Coluna Vitor Vogas
Eleição a prefeito de Vitória chega com tudo à Assembleia Legislativa
Construção de unidades de saúde na Capital abriu terreno para críticas a Pazolini, uma inesperada aliança e dois quase anúncios de pré-candidatura

No sentido da leitura: Fabrício Gandini, Denninho Silva, Capitão Assumção e João Coser. Crédito: Ales
O gatilho foi um projeto de lei pelo qual o Governo do Estado fica autorizado a doar à Prefeitura de Vitória um terreno de 2,7 mil metros quadrados para a construção de uma nova unidade de saúde no Bairro República. Mas a discussão em plenário tomou um rumo totalmente diferente, e o projeto virou só pano de fundo para um ensaio de debate eleitoral envolvendo vários deputados que têm base em Vitória, numa prova de que a disputa pela Prefeitura da Capital já chegou com tudo (e com bastante antecedência) à Assembleia Legislativa.
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Essa prévia eleitoral começou na sessão passada, na última quarta-feira (7), quando o projeto chegou à Casa, e se intensificou nesta segunda (12), durante a votação da matéria. Capitão Assumção (PL) admitiu interesse em ser prefeito de Vitória e só faltou se declarar pré-candidato; Denninho Silva (UB) defendeu o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) e foi provocado por Mazinho dos Anjos (PSDB); em inesperada tabelinha, João Coser (PT) e Fabrício Gandini (Cidadania) se juntaram para criticar Pazolini. O petista também só faltou lançar pré-candidatura ali mesmo: “A competência daqui a pouco chega lá [na prefeitura] também”.
O aquecimento prematuro começou na sessão pré-feriado, na manhã da última quarta. Opositor do governo Casagrande, Assumção contestou o presidente da Mesa Diretora, Marcelo Santos (Podemos) – aliado do governo –, por ter incluído no expediente da sessão, em um aditivo de última hora, o projeto de lei enviado pelo governador para o Estado poder formalizar a doação do terreno público ao município de Vitória. Na mesma sessão, o plenário aprovou requerimento de urgência para a votação da matéria.
“Esses assuntos relacionados a Vitória são muito importantes”, discursou Assumção. “Existem pré-candidatos aqui à Prefeitura de Vitória. Não tenho nada contra a gestão do prefeito Lorenzo Pazolini. Foi nosso colega aqui na Assembleia, foi um ótimo parlamentar, hoje é prefeito de Vitória. Mas os pré-candidatos estão aqui presentes e precisam ser respeitados. Esse projeto chegou aqui abruptamente. […] Isso deixa a gente um pouco assustado. É como se estivessem adiantando a campanha para prefeito de Vitória. Se todo mundo topar, a gente adianta também. Eu não vou negar pra ninguém que tenho o interesse de um dia ter a caneta na mão e quiçá ser prefeito de Vitória. […] Acredito que estão antecipando um processo que ainda precisa ser amadurecido.”
Em seguida, o deputado Denninho Silva, tratado por todos como autor da luta pela unidade de saúde, criticou Luciano Rezende (Cidadania), antecessor de Pazolini no cargo:
“O ex-prefeito Luciano Rezende foi irresponsável. O Governo do Estado fez a doação desse terreno para a construção de uma creche. Ele perdeu o prazo, e o Estado pegou de volta o terreno. Nós fizemos uma reunião com todos os líderes comunitários da região da Grande Goiabeiras e entendemos que naquela área é necessária a construção de uma unidade de saúde. […] Luciano cochilou, deixou a desejar e perdeu o terreno.”
Durante o segundo governo de Luciano, de 2017 a 2020, Denninho foi correligionário do então prefeito no Cidadania, apoiador e membro de sua base na Câmara de Vitória, enquanto Mazinho dos Anjos, agora também deputado, era da oposição. Um dos pré-candidatos a prefeito de Vitória, Mazinho não deixou a mudança passar batida e alfinetou Denninho no “modo debochado”:
“Eu fico triste que Denninho só reconheceu de público agora, após seis anos, a incompetência administrativa do ex-prefeito Luciano Rezende. Ele podia ter feito coro comigo na oposição durante o mandato [na Câmara].”
