Coluna Vitor Vogas
Armandinho processa Luiz Emanuel e pede a prisão do vereador
Preso e afastado do cargo, vereador quer que inimigo seja afastado da Corregedoria da Câmara de Vitória e lhe pague indenização de no mínimo R$ 50 mil
O vereador afastado Armandinho Fontoura (Podemos) está processando o vereador Luiz Emanuel Zouain (Republicanos) pelos crimes combinados de calúnia, injúria e difamação. Na tarde desta sexta-feira (28), representado pelo advogado Carlos Zaganelli, Armandinho apresentou queixa-crime contra Luiz Emanuel, distribuída para a 4ª Vara Criminal de Vitória.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
Na ação, ele pede que seu adversário político seja preso, afastado das funções na Corregedoria da Câmara de Vitória e condenado a lhe pagar uma indenização de pelo menos R$ 50 mil, a título de reparação “pelos prejuízos sofridos pela vítima”.
O advogado de Armandinho também pede à Justiça Estadual a expedição de liminar autorizando a quebra do sigilo telefônico e telemático de Luiz Emanuel e a realização de busca e apreensão no gabinete e na residência do vereador do Republicanos, para recolhimento de dispositivos móveis como celulares pessoais, tablets e computadores, além de busca e apreensão de dados das redes sociais, contas de e-mail e arquivos armazenados na nuvem pelo adversário de Armandinho.
Preso desde o dia 15 de dezembro, Armandinho quer que Luiz Emanuel seja condenado às penas máximas cumuladas pelos crimes de calúnia, injúria e difamação, acrescidas de 1/3 do tempo de prisão por conta de um agravante: o de os supostos crimes terem sido cometidos na presença de várias pessoas e por meio que facilita a divulgação (a TV Câmara e os canais oficiais da Casa).
Por fim, Armandinho requer “a remoção de todos os comentários e menções ofensivas” realizadas contra ele por Luiz Emanuel em todas as mídias, inclusive sociais e virtuais.
Procurado pela coluna, Luiz Emanuel limitou-se a dizer que nada tem a declarar sobre o assunto no momento e que aguardará ser notificado oficialmente pela Justiça Estadual para se manifestar nos autos.
As acusações
No dia 15 de dezembro de 2022, Armandinho Fontoura foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, relator no STF dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos. Realizada no âmbito de uma megaoperação da Polícia Federal, também autorizada por Moraes, a prisão do vereador de Vitória se deu a pedido da procuradora-geral de Justiça do Espírito Santo, Luciana de Andrade.
Na petição, a chefe do MPES acusou Armandinho de promover, no exercício do mandato, ataques sistemáticos a instituições do Estado Democrático de Direito como o STF, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) e o próprio MPES, bem como ataques diretos à honra de membros de tais instituições.
Para a procuradora-geral de Justiça, o vereador também faria parte de uma “milícia digital privada” liderada pelo jornalista Jackson Rangel, preso no mesmo dia, e também formada com o objetivo de atacar reputações. Desde então, Armandinho está preso em uma penitenciária de Viana.
No dia 1º de janeiro, Armandinho foi afastado do mandato por decisão da Justiça Estadual, a partir de provocação também feita pelo MPES. No dia 4 de janeiro, o presidente da Câmara, Leandro Piquet (Republicanos), cumpriu a ordem de afastamento e, no mesmo mês, deu posse ao 1º suplente de Armandinho, Chico Hosken (Podemos).
No dia 5 de abril, Armandinho passou a responder a processo disciplinar por quebra de decoro parlamentar na Corregedoria da Câmara de Vitória, instaurado a partir de representação protocolada em março pelo empresário Sandro da Rocha (PSB). No dia 21 de junho, a Corregedoria aprovou por maioria de votos o parecer da relatora, Karla Coser (PT), recomendando a cassação do vereador preso.
Luiz Emanuel é um dos membros da Corregedoria e foi autor de um dos três votos favoráveis ao relatório de Karla Coser. Durante essa sessão do órgão disciplinar, ele fez da tribuna um discurso bastante contundente a respeito de Armandinho, chamando-o inclusive de “criminoso”. Antes disso, em 20 de dezembro do ano passado, cinco dias após a prisão de Armandinho, Luiz já subira à tribuna para criticar de maneira contundente seu notório adversário, associando-o ao “banditismo”.
Na queixa-crime, o representante legal de Armandinho destaca e transcreve esses dois pronunciamentos: “[…] salta aos olhos o fato de que a conduta constitui calúnia, difamação e a injúria combinados”. Para o advogado, Luiz Emanuel “mente de forma contumaz e patológica”, promove “ofensas gratuitas e irresponsáveis” contra Armandinho e “publiciza em alto e bom tom acusações contra a vítima de crimes que ela nunca cometeu”.
O advogado alega que Luiz Emanuel só passou a integrar a Corregedoria movido pelos sentimentos de “vingança e revanchismo” contra Armandinho. Numa “manobra maquiavélica”, ele teria enxergado “uma nova oportunidade de penalizar a vítima, cassando o seu mandato”.
