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Coluna Vitor Vogas

Análise: os múltiplos recuos do governo Casagrande em 2023

De pacote de reajustes à BR-101, passando pelo pedágio da Terceira Ponte e a alíquota do ICMS, primeiro ano do governo Casagrande 3 foi marcado por um inquietante vaivém em alguns temas capitais

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Governador Renato Casagrande. Crédito: Hélio Filho/Secom

O governador Renato Casagrande (PSB) anunciou, na última terça-feira (19), sua surpreendente decisão de voltar atrás na decisão anterior de elevar a alíquota do ICMS modal praticada no Espírito Santo. Foi mais um, talvez o mais importante, recuo por parte do governo, num ano em que eles, os recuos, não faltaram no Palácio Anchieta.

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Alguns, como o do próprio ICMS, pareceram no fim das contas ter vindo para o bem da população ou das categorias diretamente atingidas pela decisão. Alguns podem até ter sido motivados por argumentos razoáveis. Mas o fato é que, de tantas idas e vindas, o ano inaugural do terceiro governo Casagrande foi marcado pelo estabelecimento de um padrão que gera incertezas para a sociedade capixaba e denota certa volubilidade no processo de tomada de decisões afetas ao interesse público da população do Estado.

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Em cada caso específico, o governo tem as suas explicações: “revimos os cálculos”, “mudou-se o cenário”, “chegou-nos tal estudo”, “achamos uma margem no orçamento”…

De tão recorrente, porém, a dinâmica “anuncia e volta atrás” deixa, inevitavelmente, a incômoda sensação de açodamento, precipitação, inconstância, imprevisibilidade ou, pior, uma previsibilidade às avessas: do jeito que as coisas vão, da próxima vez que o governo convocar a imprensa para fazer um comunicado, jornalistas terão a cautela de esperar o anúncio seguinte, corrigindo ou validando a decisão comunicada anteriormente, para somente então publicarem o que o governo decidiu. Só por prudência.

Desnecessário dizer que esse padrão é ruim para o próprio governo Casagrande, que assim mina, aos poucos, sua própria credibilidade no que tange aos seus processos decisórios. Convém tomar cuidado para não ficar com a marca de governo do vaivém, ou, pior, do governo do “vai vendo”: “eles disseram que farão isso, mas vai vendo… daqui a pouco mudam de ideia”. Para a população, essa volatilidade é ainda pior.

Os exemplos, como dito, abundam. E nem vamos mencionar aqui os prazos para entrega da obra de alargamento da Terceira Ponte e da Ciclovia da Vida e para a reativação do sistema aquaviário, reiteradamente prorrogados por Casagrande e pelo secretário estadual de Mobilidade e Infraestrutura, Fábio Damasceno (PSB), até os efetivos “inaugurem-se”, no fim do mês de agosto.

BR-101

O governo entrou o ano anunciando aos quatro cantos sua disposição em assumir a administração do trecho da BR-101 que corta o Espírito Santo, no lugar da concessionária Eco-101. Na prática, seria a estadualização da rodovia federal, seguindo um modelo adotado pelo estado do Mato Grosso.

Em dezembro, durante a transição, o governador e o vice-governador e secretário estadual de Desenvolvimento, Ricardo Ferraço (então no PSDB, hoje no MDB), já defendiam essa alternativa, a qual, segundo eles, daria ao imbróglio uma solução muito mais ágil que um novo processo de concessão pública iniciado do zero pelo Governo Federal. Os dois afirmavam que o Governo Estadual se dispunha a investir R$ 1 bilhão em melhorias na rodovia, antes de devolvê-la às mãos da iniciativa privada.

Pouco depois, essa proposta foi arquivada.

Mas vamos dar um desconto neste caso porque a decisão não era da alçada do Governo do Estado. O mesmo não pode ser dito sobre os episódios seguintes.

O reajuste para militares

No dia 7 de setembro, esta coluna publicou: a partir de uma série de estudos de impacto financeiro e previdenciário, o governo Casagrande pretendia apresentar à Assembleia Legislativa, até o fim do ano, um projeto de aumento salarial específico para os servidores das forças estaduais de segurança pública. Os percentuais ainda não estavam definidos.

No começo de outubro, o esboço do projeto veio à tona: reajuste escalonado, com quatro parcelas de 4% para todos os profissionais da segurança, pagas sempre no mês de dezembro, de 2023 a 2026 (com ganho acumulado de 17%). Essa proposta inicial foi apresentada como proposta final. O governo frisou: para todos os agentes de segurança, sem tratamento diferenciado.

