Coluna Vitor Vogas
Após Piquet entrar em cena, Escola sem Partido volta a tramitar em Vitória
Decisão do TJES de liberar a votação do projeto é uma vitória política inegável do presidente da Câmara, que marca posição institucional em favor do debate e da tomada de decisões no âmbito do Legislativo. Por outro lado, é a vitória de Piquet (e da direita) em um projeto que já nasce condenado à derrota. Entenda por quê
Em nova curva jurídica, os dois projetos do movimento Escola sem Partido, de autoria de Davi Esmael (PSD) e Leonardo Monjardim (Patriota), estão liberados para voltar a tramitar na Câmara de Vitória e já podem ir a votação em plenário na semana que vem. A decisão é da desembargadora Janete Vargas, do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), que ontem (9) acolheu recurso protocolado no início da semana pelo presidente da Câmara, Leandro Piquet (Republicanos).
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Em apertadíssima síntese, sob o argumento de combater uma alegada “doutrinação política e ideológica” de professores sobre alunos e a “imposição das opiniões político-partidárias” dos mestres sobre a audiência cativa nas salas de aula, os projetos de Davi e Monjardim estipulam proibições e obrigações nas escolas das redes pública e privada de Vitória, como a afixação de cartazes listando o que o professor não pode fazer, além da criação de um canal de denúncias contra os docentes e de sanções aos “doutrinadores”.
Inicialmente, Piquet havia marcado a votação dos projetos (fundidos em um só) para a próxima segunda-feira (13). Mas, no fim de fevereiro, o vereador André Moreira (PSol), contrário à proposta, ingressou com um mandado de segurança na Justiça pedindo a suspensão imediata da tramitação do projeto. Acolhendo o pedido de Moreira, a 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal de Vitória determinou a suspensão liminar da tramitação do projeto na Câmara, até segunda ordem.
Foi aí que Piquet entrou em senna (desculpem, sempre quis fazer este trocadilho) e, como chefe do Legislativo municipal, conseguiu uma vitória jurídica com profundas conotações políticas.
Comprando a briga de Davi, de Monjardim e da Frente de Direita Conservadora recém-criada na Casa, o presidente da Câmara protocolou no TJES (2º grau da Justiça Estadual) um agravo de instrumento contra Moreira, a fim de derrubar a decisão de 1º grau. Se deu bem. Suspendendo a suspensão liminar, o TJES deu sinal verde para a relargada do projeto na Câmara.
Em suas redes sociais, Monjardim comemorou o que chamou de “derrota da esquerda”, já que André Moreira é o autor do mandado de segurança que motivara a suspensão – agora suspensa – da tramitação do projeto. Pode ser.
Mas é, antes de tudo, uma vitória política de Piquet, como disse corretamente a Diretoria de Comunicação da Câmara, em texto enviado à imprensa ontem à noite. Promover o chefe faz parte do serviço, mas nesse caso não há como negar.
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Piquet encampou a causa dos colegas – neste caso, vereadores do seu campo político – que tinham tido a mera tramitação do projeto barrada por decisão judicial a partir da provocação de um terceiro vereador. Isso ainda na fase preliminar, antes mesmo que a matéria pudesse ser apreciada em plenário. Piquet disse “Não, calma aí! Seja qual for o resultado, que pelo menos se coloque o projeto para discussão e votação em plenário. O foro dessa discussão é o Parlamento”.
Importante, é claro, monitorar se o presidente da Câmara futuramente terá a mesma postura em eventual situação na qual as posições se invertam, isto é, se ele também será um árbitro e um líder em defesa do debate parlamentar e das prerrogativas dos colegas em uma situação na qual seja a direita a obstruir ou limitar o debate de uma pauta de interesse da esquerda… e da oposição a Pazolini no Legislativo.
De todo modo, o presidente marca posição institucional em favor de que as coisas se debatam e se decidam em plenário, em defesa do Legislativo como foro soberano de tomada de decisões sobre as iniciativas parlamentares e os temas pertinentes ao próprio Legislativo.
Spoiler: antecipamos os próximos capítulos da tramitação do Escola sem Partido em Vitória
Ok, o debate parlamentar é salutar, o projeto se livrou da trava da Justiça, voltou para a esfera do Legislativo, seguirá seu rito de tramitação normal, deve ser votado em breve no plenário e, enfim, vida que segue.
Mas podemos trazer um pouco de objetividade e de realismo para esta discussão?
Não tenho bola de cristal, não tenho a pretensão de ser vidente, mas a experiência do ofício ocasionalmente me permite antecipar a sequência de alguns acontecimentos políticos – devo dizer: com boa dose de precisão.
Por isso, me arrisco a dizer, aqui e agora, o que vai acontecer com mais essa versão do projeto “Escola sem Partido” nos próximos capítulos. Podem me cobrar daqui a alguns meses.
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O projeto vai acabar exatamente onde estava até ontem: na esfera do Judiciário e barrado por decisão judicial. A diferença é que, até lá, dará uma longa volta, desgastante e onerosa para os cofres públicos.
