartaruga’… e não se importava com isso. Era muito centralizador. Governava com um grupo pequeno de pessoas nas quais confiava. Tanto que, em Vila Velha, o ‘Ginásio do Tartarugão’, inaugurado por ele, ganhou esse apelido por uma brincadeira popular, que acabou ‘pegando’, para ironizar o então governador”, regata o cientista político. “Ele controlava as coisas mais elementares: nomeações e esse tipo de coisa… Era um democrata no velho estilo. Não fazia nada arbitrário, mas, gerencialmente, era muito centralizador.”
Estilaque concorda em parte com o colega, mas mantém uma divergência importante: para ele, Max foi acima de tudo vítima da crise financeira nacional em que teve de governar e, dentro daquelas circunstâncias, realizou até bastante. Acrescentando uma informação à de Gualberto, o historiador atribui a Camata a cunhagem do “apelido maldoso”:
“O caráter moralizante do seu governo é inegável. Mas o consideram um governante pouco realizador. Tanto é que o Gerson Camata, desafeto dele, cunhou essa expressão maldosa, relacionada à lentidão do Max. Ele de fato ganhou a reputação de governo lento, de pouco sucesso administrativo. Acho essa crítica exagerada, levando em consideração as dificuldades que ele enfrentou. Se você vir o que aconteceu aos sucessores dele, a situação foi até bem pior que a do governo dele”, atenua Estilaque. Ele prossegue:
“O Espírito Santo já vivia àquela altura uma grave crise financeira. Essa crise começa com Eurico Resende [1979-1983], atravessa o governo de Camata, cai nas mãos de Max Mauro e se prolonga nos governos Albuíno e Vitor Buaiz… As despesas aumentavam de forma crescente, dado o processo de aumento populacional e urbanização do Espírito Santo. Camata fez um excelente governo, mas graças às conexões estabelecidas com o Governo Federal, pelas quais conseguiu muitos recursos. Aí veio o mandato tampão de José Moraes. Quando Max assume, o governo devia seis meses de folha de pagamento do funcionalismo estadual. Ele entra com o firme propósito de conter essa crise, mas não consegue. O governo dele não conseguiu ter muitas realizações, uma vez que ele estava atolado nessa crise financeira. Isso permitiu que seus críticos reconhecessem a honestidade de Max Mauro, mas dessem a ele a pecha de governante moroso”.
Isso não significa, porém, que não tenha havido realizações. Duas grandes entregas houve, e de enorme importância para os capixabas, ambas na área da mobilidade urbana: a conclusão e inauguração da Terceira Ponte e a criação do Sistema Transcol na Região Metropolitana da Grande Vitória.
Quem discorre melhor sobre os dois temas é Luiz Polese, secretário estadual de Transportes e Obras Públicas de 1987 a 1990, durante a maior parte do governo de Max, após uma breve passagem como diretor de Crédito Rural e Industrial do Banestes.
A entrega da Terceira Ponte
A Terceira Ponte foi uma obra suntuosa iniciada no governo de Élcio Alvares, adversário de Max, em 1978. Quis o destino que coubesse ao próprio Max concluí-la e inaugurá-la, em 1989.
Então secretário de Transportes e Obras Públicas, Polese conta que o maior desafio foi justamente completar os últimos 5% da intervenção. “Não tínhamos dinheiro, e o Governo Federal não liberava recursos. O governo Sarney nos ajudou muito pouco. Então, pegamos um empréstimo junto ao BNDES e foi graças a esse financiamento que conseguimos finalizar a obra”, rememora.
Ainda em 1989, durante o governo Max, a administração da Terceira Ponte foi assumida pela empresa ORL, responsável pela obra. Para “receber pela construção da ponte”, a mesma empresa cobrou pedágio até 1998, ano em que a Rodosol assumiu a concessão, em um contrato de 25 anos com o Governo do Estado, encerrado em 2023.
“No nosso estudo de viabilidade, prevíamos que a concessão ficaria entre sete e 10 anos. Embora sempre tenhamos tido posições de esquerda, conseguimos inovar na época, ao entregar a Terceira Ponte à iniciativa privada por um determinado período. Infelizmente, depois, isso foi prorrogado. Essa foi uma entrega importante, que mudou a mobilidade urbana naquela época”, salienta Polese.
