Coluna Vitor Vogas
Homicídios por cidade e região: o Raio-X completo da violência no ES em 2023
Melhor resultado do Estado na série histórica é contrabalançado por dados muito preocupantes relativos às regiões Norte e Noroeste e, principalmente, Vitória

No sentido da leitura: o secretário estadual da Segurança Pública, Alexandre Ramalho, o governador Renato Casagrande, e o comandante-geral da PMES, Douglas Caus. Crédito: Secom
Confirmando uma tendência apontada aqui, o Espírito Santo encerrou 2023 com o menor número de homicídios dolosos da série histórica iniciada em 1996, segundo dados oficiais da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp). No ano passado, foram computados 978 assassinatos no Espírito Santo. O recorde anterior havia sido registrado em 2019, quando foram contabilizados 987 homicídios.
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Desde o início da série que mede a evolução dessa estatística, esta é apenas a segunda vez que o Espírito Santo consegue fechar um ano com menos de 1 mil assassinatos. Em 2022, de acordo com os números atualizados pela Sesp, o Estado registrou 1.007 homicídios dolosos (inicialmente, em janeiro de 2023, a secretaria divulgara 998). Levando em conta o número corrigido, de 2022 para 2023, houve 29 assassinatos a menos, uma queda de 2,9%.
Considerando que a população do Estado em 2021 era de 4.108.508 pessoas (número usado pela Sesp), o Espírito Santo foi palco, em 2023, de 23,8 homicídios por grupo de 100 mil habitantes. Esta conta foi feita pela coluna. Se o resultado for oficialmente confirmado, também será o melhor da série histórica.
Apesar de alguns resultados auspiciosos, o relatório completo da Sesp, ao qual tivemos acesso, contém outras constatações extremamente preocupantes.
Ao lado de dados positivos – como a redução de homicídios no geral e nas regiões Metropolitana (-12,6%), Sul (-15,6%) e Serrana (-1,8%), a queda dos principais indicadores de crimes contra o patrimônio e a maior apreensão de armas –, 2023 foi marcado por um aumento significativo de assassinatos especificamente no município de Vitória (+21%) e nas regiões Norte (+10,2%) e Noroeste (+27,6%), além do crescimento do número de confrontos de policiais com criminosos no Estado.
Abaixo, detalhamos as principais conclusões do relatório.
Redução de homicídios na Região Metropolitana, mas aumento em Vitória
Por um lado, a Região Metropolitana também apresentou o melhor resultado da série histórica. Em 2022, houve 520 assassinatos na região. Em 2023, o número caiu para 464. A redução foi de 12,6%.
Essa foi a primeira vez desde 1996 que a região mais urbanizada do Estado fechou o ano com menos de 500 assassinatos. Para se ter uma ideia, de 1997 a 2012, sempre houve mais de 1 mil assassinatos por ano na região. No pior ano da série, 2008, foram 1.343. Agora temos pouco mais de um terço disso.
Por outro lado, destoando da tendência estadual e da própria região, a Capital do Estado sobressai como um destaque negativo no ano – o que deve servir de alerta geral, à sociedade e às autoridades competentes, para a necessidade de implementação de políticas e estratégias de segurança pública voltadas especificamente para Vitória.
Em 2023, o município foi o único da Região Metropolitana a apresentar aumento nos registros de homicídios. Em 2022, Vitória foi palco de 70 assassinatos. No ano passado, o número subiu para 85, resultando em um aumento de 21%.
O principal motivo do fenômeno pôde ser sentido no dia a dia por qualquer cidadão da Capital, mas também consta no relatório da Sesp, a referendar a percepção dos moradores, principalmente os da ilha: as disputas entre facções do crime fortemente armadas pelo controle de territórios do tráfico de drogas. Em 2023, essa guerra à parte “desceu” de uma vez por todas de alguns morros da ilha para o asfalto, pontuando o ano por episódio de balas perdidas, tiroteios, terror e perseguições policiais, particularmente na Avenida Leitão da Silva.
No relatório, a própria Sesp reconhece:
“O ano de 2023 foi marcado por uma série de eventos significativos no que diz respeito à segurança pública no Estado do Espírito Santo. Os conflitos entre gangues apresentaram um cenário complexo na capital. A disputa por território e pelo domínio do comércio ilegal de drogas resultou em episódios de violência que demandaram uma resposta imediata do Estado. Essas ações resultaram em aumento dos registros de confrontos armados e também em prisões de líderes de organizações criminosas que há muito tempo ameaçavam a estabilidade da ordem pública.”