Se o projeto não sofrer outra trava jurídica até lá e realmente for a votação em plenário, deve ser aprovado pelos vereadores de Vitória, haja vista o perfil predominantemente conservador de direita – e, notadamente, evangélico – da atual composição da Câmara. Será uma vitória momentânea, porém.
Há um detalhezinho elementar que alguns edis insistem em desconhecer, mas que não pode ser ignorado por juristas: o projeto é acintosamente inconstitucional.
Os problemas e vícios são inúmeros e não me cabe esmiuçá-los aqui, mas, para o fim que nos interessa nesta análise, vamos nos ater a dois: o texto é um ataque frontal à liberdade de cátedra, direito fundamental protegido pela Constituição Federal; e, acima de tudo, invade competência privativa da União (legislar sobre diretrizes e bases da educação). É o clássico “vício de iniciativa”, como sabe qualquer calouro da faculdade de Direito da esquina.
Dito isso, se o projeto for mesmo aprovado, seguirá para sanção ou veto do prefeito Pazolini (um conservador de direita, mas, antes de tudo, um operador do Direito). Para embasar a decisão do prefeito, caberá à Procuradoria-Geral do município elaborar um parecer, estritamente técnico, avaliando a legalidade e a… constitucionalidade do projeto. Só para lembrar: a Procuradoria não é formada por calouros da faculdade de Direito da esquina.
A tendência, portanto, é que Pazolini vete o projeto aprovado pela Câmara, acompanhando parecer dos procuradores e argumentando, em síntese, exatamente o que mencionei acima.
Então competirá à Câmara apreciar o veto do prefeito. E ainda restará aos vereadores derrubar esse veto (pouco provável, pois seria uma afronta ao chefe do Executivo numa Casa onde só 1/5 dos parlamentares lhe faz oposição).
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Mas vamos supor que, numa hipótese remota, os vereadores rejeitem o veto de Pazolini, ou, noutra ainda mais remota, que o prefeito surpreendentemente decida sancionar o projeto. A princípio, teremos uma nova lei municipal.
Nesse caso, alguma parte interessada vai com certeza apelar (tcham!) para o Judiciário, movendo uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) para barrar a aplicação da nova lei. A ação poderá ser ajuizada no Tribunal de Justiça do Estado (TJES). Em última instância, até no Supremo.
E então, com base na jurisprudência criada pelo próprio STF em decisão de 2017 e em todos os julgados de diversos tribunais Brasil afora, inclusive o próprio TJES em 2019, não há como imaginar que a “Lei Municipal Escola sem Partido” poderá parar em pé. Todos os “sodalícios”, um a um, têm reiterado a inconstitucionalidade da iniciativa. O projeto de todo modo acabará barrado.
Nesse percurso, é claro, ter-se-á um enorme desperdício de tempo e de dedicação de procuradores municipais, juízes e outros servidores públicos que são pagos com dinheiro público e que poderiam muito bem empregar essas horas laborais em causas mais úteis à sociedade. Desperdício, portanto, também de recursos do contribuinte.
E desperdício, ainda, de caracteres deste colunista, pois cá estou eu pela enésima vez a escrever a mesma coisa sobre a enésima versão de um projeto que já (re)nasce condenado ao arquivo morto.
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Palavras da relatora
Na decisão de acolher o recurso movido por Piquet, a própria desembargadora Janete Vargas frisou que “se aprovados, os diplomas legislativos [isto é, os projetos] ainda poderão ser questionados por um dos legitimados para o controle concentrado de constitucionalidade”.
Passagem de um voto do ministro do STF Gilmar Mendes em julgamento de 2013, citado pela desembargadora, traduz tudo o que tentei explicar acima: judicializar projetos legislativos antecipadamente, sem que nem sequer possam ser votados em plenário, não é o melhor caminho. Mas há projetos que já nascem condenados a ser judicializados de qualquer forma depois:
A prematura intervenção do Judiciário em domínio jurídico e político de formação dos atos normativos em curso no Parlamento, além de universalizar um sistema de controle preventivo não admitido pela Constituição, subtrairia dos outros Poderes da República, sem justificação plausível, a prerrogativa constitucional que detêm de debater e aperfeiçoar os projetos, inclusive para sanar seus eventuais vícios de inconstitucionalidade.
Quanto mais evidente e grotesca possa ser a inconstitucionalidade material de projetos de lei, menos ainda se deverá duvidar do exercício responsável do Poder Legislativo, de negar-lhe aprovação, e do Poder Executivo, de apor-lhe veto, se for o caso. Partir da suposição contrária significaria menosprezar a seriedade e o senso de responsabilidade desses dois Poderes do Estado. E se, eventualmente, um projeto assim se transformar em lei, sempre haverá a possibilidade de provocar o controle repressivo pelo Judiciário, para negar-lhe validade, retirando-o do ordenamento jurídico.
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