A “revolução” do Transcol
Mas a maior entrega de Max – esta, sim, idealizada por seu governo – foi a implantação do Projeto Transcol. Na definição de Luiz Polese, o novo sistema de transporte coletivo da Grande Vitória, até hoje em vigor, representou “uma revolução na vida das pessoas”. “Sobre isso eu falo com mais orgulho ainda! O transporte melhorou significativamente, e os cidadãos passaram a pagar menos”, resume o então secretário. Ele resgata a briga política travada com empresários que até então controlavam as linhas de ônibus avulsas:
“Naquela época, os proprietários das empresas de transporte se consideravam donos das linhas urbanas. Consideravam que aquilo era deles. Então tivemos que fazer intervenções, nomear interventores nas empresas, para podermos fazer o Sistema Transcol. Até então, para ir de uma cidade a outra da Grande Vitória, o sujeito tinha que pagar de duas a três passagens. Nós implantamos a tarifa única”.
O ex-secretário conta, ainda, que o governo Max comprou 200 ônibus de uma empresa pública de São Paulo chamada Mafersa (os antigos “amarelões”). O projeto previu, ainda, a construção de seis terminais, começando pelos de Vila Velha e de Carapina, na Serra, com a circulação de linhas troncais (entre terminais) e alimentadoras (dos bairros a um terminal).
Combate à corrupção e outros destaques
Polese define Max como um homem de esquerda, mas sem preconceitos ideológicos. “Era um democrata por formação, extremamente ligado aos movimentos populares, mas não tinha nenhuma dificuldade em ouvir as propostas e avanços considerados necessários. Lembro-me perfeitamente de quando ele deu sinal verde para o secretário da Fazenda antecipar ICMS de recursos futuros para a Aracruz Celulose. Quem é que poderia imaginar que um governador de esquerda admitiria uma negociação como essa? E foi um sucesso!”, exemplifica.
O ex-secretário cita, ainda, outra atuação importante e pouco comentada do governo de Max: “Através da Secretaria de Segurança Pública e da Casa Militar, ele fez uma barreira muito grande à entrada do crime organizado no Espírito Santo naquela época”.
Mas o maior legado do governo Max, segundo ele, foi o “combate sistemático à corrupção”. “Ele tinha um compromisso visceral com o combate à corrupção. Isso marcou a minha geração profundamente. E, por onde passei na vida pública, carreguei esse compromisso também”, afirma Polese, vereador de Colatina pelo PMDB de 1983 a 1987 e vice-prefeito da mesma cidade, ao lado de Guerino Balestrassi (ambos pelo PSB), de 2001 a 2004.
Ele ilustra essa obstinação de Max com um episódio vivido no governo que soa quase como uma anedota:
“A primeira-dama, Glades, dirigia uma instituição ligada ao governo que cuidava de questões sociais. Um dia ela veio comemorar porque alguém havia depositado um valor considerável no caixa dessa instituição. Era uma quantia elevada. Ele disse: ‘Calma. Primeiro tem que se saber quem foi que depositou esse dinheiro’. Descobrimos que tinha vindo do jogo do bicho. Ele mandou devolver na mesma hora. Nem titubeou”.
Polese permaneceu no grupo de Max até os idos dos anos 1990. Apoiou-o para o Palácio Anchieta em 1994 e 2002. Deixou o governo em 1990, antes do término, no ano seguinte. Saiu por divergências com o então secretário estadual de Planejamento, Albuíno Azeredo… o que nos leva a outro coadjuvante fundamental nesta história.
O sucessor de Max Mauro
Politicamente, o governador Albuíno Azeredo, que conduziu o Espírito Santo de 1991 a 1994, foi uma criação de Max Mauro. Engenheiro e especialista em transporte ferroviário, ele foi secretário de Planejamento no governo de Max.
Até então, era pouquíssimo conhecido pelo povo e nunca havia disputado nenhum cargo eletivo. Max o escolheu e conseguiu fazê-lo seu sucessor, numa campanha marcada por um ingrediente inédito: pela primeira vez, a eleição para governador teve propaganda eleitoral de massa no rádio e na TV e, assim, uma profunda influência do marketing eleitoral. A de Albuíno foi feita pelas marqueteiras Bete Rodrigues e Jane Mary Abreu.
“Algumas das medidas importantes do governo Max Mauro tiveram a gestão de Albuíno: o Transcol foi praticamente um projeto dele, que o lançou na política capixaba e deu a ele cacife para concorrer a governador”, frisa o professor Estilaque.