Outra constatação relevante: “Os conflitos entre grupos criminosos, especialmente em regiões dos morros, impactou diretamente no aumento de homicídios na Capital (25% dos registros ocorreram em regiões de morro)”.
A identificação do problema e de suas causas, empírica e estatisticamente, exige ações preventivas e de combate à violência com foco específico em Vitória neste ano de 2024.
Marcas históricas para Serra, Cariacica e Guarapari
Tirando Vitória, todos os municípios da Região Metropolitana registraram queda importante de homicídios.
Assim como no ano anterior, Vila Velha foi a cidade capixaba com o maior número de assassinatos. Mas observou expressiva queda. Em 2022, foram 159 registros, ante 119 em 2023 – uma redução de 25%.
A Serra foi o segundo município com mais homicídios dolosos, mas também alcançou redução substancial e uma marca muito importante. Em 2022, foram praticados 135 assassinatos na cidade; em 2023, 117. A queda foi de 13%. Isso representa nada menos que o melhor resultado atingido pelo município na série histórica. A título de comparação, em 2017, o município registrou 311 homicídios dolosos, quase o triplo de 2023.
Cariacica computou 122 assassinatos em 2022, contra 114 no ano seguinte. A queda foi de 7%. Assim como a Serra, o município alcançou o melhor resultado desde o início da série histórica.
O mesmo pode ser dito da cidade de Guarapari. Os 27 registros em 2022 caíram para 21 em 2023 (redução de 22%). Recorde histórico também para o município.
Mas, proporcionalmente, a queda mais significativa na região ficou por conta de Viana. Após ter registrado 18 homicídios em 2022, a cidade contabilizou somente oito em 2023, uma diminuição de 56%.
Aumento preocupante na Região Norte
Consta no próprio relatório da Sesp:
“Outro destaque no ano foi o aumento nos registros de homicídios dolosos no interior do Estado. Enquanto a Região Metropolitana celebrava uma queda expressiva nos índices de homicídios, o interior do Estado, principalmente nas regiões Norte e Noroeste, enfrentou um aumento preocupante nos registros destes crimes violentos.”
Em 2022, foram registrados 206 homicídios dolosos na Região Norte, contra 233 registros em 2023 (aumento de 13,1%).
As três Áreas Integradas de Segurança Pública (Aisp) que compõem a Região Norte finalizaram 2023 com aumento nos registros de homicídios: a de Aracruz, a de Linhares e a de São Mateus.
O destaque negativo vai para o município de Linhares, por concentrar a maior quantidade de registros (77 homicídios) e apresentar aumento em relação a 2022 (61 homicídios).
Outros municípios da região que merecem atenção são Sooretama, Aracruz e Pedro Canário.
A pequena Sooretama registrou 25 homicídios em 2023, o segundo pior resultado da série histórica. Só não perde para 2011, quando foram registrados 28 homicídios na cidade. Preocupa também o fato de este ser o terceiro ano consecutivo de crescimento do indicador no município.
Aracruz registrou 17 homicídios em 2022 contra 21 em 2023. É o segundo ano seguido com aumento nos registros na cidade.
Já Pedro Canário registrou 20 homicídios em 2023, atingindo a sua pior marca na série desde 2011, quando foram contabilizados 22 homicídios no pequeno município.
Aumento ainda mais alarmante na Região Noroeste
Em 2022, foram registrados 106 homicídios na Região Noroeste do Estado, contra 135 registros em 2023 (aumento de 27,4%).
As três Áreas Integradas de Segurança Pública que compõem a Região Noroeste terminaram o ano com elevação nos registros de homicídios. O destaque negativo é para a sediada em Colatina, que registrou 39 homicídios em 2022 contra 56 no ano passado. A metade deles (28) ocorreu na própria cidade de Colatina.
Em virtude dos maus resultados colhidos na comparação de 2022 com 2023, merecem atenção os municípios de Colatina (aumento de 21 para 28), Nova Venécia (de oito para 13), Ecoporanga (de quatro para 10), Pancas (de dois para seis), São Domingos do Norte (de quatro para seis) e, principalmente, Vila Pavão, prova maior de que há um problema concentrado na região a ser atacado pelas autoridades: em 2022, não houve nem sequer um assassinato na pequena cidade; em 2023, houve sete.