Até o início de outubro, quando a proposta “4×4% para todos” foi apresentada às associações, os representantes do governo se mostravam inflexíveis, incluindo o secretário de Estado de Gestão e Recursos Humanos, Marcelo Calmon, e o próprio governador.

Em entrevista à coluna publicada no dia 5 de outubro, Calmon foi taxativo: “A proposta apresentada e o nosso limite”. Poucos dias depois, em 11 de outubro, Casagrande foi ainda mais peremptório: “É a proposta final do governo”.

Em 29 de novembro, quando Casagrande anunciou o projeto a ser mandado à Assembleia, veio a surpresa: uma exceção importantíssima foi aberta aos soldados da Polícia Militar e dos Bombeiros, contemplados com um tratamento diferenciado. Apenas para essa patente, a primeira parcela, que incide neste mês de dezembro, foi turbinada: 14%. As outras três seguirão os mesmos 4% dos demais.

Por óbvio, é justa a valorização acima da média para os soldados, cujas associações de classe se queixam há muitos anos de receberem um dos piores salários da categoria no país inteiro. Mas o impacto financeiro adicional – apresentado aqui em detalhes – não é nem um pouco desprezível, e a pergunta inquietante que ficou foi: se não havia dinheiro antes para nem um centavo a mais, como de repente passou a haver?

Em menos de dois meses, o governo que se mostrava determinado a não ceder um milímetro acabou fazendo uma significativa concessão aos pleitos da categoria. A linha riscada no chão foi apagada e jogada mais para lá; o “nosso limite” foi, sem cerimônia, alargado; e o que se dizia “final” provou-se plenamente mutável.

O pedágio

Situação parecida foi vivida no caso da decisão do governo, anunciada em 11 de outubro, de assumir a administração do Sistema Rodovia do Sol – que engloba a estrada estadual de mesmo nome, a Terceira Ponte e a Ciclovia da Vida –, no lugar da concessionária Rodosol, no dia seguinte ao término do contrato de 25 anos com a empresa, na próxima sexta-feira (22).

Detalhe: a gestão do governo estadual, por meio da Ceturb-ES, foi anunciada enfaticamente, nesse primeiro momento, como uma solução temporária, até a própria companhia promover o novo processo de concessão pública do sistema e o governo assinar novo contrato de exploração com outra concessionária.

Ao fazer esse anúncio, umas das principais perguntas que o governo precisou responder, já na mesma coletiva de imprensa, foi: e como ficará a cobrança do pedágio na Terceira Ponte e na Rodovia do Sol?

Nesse primeiro instante, o governador declarou que, a partir do dia 22 de dezembro, o valor do pedágio certamente mudaria, para mais ou para menos, em números até então indefinidos, a depender dos resultados do estudo encomendado pelo governo à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Mas ninguém àquela altura, nem no Palácio Anchieta nem emissários do governo na Assembleia, admitia a hipótese de zerar o pedágio.

Ao contrário: em entrevista à BandNews no mesmo dia 11 de outubro, Fábio Damasceno afirmou que o pedágio da Terceira Ponte seria mantido, em “novos valores”, durante a gestão temporária da Ceturb-ES.

E não era só uma questão de discurso. A prova maior de que o governo pretendia mesmo manter a cobrança do pedágio, em algum valor, está no primeiro projeto de lei complementar mandado à Assembleia por Casagrande sobre o tema poucos dias depois. Foi o projeto pelo qual o governo expandiu as competências e atribuições da Ceturb-ES e da Secretaria de Estado de Mobilidade e Infraestrutura (Semobi), à qual a companhia é vinculada, permitindo ao Governo do Estado assumir a gestão do Sistema Rodovia do Sol a partir de 22 de dezembro.

Esse projeto foi aprovado por 16 votos a 7 na Assembleia no dia 24 de outubro, dando origem à Lei Complementar Estadual nº 1.055, de 25 de outubro de 2023 – a qual teve vida curtíssima. Nela, consta por exemplo, textualmente, que a atividade de exploração do Sistema Rodovia do Sol fica delegada à Ceturb-ES “em caráter transitório” e que, por essa atividade de exploração, a companhia pública teria direito a 5% da receita arrecadada na forma de pedágio.