Já rompido com Camata, Max foi para o PDT no meio do seu mandato. Albuíno o acompanhou e, pelo partido, se elegeu, derrotando José Ignácio Ferreira (então no PFL). Em simultâneo, Max Filho, o filho de Max, dava seus primeiros passos na política: em 1988, elegeu-se vereador de Vila Velha, também pelo PDT. Poucos anos depois, chegaria à Assembleia.
Até o fim da ditadura, em 1985, o PMDB ainda reuniu a maior parte das forças de oposição ao regime militar. “Quando o partido começa a passar pelo processo de dissolução, Max Mauro retorna ao seu leito original, que é o PDT, herdeiro do legado brizolista e varguista”, explica Estilaque.
Para eleger Albuíno, Max Mauro mobilizou as suas bases municipalistas, contando com dois capitães que foram seus secretários no governo: Theodorico Ferraço foi o braço da campanha no sul; Enivaldo dos Anjos, o seu braço no norte.
No entanto, logo no início do seu governo, Albuíno rompe com Max, por conta de uma divergência relativa à eleição para a presidência da Assembleia.
As eleições seguintes
Albuíno não governou com as velhas bases do MDB, jogando para escanteio Max, cuja influência no governo erodiu. Em 1994, após um governo fraco de Albuíno, o ex-governador tentou, pela primeira vez, voltar ao Palácio Anchieta. Veladamente, Albuíno apoiou Cabo Camata. Max nem chegou ao 2º turno. O vencedor foi o ex-prefeito de Vitória Vitor Buaiz (PT), derrotando Cabo Camata no segundo escrutínio.
Em 1998, já no PTB, Max se elege para seu terceiro e último mandato na Câmara dos Deputados, como o quarto candidato mais votado. Dois anos depois, assiste à chegada de Max Filho ao cargo que ele mesmo exercera trinta anos antes: prefeito de Vila Velha. Isso o credencia a lançar sua terceira candidatura ao Governo do Estado, em 2002 (pelo PTB, tendo como vice Ademar Devens, do PDT).
Dessa vez, o principal adversário nas urnas é o então senador Paulo Hartung, candidato do PSB – com quem ele começara a cultivar uma rivalidade em 1982. O mesmo Hartung, cujo grupo fora decisivo na derrota de Max ante Camata naquela convenção do PMDB, vinte anos antes, agora conta com o apoio do senador Camata contra Max.
As duas candidaturas eram de oposição ao governo José Ignácio, que chegava a um fim melancólico, após uma série de denúncias de corrupção. Ambas nasceram do estuário do Fórum Reage Espírito Santo. Max e Hartung polarizaram a disputa, num 2º turno antecipado no 1º. Com quase 54% dos votos válidos, Hartung derrotou o ex-governador, que chegou a 41,5%, no 1º turno.
Com o apoio de Camata e de outros líderes tradicionais como Theodorico Ferraço, Hartung obteve votação estrondosa no interior. Venceu também em Vitória, governada por ele de 1993 a 1996. Max venceu em Vila Velha, Serra, Cariacica, Viana e outras duas cidades.
Em 2006, de volta ao PDT, Max Mauro se candidata ao Senado. Com quase 600 mil votos e 35,9% dos votos válidos, tem até bom desempenho. Mas só havia uma vaga em disputa, e quem se elege, com mais de 1 milhão de votos, é o então deputado federal Renato Casagrande (PSB), à época aliado de Hartung e apoiado pelo grupo do então governador.
Em 2010, Max tenta, sem sucesso, voltar para a Assembleia. É o crepúsculo político do ex-governador. Depois disso, ele não voltaria a disputar nem a exercer mandato eletivo.
Como grande consolo, Max Mauro assistiu à ascensão e às três vitórias eleitorais de Max Filho, um recordista, para prefeito de sua amada Vila Velha, governada pelo rebento de 2001 a 2008 e de 2017 a 2020.
Além da semelhança física, o filho puxou muitos de seus traços políticos mais marcantes.
Aqui ficam nossos sentimentos a Max Filho e a toda a família Mauro.
Valorizamos sua opinião! Queremos tornar nosso portal ainda melhor para você. Por favor, dedique alguns minutos para responder à nossa pesquisa de satisfação. Sua opinião é importante. Clique aqui