Coluna Vitor Vogas
De Bolsonaro para Lula, a mudança na relação com o governo Casagrande
Quantos ministros do governo Lula vieram ao ES em 2023? Quantos de Bolsonaro vieram no 1º ano do seu governo? O que significa essa diferença e como Casagrande a explica?

Casagrande e Lula durante a inauguração do Contorno do Mestre Álvaro. Foto: Hélio Filho/Secom
“Descobriram o Espírito Santo”, resume, sob anonimato, um membro da equipe do governador Renato Casagrande (PSB). O sujeito da frase é indeterminado, mas a fonte se refere ao Governo Federal, em Brasília, representado pela procissão de ministros que desembarcaram no Aeroporto de Vitória ao longo de 2023. O último deles, Renan Filho (MDB), chefe do Ministério dos Transportes, esteve no Estado no dia 15 de dezembro, acompanhando o próprio presidente Lula (PT), para a cerimônia de inauguração da rodovia do Contorno do Mestre Álvaro, na Serra.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
Anfitrião da comitiva presidencial, o governador também participou do ato. Três dias depois, no Palácio Anchieta, anunciou um programa de construção de moradias populares subsidiadas para famílias de baixa renda no Espírito Santo, em parceria com o Minha Casa Minha Vida, tocado pelo Ministério das Cidades e revigorado no novo governo Lula.
Esse é só um de muitos exemplos.
Desde o início do terceiro mandato de Lula na Presidência, a relação do Governo Federal com o Governo do Estado mudou da água para o vinho. Com a volta do petista ao Planalto, o canal do governo Casagrande – aliado do PT e eleitor declarado de Lula nas eleições 2022 – melhorou sensivelmente em comparação ao que se viu nos últimos quatro anos, com Jair Bolsonaro (PL) instalado no poder central.
Essa muito melhor relação política tem se traduzido em uma relação administrativa muito mais azeitada. Esta, por sua vez, traduz-se na assiduidade com que ministros de Estado têm vindo ao Espírito Santo para participar de atos solenes e agendas casadas com o Governo Estadual como a citada acima, não só para firmar parcerias oficiais como para expressar ao público, simbolicamente, a parceria política que agora une os dois governos nas duas esferas administrativas.
A presença frequente de ministros de Lula no noticiário local já reforça, por si, essa impressão de uma maior proximidade, inclusive física. Mas não é mera impressão. Os números provam esse estreitamento dos laços, tomando justamente por critério a frequência da presença de ministros em solo capixaba.
Quantos ministros no ES? A goleada de Lula sobre Bolsonaro
Com ajuda da assessoria do gabinete do governador, a coluna levantou o número de visitas de ministros ao Espírito Santo no decorrer e 2023. Só neste primeiro ano dos terceiros governos Lula e Casagrande, 16 ministros pisaram no Estado – média de mais de um por mês –, em um total de 19 visitas.
A diferença se explica porque dois vieram mais de uma vez. A ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), esteve aqui duas vezes. O já citado Renan Filho, dos Transportes, já pode pedir música para o Ferreira Neto e reivindicar o título de cidadão capixaba: foram três visitas só este ano. Eis a lista completa, na ordem das missões oficiais:
1. Ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França (PSB) – 13 de fevereiro
2. Ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (PDT) – 7 de março
3. Ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB) – 24 de março
4. Ministro da Educação, Camilo Santana (PT) – 11 de abril
5. Ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT) – 10 de julho
6. Ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB) – 13 de julho
7. Ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo (PT) – 13 de julho
8. Ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira (PT) – 22 de julho
9. Vice-Presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB) – 27 de julho
10. Ministra da Cultura, Margareth Menezes – 14 de agosto
11. Ministro de Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida – 21 de agosto
12. Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB) – 4 de setembro
13. Ministra da Saúde, Nísia Trindade – 11 de setembro
14. Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias (PT) – 06 de outubro
15. Ministra da Mulher, Cida Gonçalves (PT) – 12 de outubro
16. Ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT) – 17 de outubro
17. Ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB) – 17 de outubro
18. Ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB) – 23 de outubro
19. Ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), acompanhando o presidente Lula (PT) em pessoa – 15 de dezembro
E vejam bem: só estamos considerando autoridades com status de ministros de Estado. Mas a conta poderia ir além se incluíssemos outras autoridades federais que também estiveram no Espírito Santo, como o presidente da Infraero, Rogério Amado Barzellay, e o secretário nacional de Aviação Civil, Juliano Noman, presentes à inauguração do Aeroporto de Linhares, em 14 de abril.