Diante da provocação, o deputado Vandinho Leite saiu em defesa de Luciano. Ele é presidente estadual do PSDB, com o qual o Cidadania está federado desde o ano passado.
“Gostaria de fazer uma defesa pública do ex-prefeito Luciano Rezende. Ele não é nenhum irresponsável, muito pelo contrário. Foi deputado aqui conosco. Me chama muito a atenção que alguns agentes públicos saem do poder, e outros agentes que continuam com mandato mudam de opinião só porque a pessoa deixou de ser prefeito da cidade. Luciano é uma pessoa honrada e séria. Merece ser respeitado. […] Tem gente que só respeita o poder. Eu respeito a história das pessoas.”
Por sua vez, João Coser dirigiu sua alfinetada ao prefeito Pazolini, que o derrotou no 2º turno em 2020: “Com todas as dificuldades criadas pela administração municipal, mesmo assim o governador, na sua benevolência, no seu gesto democrático, está ajudando a cidade de Vitória, com a cessão de área importante para uma unidade de saúde no Bairro República”.
O petista ainda antecipou uma cobrança à gestão de Pazolini: “Faremos a reivindicação de uma nova unidade de saúde para o bairro Jardim Camburi. Tem muitos anos que o bairro tem só uma unidade, o bairro já triplicou de população, e não tem nenhuma iniciativa. Agora falaram em ampliar um puxadinho. Lá comporta uma unidade de saúde de porte. Aquele bairro é maior que muitas cidades do Espírito Santo, e dá a impressão que a administração olha pouco pra lá”.
Tudo isso ocorreu na última quarta.
Nesta segunda-feira (12)
Já nesta segunda, o projeto foi pautado, votado e aprovado em regime de urgência numa sessão extraordinária. Assumção tornou à carga: “Já tinha falado que estão antecipando o processo eleitoral para 2024. Daqui a pouco vou ter que declarar que sou candidato a prefeito de Vitória”.
Já Denninho Silva seguiu sendo tratado pelos colegas como o grande articulador da doação. Ex-líder comunitário da Grande Goiabeiras, o deputado tem reduto eleitoral na região e, politicamente, ocupa uma posição inusitada, equidistante entre Pazolini e Casagrande: é, ao mesmo tempo, grande aliado dos dois. Discursando da tribuna, ele começou enaltecendo o prefeito:
“Hoje é um momento histórico pra mim. […] O prefeito Lorenzo Pazolini vai construir uma unidade de saúde digna, que de fato vai dar dignidade aos servidores da saúde e sobretudo àqueles que necessitam da saúde pública.”
Neste momento, pedindo um aparte, Gandini fez uma fala curta e cortante, dividida em elogios a Casagrande e críticas a Pazolini. As segundas foram até certo ponto esperadas, pois o deputado também é pré-candidato na oposição ao atual prefeito.
Mas os cumprimentos efusivos ao governador tiveram forte valor simbólico, denotando possível reaproximação política entre o deputado e Casagrande. Aliado do governo até o fim do mandato passado, Gandini iniciou o atual, em fevereiro, anunciando sua saída da base e a adoção de postura independente em relação ao Palácio Anchieta.
“Quero parabenizar o governador Casagrande, que mostra ser um grande homem público, porque o primeiro ato desse governo atual de Vitória foi tomar de volta um terreno ali em Goiabeiras, que era para a Polícia Técnico-Científica do Estado. E o governador Casagrande, com grandeza, agora doa um terreno público ao município de Vitória”, disse o deputado do Cidadania.
Ante o aparte de Gandini, explicitando seu duplo apoiamento, Denninho passou a apontar sua metralhadora de elogios para Casagrande. Lembrou que ele e o governador frequentam a mesma paróquia e que a mãe de Casagrande, dona Anna, mora no Bairro República, nas proximidades do terreno onde será construída a unidade de saúde. Ainda informou que pedirá a vereadores de Vitória para proporem um projeto batizando o futuro equipamento com o nome do pai do governador, Augusto Casagrande, falecido em 2014. “Meu parabéns a meu governador! Não é à toa que apoio ele há mais de 20 anos e sempre continuarei apoiando, porque é um homem de verdade.”