Luiz Emanuel e Armandinho têm um longo histórico de desavenças e animosidade política, inaugurado há pouco mais de dez anos. No começo de 2013, iniciando seu primeiro mandato na Câmara de Vitória, Luiz (então no PSDB) nomeou Armandinho (então na Juventude do PSDB) como assessor parlamentar. Três meses depois o exonerou. O motivo: Armandinho estava batendo ponto e voltando para casa sem trabalhar.
A história veio à tona em 2015, com direito a um vídeo de Armandinho de bermuda e chinelos batendo ponto no início do expediente e se retirando do prédio da Câmara. O episódio foi lembrado em detalhes por Luiz Emanuel em seu discurso de 21 de junho.
“É um criminoso e posso provar”
Na sessão da Corregedoria em 21 de junho, Luiz Emanuel afirmou que faltaria a Armandinho “decência para usar o Parlamento que a cidade entrega para pessoas que devam ser responsáveis”.
“Não tenho sentimento de revanche contra ninguém, ainda que eu possa afirmar para vocês: o senhor vereador Armando Fontoura é um criminoso. Ele é um criminoso e eu vou provar aqui que é”.
Segundo Luiz, Armandinho teria cometido diversos crimes, não somente no exercício do mandato desde 2021: “Não discuto a prisão do vereador Armando Fontoura, mas crimes ele cometeu vários… Aqui e fora daqui”.
Luiz pareceu desabafar, “botando para fora” algo que estava entalado em sua garganta havia anos: “É bom que a gente tenha capacidade de aguardar o tempo certo para que as coisas possam ser ditas no tempo certo”.
Em seguida, o vereador passou a narrar o episódio da exoneração de Armandinho de seu gabinete em 2013 – a partir, segundo ele, de uma interpelação do então diretor-geral da Câmara de Vitória:
“Eu o chamei no gabinete, mostrei as imagens e disse assim: a partir de hoje você está exonerado, porque aquilo ali configurava de cara para mim ato de improbidade administrativa, que eu até hoje tenho dúvida se ele pagou a conta com a Câmara… a mesma que ele chegou, anos depois, para se tornar vereador e deveria ter pensado: a partir de agora preciso reformular minha forma de agir porque aquele erro cometido no passado atrapalhou um pouquinho a minha função.”
Segundo o relato público de Luiz, desse episódio em diante, Armandinho passou a persegui-lo por vários meios, sobretudo em matérias caluniosas publicadas em jornais de bairro da Praia do Canto, reduto eleitoral do vereador afastado. “Fui sumariamente perseguido por esse sujeito. Sumariamente. Tudo o que vocês possam imaginar.”
Ainda de acordo com o adversário de Armandinho, este seria o líder de uma quadrilha (a “milícia digital privada” aludida pelo MPES):
“E eu poderia esquecer deste assunto se não fosse um fato fundamental que esta Corregedoria precisa avaliar, que foi a formação de uma quadrilha liderada por esse moço, que envolve o senhor Jackson Rangel, que está preso também, mas uma milícia digital ativista que tinha como único propósito assassinar a reputação das pessoas. Não conseguiram fazer isso comigo porque, além de ser um homem de família, um homem honrado, eu sou um político sério […] mas eu nunca respondi a isso.”
Para a defesa de Armandinho, na condição de membro da Corregedoria, Luiz Emanuel “atacou ferozmente”, “achincalhou” e “humilhou” o alvo do processo disciplinar, “com difícil possibilidade de defesa da vítima, eis que se encontra encarcerada por motivação totalmente diversa das apontadas pelo querelado [Luiz Emanuel]”.
Nos termos da queixa-crime, o vereador do Republicanos “faz da tribuna da Câmara um palco de ataques e agressões à reputação do querelante [Armandinho], sob a audiência das redes sociais e dos canais oficiais de transmissão da TV Câmara, site oficial da CMV, dentre outros canais de comunicação”.
Ainda segundo o advogado de Armandinho, Luiz Emanuel viria atacando o vereador preso e afastado como estratégia de autopromoção e de maneira covarde, pois a “vítima dos ataques” não tem condições de se defender pessoalmente:
“Só busca atacá-lo como forma de autopromoção pessoal e vingança política, eis que nunca conseguiu condenar a vítima nas acusações que fez desde quando a mesma trabalhava para ele em seu gabinete, nos idos de 2015. Um ato covarde, algo que, pelo que se percebe, é contumaz da prática do querelado, pois só o faz porque a vítima está atualmente preventivamente presa. Se estivesse solto, estivesse sentado no plenário, o querelado não teria coragem de o fazer, pois a vítima poderia responder proporcionalmente. Como não pode, o querelado o ataca pelas costas.”
Para o representante de Armandinho, a alegação de perseguição é falsa, pois Luiz Emanuel “nunca registrou, por exemplo, um Boletim de Ocorrência sequer contra o tratamento dado pelo vereador Armando contra ele, o que prova, de duas, uma situação: nunca se sentiu ofendido ou nunca foi ofendido na realidade”.