No centro, Nésio Fernandes, Renato Casagrande e Nísia Trindade, durante evento no Palácio Anchieta (11/09/2023). Crédito: Hélio Filho/Secom
O número solto chama a atenção por si mesmo. Mas, para termos a dimensão exata do que ele representa, nada melhor que compará-lo sob os mesmos critérios. Aí vem a outra ponta do nosso levantamento: quantos ministros de Estado visitaram o Espírito Santo para agendas com o governo Casagrande em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro (ainda sem o fantasma e as limitações de mobilidade impostas pela pandemia)?
A disparidade é assombrosa.
Além do então vice-presidente Hamilton Mourão (que não chefiava nenhum ministério), apenas quatro ministros vieram ao Estado no primeiro ano da administração passada:
1. Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes Freitas (hoje no Republicanos) – 28 de fevereiro de 2019
2. Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina (PP) – 24 de maio de 2019
3. Ministro da Saúde, Henrique Mandetta (PP) – 16 de setembro de 2019
4. Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro (hoje no União Brasil) – 29 de outubro de 2019
Goleada: 16 a 4 para o atual governo
Portanto, o placar é de 16 ministros de Lula contra 4 de Bolsonaro no ano inaugural dos respectivos governos, ou seja, o quádruplo: para cada ministro enviado ao Espírito Santo por Bolsonaro, Lula mandou quatro em igual período.
São números que falam por si.
Alguém pode atalhar, é claro, que Lula tem muito mais ministros do que tinha Bolsonaro. De fato, o atual presidente iniciou seu governo com 37, enquanto o antecessor começou o seu com 22, em 2019. Mas isso fica longe de explicar, mesmo matematicamente, a desproporção do “16 a 4” observado no primeiro ano.
Em 2019, só 18% dos ministros de Bolsonaro estiveram no Espírito Santo (menos de 1/5). Em 2023, 43% dos ministros de Lula passaram pelo Estado (mais de 2/5), além do próprio presidente da República.
Cumpre destacar, ainda, que o próprio Bolsonaro, em seus quatro anos de mandato, só pisou no Espírito Santo para um ato de governo uma vez. Foi em 11 de junho de 2021, para a inauguração de 434 unidades habitacionais do programa Casa Verde e Amarela, no município de São Mateus. O Estado foi o último dos 27 a ser visitado por Bolsonaro.
A segunda passagem do então presidente pelo Espírito Santo foi em 23 de julho de 2022, mas não propriamente para uma agenda presidencial. Ele veio participar do evento evangélico Marcha para Jesus, em acintoso ato de campanha extemporânea, cofinanciado com recursos públicos, com direito a “motociata” e showmício gospel na Praça do Papa.
A proximidade política e partidária
Os 16 ministros de Lula que visitaram o Espírito Santo em 2023 incluem os três que são da cota do PSB, o partido de Casagrande: o vice-presidente Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública, até assumir a cadeira de Rosa Weber no STF) e Márcio França (o primeiro de todos a vir, como ministro de Portos e Aeroportos, mas agora ministro do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte).
A lista inclui ainda sete ministros filiados ao PT, dois ao MDB e um ao PDT. Os outros três não têm filiação partidária.
