Coluna Vitor Vogas
O mais difícil teste para Pazolini na relação com sua base na Câmara
Rejeitando o candidato à presidência ungido pelo prefeito e rebelados contra o pacotão de facilidades que retiraria poderes deles mesmos, experientes vereadores da base estão se organizando em movimento que pode até resultar no lançamento de uma chapa alternativa na eleição da Mesa Diretora
Inesperadamente, no último mês dos quatro anos de mandato, o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) está diante do mais difícil teste, para ele e sua equipe, no relacionamento com a própria base aliada na Câmara Municipal de Vitória.
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Um grupo de vereadores da base, todos veteranos e reeleitos, rebelou-se contra o “pacote de facilidades” apresentado pela tropa de choque do prefeito na última sexta-feira (6), barrou a aprovação relâmpago das medidas desejadas pela prefeitura e insurgiu-se contra a eleição “goela abaixo” do vereador Anderson Goggi (PP), o preferido de Pazolini, para a presidência da Mesa Diretora. Agora, os mesmos vereadores ameaçam até lançar uma chapa própria na eleição da Mesa, marcada para 1º de janeiro, alternativamente ao nome que saiu do gabinete do prefeito.
Tudo isso nos últimos dez dias.
Trata-se, possivelmente, do maior e mais organizado foco de rebelião dentro da base governista nos últimos quatro anos – até porque o que está em jogo, para eles, é o comando, a condução dos trabalhos e o grau de autonomia da Câmara no próximo mandato, de 2025 a 2028.
O Grupo dos 5 é formado, em ordem alfabética, por Aloísio Varejão (PSB), indo para o quarto mandato; André Brandino (Podemos), indo para o segundo mandato; Dalto Neves (SD), indo para o terceiro mandato; Luiz Paulo Amorim (PV), indo para o quarto mandato; e Maurício Leite (PRD), indo para o segundo mandato. Os cinco já vêm discutindo a constituição de uma chapa própria para a Mesa, e estão se organizando para isso. Nesse caso, o nome cogitado por eles para a presidência é o de André Brandino.
Se esse movimento der liga, poderá atrair os três vereadores declaradamente de oposição eleitos para a próxima legislatura: Karla Coser (PT), Professor Jocelino (PT) e Ana Paula Rocha (PSol). Aí já seriam oito votos. No próximo mandato, a Câmara de Vitória terá 21 parlamentares. Desse modo, eles só precisariam conquistar mais três votos – de outros três novatos, por exemplo – para garantir a vitória matemática. E não necessariamente de “novatos”. Prestes a retornar à Casa, Armandinho Fontoura (PL), por exemplo, já foi sondado pelo grupo.
Mas repita-se: o nome preferido pela gestão de Pazolini não é nenhum desses, e sim o de Anderson Goggi (PP). E o Grupo dos 5 é formado por vereadores que integram a base de Pazolini e costumam votar com o Executivo em plenário. O que explica, então, esse grau de “rebeldia” e a dimensão adquirida pelo foco de rebelião?
Bem, um amontoado de fatores. O primeiro deles passa pelo próprio Goggi e o fato de, segundo relatos, ele “já ter se sentado na cadeira”. Para entendermos melhor o contexto, façamos um rápido resgate.
Tão logo saiu o resultado eleitoral para Executivo e Legislativo, no dia 6 de outubro, o vereador Anderson Goggi (indo para o segundo mandato), começou a fazer contatos com os outros vereadores eleitos e a se apresentar como candidato à presidência da Mesa no biênio 2025-2026.
Ainda que possa parecer precipitado, o movimento dele estava respaldado por um acordo político forte: o PP, sigla de Goggi, foi o principal aliado partidário de Pazolini em sua campanha à reeleição, reforçando seu palanque e sua coligação desde maio do ano passado. Além de recursos e tempo de TV, o PP deu a vice a Pazolini, Cris Samorini.
Em retribuição, cumprindo um dos pontos do acordo político do Republicanos com o PP, Pazolini, uma vez reeleito, tratou de garantir a presidência da Câmara para o partido aliado, conforme combinado na mesa de negociações. O nome indicado foi o de Goggi, presidente do PP em Vitória.