Suspeição
No processo disciplinar em tramitação contra Armandinho na Câmara de Vitória, o advogado dele no caso, Fernando Dilen, argumentou que Luiz Emanuel não poderia participar do julgamento. Dado o histórico de inimizade entre os dois, deveria se declarar ou ser declarado suspeito.
No já citado discurso do dia 21 de junho, Luiz Emanuel rechaçou a alegação:
“Quando o advogado do acusado [Armando Fontoura] tenta nessa Corregedoria me afastar da função de corregedor, ele comete um equívoco tremendo, porque foi fácil perceber que ao longo destes três mandatos eu não tenho nenhuma fala proferida contrária ao vereador em questão, que eu o atacasse e que determinasse minha absoluta inimizade por ele.”
Para o advogado Carlos Zaganelli, autor da queixa-crime contra Luiz Emanuel, um exemplo de que este efetivamente difamou, caluniou e injuriou Armandinho pode ser extraído de seu discurso em plenário na sessão do dia 20 de dezembro de 2022.
Na referida sessão, o vereador chamou Armandinho de “patife” e o associou ao “banditismo”:
“Vereadora Karla, eu também já fui vítima daquele patife… e só eu sei o que significa isso. […] Tem pessoas que não têm honra, que estão lá fora e que muitas vezes estão lá fora e muitas vezes estão aqui no Parlamento e que não têm honra, não sabe respeitar o outro, não sabe conduzir sua vida de maneira digna sem um traço de banditismo […]”, discursou Luiz Emanuel.
Para o autor da queixa-crime, embora a nova ação judicial não trate do processo disciplinar na Câmara, é evidente a suspeição de Luiz Emanuel para seguir julgando a possível cassação de Armandinho no âmbito da Corregedoria:
“O querelado, mesmo sendo inimigo publicamente reconhecido da vítima, permaneceu como membro da Corregedoria e realizou diversos discursos do alto da tribuna da Câmara Municipal, referindo-se à vítima e utilizando-se de afirmativas difamadoras, caluniosas e injuriosas contra a mesma.”
Segundo o representante de Armandinho, Luiz Emanuel mostraria “evidente e, agora, gritante viés persecutório, vingativo e punitivista” contra Armandinho, “ânsia condenatória” e “ativismo ferrenho” a fim de extirpar o vereador do Parlamento e da vida pública:
“[…] é público e notório que o vereador Luiz Emanuel é inimigo político do vereador Armandinho Fontoura, eis que possuíram entre si processos judiciais e discussões acaloradas e graves, além de inúmeros procedimentos junto ao MPES e MPF sobre a atuação deste enquanto secretário municipal de Meio Ambiente na cidade, enquanto ex-chefe da vítima e enquanto adversário politico de longa data”, argumenta o advogado.
O que diz o Código Penal
De acordo com o artigo 254, inciso I, do Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes, se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles”.
Já os artigos 138, 39 e 140 do Código Penal tipificam, respectivamente, os crimes de calúnia, difamação e injúria, com as respectivas punições:
Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime
Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa
Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação
Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro
Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa
Imunidade parlamentar e juíza Gisele
A ação movida por Armandinho contra Luiz Emanuel guarda duas grandes ironias.
A primeira é que ela foi distribuída para a 4ª Vara Criminal de Vitória, cuja titular é a juíza Gisele Souza de Oliveira. A magistrada vem a ser precisamente uma das autoridades que tiveram a honra atacada por Armandinho, segundo a acusação do MPES que fundamentou a prisão do vereador. Se ela se declarar impedida para julgar o processo, encaminha-o para um juiz substituto ou declina a competência. Neste caso, a ação é distribuída para outra Vara.
Em pronunciamentos em plenário, Armandinho afirmou, sem provas, que haveria na Justiça Estadual um esquema de direcionamento para a 4ª Vara Criminal de todas as ações contrárias aos interesses do grupo político do governador Renato Casagrande (PSB). A juíza em questão, segundo Armandinho, protegeria os interesses desse grupo.
O segundo aspecto irônico é que, ao atribuir a prática de crimes a Luiz Emanuel, a defesa de Armandinho argumenta, em outras palavras, que a liberdade de expressão tem limites e a imunidade parlamentar não pode ser usada como um manto para que parlamentares possam atacar impunemente a honra alheia. Ora, essa é exatamente a argumentação da procuradora-geral de Justiça, Luciana de Andrade, que pediu a prisão de Armandinho, e do ministro Alexandre de Moraes, autor da ordem de prisão.
Sobre Luiz Emanuel, argumenta o advogado de Armandinho:
“Não há que se confundir liberdade de expressão com crimes de difamação, injúria e desacato a agente público no exercício de sua função. A responsabilização penal existe para inibir excessos e constitui uma salvaguarda para os agentes públicos, expostos a todo tipo de ofensa no exercício de suas funções, não sendo possível utilizá-la como verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas, como as praticadas pelo vereador Luiz Emanuel.”
Valorizamos sua opinião! Queremos tornar nosso portal ainda melhor para você. Por favor, dedique alguns minutos para responder à nossa pesquisa de satisfação. Sua opinião é importante. Clique aqui