PSB, PT, MDB e PDT são partidos que fizeram parte da coligação de Casagrande ao Governo do Estado nas eleições do ano passado. Ou seja, todos os 13 ministros que vieram ao Espírito Santo neste ano e que têm filiação partidária pertencem a partidos que apoiaram a reeleição de Casagrande.
Da mesma forma, além de contar com o PT em sua coligação, Casagrande apoiou a volta de Lula à Presidência. É bem verdade que, por estratégia, foi bem discreto nesse apoio e não chegou a pedir votos para Lula em sua propaganda e em atos da campanha a governador, num estado onde o bolsonarismo estava muito forte.
Mas, antes mesmo do início oficial da campanha, declarou voto em Lula, até por lealdade e disciplina partidária: em aliança reproduzida no Estado, o PSB coligou-se com o PT na disputa presidencial e emplacou Alckmin como companheiro de chapa de Lula.
Já nos anos de governo Bolsonaro, Casagrande nunca chegou perto de ser aliado do então presidente.
Não que eles batessem de frente o tempo todo. Até por seu estilo diplomático e pragmático, o governador buscou cultivar, na medida do possível, uma boa relação institucional com o governo do capitão reformado do Exército. Mas a falta de sintonia e as diferenças de visão, manifestadas em algumas críticas pontuais de Casagrande, eram evidentes em áreas como educação, mudanças climáticas, armamento civil e gestão da pandemia.

Casagrande e o ministro Wellington Dias, durante evento em Domingos Martins (06/10/2023). Foto: Roberta Aline/MDS
O que diz o próprio Casagrande
Questionado pela coluna em setembro deste ano, logo após a visita da ministra da Saúde, Nísia Trindade, para receber novos profissionais integrados ao programa Mais Médicos no Espírito Santo, o próprio governador minimizou o peso da aliança política com Lula e o PT, ao explicar o porquê dessa presença maciça de ministros. Preferiu atribuí-la a um comportamento inerente ao próprio governo Lula e que vale para todos os estados, incentivando os representantes do governo a se fazerem mais presentes e buscarem ouvir e atender aos pleitos dos governadores.
“Essa presença maior de ministros aqui, mas também em outros estados, é por orientação dada pelo presidente Lula e pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, de ter uma relação federativa aberta, uma relação próxima, de encontros, de reuniões, de retomada de programas, como o Mais Médicos, o Pronasci, o Minha Casa Minha Vida, programas importantes que o Governo Federal está retomando e cuja execução é dos estados e municípios. Então isso promove uma agenda permanente, ou da minha presença e dos meus secretários em Brasília ou dos ministros aqui no Espírito Santo.”
Mas a melhor relação política também não ajuda a estreitar a relação administrativa?
“Ajuda na aproximação, mas não é essa a questão mais importante”, pondera Casagrande. “O mais importante é a orientação dada por nós e pelo Governo Federal para a gente colar programas locais com programas nacionais, e vice-versa. Isso facilita a presença dos ministros.”
Errata
A lista inicialmente publicada aqui, na manhã desta sexta-feira (29), estava incompleta. Faltava a visita de Wellington Dias. Ainda nesta sexta, o ministro foi incluído, e as contas, atualizadas.
No dia 06 de outubro, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) esteve em agenda oficial em municípios da Região Serrana do Espírito Santo, ao lado do governador Renato Casagrande.
Em Domingos Martins, durante a Conferência Estadual de Assistência Social, ministro, governador e prefeitos assinaram a adesão do Espírito Santo e de municípios capixabas à estratégia do MDS para voltar a tirar o Brasil do mapa da fome da ONU, por meio do programa Brasil Sem Fome.
Em Santa Teresa, Dias participou da inauguração do novo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) do município.
Durante a visita, o MDS também firmou com o grupo Coutinho, do setor de supermercados, um acordo para a contratação de pessoas inscritas no CadÚnico, visando à sua inclusão produtiva e à redução da pobreza.