Logo na primeira semana após a eleição, vereadores do partido de Pazolini, Luiz Emanuel e Davi Esmael, chegaram a manifestar interesse em discutir a presidência da Mesa, por serem da bancada do Republicanos. Foram chamados ao gabinete do prefeito, onde lhe comunicaram os termos do acordo. Pararam imediatamente de falar nisso, aceitando que a presidência está “reservada” para Goggi. Assim também, por um tempo, fizeram outros membros da base.
Em nossa primeira apuração sobre o tema, publicada aqui no dia 27 de outubro, ouvimos 20 dos 21 vereadores eleitos em Vitória. Chamou-nos atenção o grau de resignação. Com inusitada antecipação, quase todos disseram o mesmo: que a presidência já estava muito encaminhada para Goggi.
Mas a coisa começou a desandar do fim de novembro para cá… E começou a desandar, em grande parte, porque o prefeito, sua equipe política (liderada por Erick Musso) e sua tropa de choque na Câmara (Goggi, Duda Brasil, Luiz Emanuel, Davi Esmael e Léo Monjardim) podem ter passado do ponto no afã de deixar a cama preparada para controlar a Casa no próximo mandato.
Da incubadora da prefeitura, saiu um pacote de projetos e propostas de emenda à Lei Orgânica incluindo, entre outros pontos: permitir que quase tudo possa ser aprovado em plenário em regime de urgência, na mesma sessão; eximir o prefeito de algumas de suas atuais obrigações legais em relação ao Parlamento, facilitando a sua vida na Câmara e, ao mesmo tempo, reduzindo o poder de cobrança e fiscalização dos próprios vereadores; ampliar os poderes do presidente da Mesa; permitir a reeleição do presidente dentro da mesma legislatura (hoje, o Regimento Interno só o permite de um mandato para o outro).
Foi demais.
O Grupo da Saborear
Ao lerem o rascunho dos projetos, preocupados principalmente com a parte que dizia respeito à reeleição dentro do mesmo mandato (reduzindo a expectativa de alternância), os vereadores reunidos no que aqui chamamos de Grupo dos 5 começaram a se organizar para pôr o pé na porta. Uma das reuniões ocorreu na noite de 3 de dezembro (terça da semana passada) em uma churrascaria chamada Saborear, em Bairro República. No mesmo local, o grupo encontrou casualmente o governador Renato Casagrande (PSB), que comemorava seu aniversário de 64 anos.
André Brandino publicou uma foto desse encontro deles com o governador no Instagram. O encontro pode ter sido só coincidência; a postagem, não. Não custa lembrar, nesse contexto, que Casagrande e Pazolini são adversários políticos.
A Câmara de Vitória só tem sessões ordinárias de segunda a quarta-feira. Na tarde de quinta-feira (5), em uma sessão extraordinária convocada por força de requerimento assinado pela maioria dos vereadores, o plenário aprovou projeto de resolução apresentado pelo líder do prefeito na Casa, Duda Brasil (PRD), permitindo que quase todas as matérias que exigiam tramitação em regime especial (bem mais lenta) agora possam ser votadas em plenário em regime de urgência, incluindo propostas de emenda à Lei Orgânica (espécie de “Constituição Municipal”).
Colocando imediatamente em prática o novo texto do Regimento Interno, Duda apresentou novo projeto de resolução e uma proposta de emenda à Lei Orgânica no dia seguinte, sexta-feira (5), para serem votados no mesmo dia. Repetindo o movimento da véspera, o líder do prefeito e outros membros da base requereram a convocação de uma nova extraordinária, literalmente, de uma hora para a outra. O pedido entrou no sistema depois das 14h30, marcando a sessão para as 15h, tamanha a pressa que se tinha em aprovar o pacotão de mudanças – algo “grande” não só pelo volume de alterações, mas por tocar em temas muito sensíveis.
No conjunto, se aprovado como protocolado, o pacote de mexidas implicaria a renúncia dos vereadores a prerrogativas garantidas pela Lei Orgânica e pelo Regimento Interno. Para tornar um pouco mais “cômoda” a situação do prefeito, os próprios parlamentares abririam mão de dispositivos que lhes são assegurados para exercerem o dever de fiscalizar e cobrar explicações do prefeito.
Numa das mudanças, por exemplo, o prefeito não teria mais de assinar os requerimentos de informações dos vereadores (os quais antes passariam por um “filtro” do presidente da Câmara) e não ficaria sujeito a responsabilização em caso de falta de respostas. Em vez de ser obrigado a ir prestar contas pessoalmente em plenário a cada semestre, ele só precisaria realizar uma prestação anual. O quorum para a aprovação em plenário de determinados projetos seria reduzido. E por aí vai.