Regiões Sul e Serrana
Na Região Sul, o número de homicídios dolosos teve queda de 15,6% de 2022 para 2023. No intervalo, o índice caiu de 109 para 92. Essa redução é importante porque interrompe uma sequência de três anos de alta na região, entre 2019 e 2022.
Praticamente um terço dos assassinatos cometidos ali em 2023 ocorreram em Cachoeiro (32 registros). Apesar da concentração, o município melhorou sua marca, pois houve 37 registros em 2022.
Já na Região Serrana, o indicador caiu de 55 em 2022 para 54 em 2023.
As 10 cidades onde mais se matou no ES em 2023
. Vila Velha: 119
. Serra: 117
. Cariacica: 114
. Vitória: 85
. Linhares: 77
. São Mateus: 40
. Cachoeiro de Itapemirim: 32
. Colatina: 28
. Sooretama: 25
. Aracruz: 21
Cidades sem assassinatos
Dos 78 municípios capixabas, 10 encerraram o ano sem registro de nenhum assassinato em 2023:
. Anchieta
. Apiacá
. Conceição do Castelo
. Divino de São Lourenço
. Dores do Rio Preto
. Iconha
. Marilândia
. Mucurici
. Muqui
. Ponto Belo
Assassinatos de mulheres e feminicídios
O número de homicídios de mulheres no Espírito Santo caiu em 2023. No ano, foram computados 88 assassinatos com vítimas do sexo feminino, ante 96 no ano anterior.
Entretanto, os casos qualificados como feminicídios (crimes de ódio motivados por ciúmes, possessividade, vingança etc. do agressor contra uma companheira ou ex-companheira) empataram com 2022: foram 35 em cada ano, em evidência robusta do enraizamento do problema em nossa sociedade.
Perfil das vítimas
O relatório da Sesp também prova que as vítimas de assassinatos, no Espírito Santo (refletindo, aliás, um fenômeno nacional), têm cara, cor, etnia, idade, sexo e origem social bem definidos. Também fica muito evidente o contexto social em que vivem predominantemente, bem como seu envolvimento, na maior parte dos casos, com o tráfico de drogas.
Nada menos que 65% dos 978 assassinatos registrados no Estado em 2023 tiveram alguma associação com o tráfico de entorpecentes.
Noventa e três por cento das vítimas eram do sexo masculino; 80% eram pretos e pardos; 51% tinham entre 15 e 29 anos.
Setenta e nove por cento dos homicídios dolosos foram cometidos com arma de fogo; 53% nos finais de semana; 52%, no período noturno.
As vítimas de assassinatos no Espírito Santo são, predominantemente, jovens homens negros e, presumivelmente, pobres. Esse é o perfil do indivíduo mais vulnerável à violência no Estado e no país.
Crimes contra o patrimônio
O número total de registros de crimes contra o patrimônio (furtos e roubos) diminuiu em 11% de 2022 para 2023, caindo de 38.291 para 34.069.
Na discriminação por modalidade de crime, houve queda significativa, acima de 10%, em quase todos os tipos: furto em residência/condomínio (-13%), furto em estabelecimento comercial (-16,9%), roubo a pessoa em via pública (-16,9%), roubo em residência/condomínio (-21,8%) e roubo em estabelecimento comercial (-29%).
Os furtos e roubos de veículos e celulares também diminuíram.
Em contrapartida, houve crescimento em três modalidades, que devem despertar especial preocupação em quem depende do transporte coletivo: furto em transporte coletivo (+9,1%), furto a pessoa em via pública (+11,1%) e roubo em transporte coletivo (+23,5%).
Apreensão de armas
Em 2023, o número total de armas de fogo apreendidas pelos agentes de segurança pública do Espírito Santo superou um pouco o de 2022: subiu de 3.923 para 4.005.
O principal tipo de arma apreendida são pistolas (1.424), seguidas por revólveres (1.127). Mas o que chama a atenção mesmo na lista, como destaca o relatório da Sesp, é a presença de 19 fuzis apreendidos em poder de criminosos em ação no Espírito Santo.
Para se ter um parâmetro do aumento da circulação desse arsenal de guerra no Estado, em 2018 as forças estaduais de segurança só apreenderam dois fuzis.
Confrontos com a polícia e letalidade policial
De 2022 para 2023, observou-se ligeiro aumento do número de casos de confronto armado entre agentes do Estado e criminosos, de 529 para 542. No entanto, o número de casos de confronto com vítima fatal registrada, embora ainda alto, experimentou redução de 10%, passando de 60 para 54 mortes.