Findo o discurso de Denninho, foi a vez de Coser subir à tribuna. O ex-prefeito começou lembrando que, por sete anos, morou no bairro Maria Ortiz, na Grande Goiabeiras. Parabenizou Denninho, a quem chamou de “comandante da área”, cumprimentou e felicitou o governador pela iniciativa.
Depois, sem citar Pazolini, voltou a cobrar da prefeitura a construção de um Pronto Atendimento no bairro Jardim Camburi, já que, segundo ele, a unidade de saúde local já não dá conta da demanda, dado o altíssimo crescimento populacional experimentado nos últimos anos pelo bairro, hoje com quase 60 mil moradores. “Quero fazer esse apelo ao governador do Estado e, principalmente, ao prefeito de Vitória.” Coser ainda conclamou Pazolini e Casagrande a unirem esforços para viabilizar esse equipamento público.
Tabela entre Gandini e Coser
Aí veio o momento mais inusitado de todos. Principal opositor de Coser na Câmara de Vitória de 2009 a 2012 e seu adversário na eleição municipal de 2020, Gandini aparteou a fala do petista. Não só criticou duramente a administração de Pazolini como pareceu levantar a bola para Coser cortar na saída de rede… o que o petista fez de bom grado, aumentando o volume de suas próprias críticas ao adversário em comum.
Morador de Jardim Camburi, Gandini discursou: “Quero parabenizar o deputado João Coser, que levanta um assunto extremamente importante. Em novembro do último ano do mandato do então prefeito Luciano Rezende [2020], foi deixado um projeto executivo pronto para iniciarem a unidade de saúde, se quisessem, logo em sequência. Infelizmente, como tudo foi parado na cidade de Vitória, para ser revisado, revisitado, refeito, gastar novamente o dinheiro, infelizmente foi feito isso, e nós estamos aguardando até hoje o novo projeto. Esta semana tivemos a informação de que enviaram para a Câmara a desafetação de uma rua para fazerem um puxadinho da unidade de saúde. Não é isso que Jardim Camburi merece, mas uma nova unidade de saúde.”
Não satisfeito, Gandini esboçou uma parceria com Coser para o levantamento de recursos para a obra. “Me coloco à disposição de Vossa Excelência para a gente fazer emendas, articular com o governador, se precisar de recursos, que acho que não é o problema de Vitória. Me parece que o problema é outro, é mais falta de gestão mesmo.”
Sem fazer cerimônia, Coser pegou a deixa do histórico adversário para tecer críticas ainda mais pesadas ao atual prefeito:
“Vamos sim nos associar, colocar uma emenda aqui do Governo do Estado. Mas o que falta ali é respeito, carinho com aquela população e capacidade de gestão dos recursos públicos municipais. Vitória é uma cidade que tem capacidade de investimentos. Hoje temos recursos demais e ações de menos. É necessário que se façam obras. O prefeito Luciano, quando deixou a prefeitura, deixou 400 milhões de dólares no caixa da prefeitura, captados para obras. Essas obras que estão acontecendo são com recursos daquela captação. Então temos realmente muitos desafios na cidade, temos competência e temos orçamento pra fazer. A competência daqui a pouco chega lá também.”
Imaginem se fossem…
Perante os questionamentos do Capitão Assumção na última quarta, o presidente Marcelo Santos afirmou: “Questão eleitoral não é tratada aqui nesta Casa de Leis”.
O terreno
O projeto de doação do terreno do Estado foi aprovado em plenário. Segundo Denninho, trata-se do imóvel onde hoje funciona o estacionamento da Escola de Serviço Público do Espírito Santo (Esesp).
O projeto de lei 466/2023 especifica que o terreno tem 2.733,72m², que o imóvel foi solicitado pela Prefeitura de Vitória e que será destinado exclusivamente para a construção da unidade básica de saúde (UBS) no Bairro República. Segundo Denninho, a futura unidade atenderá cinco bairros, totalizando mais de 50 mil moradores: Bairro República, Mata da Praia, Boa Vista, Morada de Camburi e Goiabeiras.
