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Coluna Vitor Vogas

Gandini aprofunda a guinada: “Hoje me considero de direita”

Um “mergulho na própria história”, as disputas do Cidadania com o PT em Vitória desde Coser, “valores cristãos”, liberalismo econômico e pragmatismo eleitoral: como entender a reviravolta do deputado que preside no ES um partido de centro-esquerda?

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Deputado Fabrício Gandini em entrevista ao EStúdio 360 (01/03/2023). Foto: Isabela Wilvock

Aprofundando a guinada político-ideológica que começou a efetuar em fevereiro, o deputado estadual Fabrício Gandini agora é um político de direita, ou pelo menos assim se classifica. “Sim, me considero mais à direita hoje”, diz o próprio. 

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“Estou revisitando a minha história, construindo um novo caminhar. É claro, com muita calma, com muito cuidado. E também estou acompanhando com muito critério toda essa junção de partidos que está acontecendo, até para não me jogar em nenhum extremo, o que não é meu interesse”, emenda o deputado. Ou seja: direita, sim; extrema-direita, não. Desde o ano passado, o Cidadania faz parte de uma federação com o PSDB.

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Iniciando o segundo mandato na Assembleia Legislativa e a um ano e meio da próxima eleição à Prefeitura de Vitória, Gandini está buscando se reinventar politicamente e se reposicionar no tabuleiro político-eleitoral do Espírito Santo, colocando em prática uma estratégia que combina dois movimentos. 

O primeiro é se afastar do campo de forças liderado pelo governador Renato Casagrande (PSB) no Espírito Santo. Nesse sentido, já anunciou que não pertence mais à base do governo na Assembleia e que, de agora em diante, exercerá o seu mandato com “total independência”. 

O segundo, de ordem mais conceitual, é justamente fazer essa inflexão ideológica para a direita. 

O que mais chama a atenção nesse caso é que Gandini é nada mais, nada menos que o presidente estadual do Cidadania, antigo Partido Popular Socialista (PPS).

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Com raízes no Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Cidadania é inquestionavelmente, por suas origens, sua história e seu programa, uma agremiação de centro-esquerda. Ou, simplesmente, um partido de esquerda, se nós seguirmos a divisão binária entre esquerda, direita e nada mais entre os dois lados. 

Presidido no país pelo ex-comunista Roberto Freire, o PPS nasceu de uma dissidência do PCB em 1992, após a queda do Muro de Berlim, o desmantelamento do bloco soviético e o fim da Guerra Fria. 

Após disputar a eleição presidencial com Ciro Gomes em 2002, na primeira disputa vencida por Lula (PT), o PPS chegou a ingressar no governo do petista, tendo Ciro como ministro da Integração Nacional. Mas, no fim de 2004, o partido decidiu sair do governo petista e entrou na oposição ao lado do PSDB. Em 2005 (ano da explosão do mensalão), criticando o PPS como “linha auxiliar do PSDB”, Ciro trocou a sigla pelo PSB.  

Foi exatamente nesse momento de entrada do PPS na oposição ao governo Lula que Gandini ingressou no partido.

E, nesse processo de “revisitar a própria história”, o deputado concluiu que, desde sua filiação ao PPS, o partido sempre fez oposição aos governos do PT tanto no plano federal como no local, mesmo sendo uma sigla de centro-esquerda. 

Isso é ainda mais verdadeiro em Vitória. Durante o governo de João Coser na Capital, Luciano Rezende e o próprio Gandini foram protagonistas da oposição ao prefeito petista na Câmara Municipal (Luciano na primeira gestão de Coser, de 2005 a 2008; Gandini na segunda, de 2009 a 2012). 

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Querendo ou não, por oposição ao PT, a realidade da disputa política local acabou jogando o PPS e o próprio Gandini mais para a direita, inclusive na cabeça das pessoas, já que partido e vereador se apresentavam como alternativa política ao petismo. É o que avalia Gandini. 

“Logo depois de entrar no PPS, eu fui vereador e tive uma experiência terrível com o governo do PT na cidade de Vitória, inclusive capitaneando uma série de ações importantes naquele período. Na realidade, naquele momento, não existia esse fator ideológico tão marcado nos partidos. Aqui, por exemplo, a gente sempre foi ‘a direita’, porque a gente disputou com o PT, apesar de o partido ter essa origem na esquerda. Mas o debate local sempre jogava a gente mais para a direita”, avalia o deputado. 

“Valores cristãos”

Além disso, contou nessa guinada de Gandini um fator de cunho pessoal. Diferentemente de incontáveis vereadores, deputados, senadores e chefes de Executivo que passam muito do limite nesse aspecto, Gandini nunca foi de fazer proselitismo religioso em seus mandatos parlamentares nem de ficar misturando crenças religiosas com prática política.