Um detalhe é que, por conta da resistência de vereadores como os do Grupo dos 5, os mentores do pacote de facilidades acabaram tirando do texto final do projeto a parte que permitiria a reeleição do presidente da Mesa dentro do mesmo mandato. Mas, num lapso imperdoável, denunciando a primeira intenção, esqueceram-se de remover uma menção direta a isso na justificativa: “A proposição também permite reeleição de membros da Mesa em conformidade com a ADI 6720 do STF”.
Duda, como líder do prefeito, foi a “cara” do movimento. Mas, segundo vereadores, Anderson Goggi foi um dos principais articuladores da operação nos bastidores – até porque, em chegando à presidência, seria um dos maiores beneficiários das mudanças.
Vereadores da base, então, deram um basta. Presidida por Duda, a sessão extraordinária na sexta chegou a ser aberta, mas logo foi derrubada. Recorrendo ao Regimento Interno, o oposicionista André Moreira (PSol) questionou a convocação daquela maneira… Mas não foi só isso: os vereadores do Grupo dos 5 se retiraram do plenário, derrubando o quorum. Não haveria o número mínimo necessário para a aprovação do pacote.
O recado começou a ser dado por eles ali. E depois o fizeram chegar, de modo mais direito, aos emissários do prefeito: daquele jeito, o projeto não passa. A base não vai engolir.
Relatos que chegaram à coluna dão conta de que a iniciativa repercutiu muito mal entre vereadores da própria base e foi alvo de forte rejeição.
Primeiro porque, no mérito, é quase como passar à sociedade um atestado de que a Câmara está disposta a abrir mão de sua autonomia e virar um “puxadinho” do Executivo; segundo, pela maneira como tudo foi conduzido, no pior estilo “tratorada”; terceiro porque eles estão muito insatisfeitos com o comportamento do próprio Anderson Goggi, no relacionamento e no trato dispensado aos colegas. “O poder subiu-lhe à cabeça antes de ele ter poder. Já age como se fosse o presidente”, afirma, sob anonimato, um parlamentar rebelado.
Em princípio, o pacotão foi adiado de sexta para segunda-feira (9). Mas veio segunda e, na verdade, os mesmos projetos não foram nem sequer pautados. O plenário aprovou o orçamento de Vitória para 2025, e só. Veio terça, e nada; quarta-feira, nada. O que começou com velocidade absurda na semana passada simplesmente arrefeceu. É um sinal contundente de que o pacote, hoje, não tem votos para ser aprovado em plenário.
Ou a prefeitura e sua tropa de choque abortaram de vez a iniciativa ou estão esperando uma nova oportunidade para tentarem aprovar o pacote ainda neste mês, antes do recesso parlamentar. Ou então uma nova tentativa, só mesmo na próxima legislatura.
A retaliação da prefeitura: 31 exonerações
Enquanto isso, na última terça-feira (10), o Diário Oficial de Vitória trouxe uma leva de 31 exonerações de ocupantes de cargos comissionados, em atos assinados pelo prefeito Lorenzo Pazolini.
Na barca do adeus, havia indicados de todos os vereadores da base integrantes do Grupo dos 5: Aloísio Varejão, André Brandino, Dalto Neves, Luiz Paulo Amorim e Maurício Leite – todos eles perderam cargos na Prefeitura de Vitória. Dentro e fora desse núcleo, ninguém tem a menor dúvida: foi retaliação explícita por causa da não aprovação do pacote de facilidades e das movimentações visando à formação de uma chapa alternativa à Mesa.
Eis a prova definitiva de que que hoje o mal-estar é grande no relacionamento do governo Pazolini com parte de sua base (aquele terço de vereadores situados no Centrão do plenário). Na definição de um deles, a Casa hoje é um “barril de pólvora”. E seu pavio pode ser encurtado, ou ele pode até explodir, principalmente se a chapa alternativa à Mesa ganhar corpo.
Ou isso ou, como de hábito, os bombeiros políticos do prefeito entrarão em ação com a urgência que o momento requer, com tudo terminado em uma grande reacomodação de interesses, a partir de algumas concessões de um lado em troca do apoio do outro, após novas rodadas de negociação com os vereadores.
Mas o custo agora ficou mais alto.
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