De todo modo, o deputado é evangélico e, conforme argumenta, os “valores cristãos” compartilhados por ele estão muito mais solidamente representados na agenda da direita hoje em dia.  

“Eu me converti na igreja Em Vitória, que não tinha denominação, e depois à Igreja Batista. Frequento a Igreja Batista de Jardim Camburi. E sempre tive uma relação com alguns valores que hoje ficam cada vez mais flexibilizados dentro do processo da esquerda. A direita com certeza tem uma pauta mais clara em relação a isso.”

Gandini cita como exemplo a discussão sobre o aborto. “É um tema sensível em que a esquerda pensa numa flexibilização no mundo todo.”

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Liberal na economia

Em acréscimo, Gandini afirma que, na pauta econômica, possui uma visão liberal muito mais identificada com a direita. 

“Acredito mais nisso: menos Estado, menos BR para o governo cuidar”, afirma o deputado, alfinetando o governo Casagrande, defensor da ideia de estadualizar a BR-101 em território capixaba. Discordando dessa tese, Gandini defende a desestatização da rodovia.

Liberal, sim, mas não ultraliberal:

“Não acredito no Estado mínimo, mas acredito no Estado necessário. Por exemplo, um Estado que, numa crise como a que tivemos, intervenha, sim, dando auxílio para as pessoas, mas não um Estado que queira cuidar de tudo. Acho que o Estado tem que cuidar das coisas mais importantes”, explica. 

Pragmatismo eleitoral

“Revisita à própria história”, liberalismo na economia, conservadorismo nos valores… O que Gandini não externou é um motivo que, a meu ver, suplanta os demais: pragmatismo eleitoral.

Consciente de que a esquerda está revigorada no país inteiro, Gandini pressente que Coser pode chegar forte para voltar a disputar a Prefeitura de Vitória em 2024, principalmente se o governo Lula deslanchar. 

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Se assim for, o deputado petista tende a concentrar os votos da esquerda na capital capixaba. Se Gandini buscar competir com Coser nesse campo, já entrará derrotado no páreo. 

A alternativa mais viável para ele é disputar com Lorenzo Pazolini (Republicanos) o eleitorado de direita, apresentando-se a esses eleitores como uma nova opção nesse campo, mas longe da extrema-direita (ou de qualquer extremo, como disse Gandini). 

Parece ser essa a aposta do deputado do Cidadania. Em entrevista ao EStúdio 360 na última quarta-feira (1º), ele repetiu ouvir de todo mundo que o atual prefeito está mal avaliado. 

O que Gandini sabe é que, se permanecer no centro (ou em cima do muro ideológico), nem para um lado nem para o outro, está eleitoralmente morto por antecipação. As duas últimas eleições, em 2020 e 2022, serviram-lhe de lição. 

Gandini sempre foi um vereador e deputado de centro. A meu ver, sempre foi um representante do centro democrático e progressista – muito mais na centro-esquerda, portanto. Mas já faz alguns anos que ser de centro moderado neste país não tem o menor sex appeal para os eleitores.

Na disputa em Vitória em 2020, sem um posicionamento ideológico bem marcado, Gandini ficou imprensado nas cordas, entre o gancho de esquerda de Coser e o cruzado de direita de Pazolini. Precocemente nocauteado, viu os dois passarem ao 2º turno. 

No ano passado, até conseguiu se reeleger na Assembleia, mas passou um sufoco danado e viu sua votação decrescer em 20% (de 20 mil para 16 mil votos, em números arredondados). 

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Era esquerda contra esquerda…

Minha visão difere um pouco da expressada por Gandini. Não acho que o PPS tenha sido “jogado para a direita” por conta da oposição e das disputas eleitorais com o PT nos anos 2000 e 2010.

No fundo, aquelas disputas nacionais e municipais entre PT e PSDB, entre PT e PPS e mesmo entre PSDB e PPS eram disputas da esquerda contra a esquerda, ou da esquerda contra a centro-esquerda; disputas entre forças rivais dentro do mesmo campo progressista e social-democrata.

Ocorre que, naquele tempo, quase ninguém no país estava preocupado de verdade com essas questões ideológicas. Muito diferentemente de hoje, isso fazia muito pouca diferença. 

Até porque, àquela altura, não havia propriamente uma direita declarada e realmente organizada no país. Desde a redemocratização, após o soluço do governo Collor, o jogo era ditado pelas forças do centro para a esquerda. Não raro, dizer-se “de direita” pegava mal para o político e lhe tirava votos.

Isso começou a mudar com os grandes protestos de 2013 e, obviamente, com a ascensão do bolsonarismo, representando a organização não apenas de uma direita orgulhosamente assumida, mas de uma extrema-direita muito forte no Brasil, articulada em torno da figura do ex-presidente.