Na mesma sessão plenária, o deputado Fabrício Gandini (PSD) chegou a apresentar uma emenda propondo a extinção total do pedágio. A emenda só obteve o apoio de alguns deputados de oposição ao governo Casagrande. Acabou derrotada em plenário, pelo placar de 14 a 7.

A base governista foi maciçamente contra a emenda da tarifa zero em plenário. A argumentação baseou-se precisamente na necessidade de manutenção e de prestação de serviços de atendimento aos usuários, bem como nos gastos resultantes desses serviços. O vice-líder do governo, Tyago Hoffmann (PSB), chegou a destacar que, de todas as rodovias estaduais do Espírito Santo, a ES-060 (Rodovia do Sol) é a única em que o usuário encontra serviços como esses.

Eis que, para surpresa geral, voltando atrás em sua própria decisão, o governador anuncia no último dia 11 que, na verdade, o Governo do Estado assumirá a gestão do trecho viário em definitivo. Em ainda mais surpreendente plot twist, o chefe do Executivo também comunica a decisão de abolir a cobrança do pedágio tanto para a travessia da Terceira Ponte como na Rodovia do Sol. Zerar a tarifa era algo que nem sequer estava na mesa até então, pelo menos não às claras, para a sociedade capixaba.

O recuo se deu precisamente dois meses após a coletiva de imprensa anterior.

O governo argumentou que mudou sua decisão, simplesmente, porque o cenário mudou – num intervalo curtíssimo, de precisamente dois meses, entre os dois anúncios.

O fator determinante teria sido a conclusão e a apresentação do estudo encomendado à Fipe, com base no qual o governo concluiu que não compensaria financeiramente manter a cobrança do pedágio e que valeria a pena extingui-la. Isso porque, para arcar com a manutenção das vias e com os serviços aos usuários do sistema, o gasto anual do governo ficará entre R$ 30 milhões e R$ 40 milhões.

Praticamente o mesmo valor seria gasto só para custear a estrutura de cobrança do pedágio nas duas praças. Na prática, o governo pagaria o pedágio para bancar a operação de cobrança do pedágio… o que não faria o menor sentido.

O timing do anúncio – dias antes de a Justiça Estadual decidir sobre o pedido de prorrogação do contrato ajuizado pela Rodosol – deixou também a impressão de que o governo adotou essa estratégia para jogar pressão política sobre o Judiciário. Afinal, com a cartada do governo, a decisão sobre prorrogar ou não o contrato com a concessionária ganhou, implicitamente, outro significado: manter ou não a cobrança do pedágio. Na prática, tacitamente, foi essa a decisão que a Justiça Estadual precisou tomar. E tomou-a a favor do governo.

Para formalizar a mudança de decisão em relação ao pedágio e à duração da gestão da Ceturb-ES, o governo rasurou seu próprio texto: mandou para a Assembleia um novo projeto de lei revogando o projeto anterior, também de sua autoria, fixando as novas competências da companhia estadual.

O novo projeto foi aprovado pela Assembleia em 12 de dezembro, 49 dias após a aprovação do anterior, revogado, assim, em tempo recorde. A nova lei foi publicada no Diário Oficial do Estado na última segunda-feira (18).

Alíquota do ICMS

Na última terça (19), veio a cereja do bolo: o derradeiro recuo, a respeito do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

A posição do governo sobre o principal tributo estadual foi o maior vaivém do ano. Os argumentos e justificativas do Palácio Anchieta estão esmiuçados aqui.

De todo modo, ainda que o governo tenha tido razões técnicas e políticas para dar o giro de 180º que deu, só para depois tornar ao ponto de partida – dando assim uma volta completa sem sair do lugar –, ficou a sensação de açodamento e de movimentos um tanto quanto erráticos. Mais uma vez, o governador rasura, literalmente, o que ele mesmo acabou de assinar, revogando em tempo recorde um projeto de sua autoria aprovado em regime de urgência na Assembleia Legislativa.

A lei sancionada por Casagrande no dia 06 de dezembro será revogada pela Assembleia, em sessão extraordinária virtual, nessa sexta-feira (22), num intervalo de 16 dias. Batendo o “recorde” da lei sobre as competências da Ceturb-ES, é candidata a entrar para o Guiness Book como a lei estadual com vida mais curta da história.

Muito barulho por nada, empresários preocupados à toa, consumidores de cabelo em pé sem no fim das contas ter por quê, deputados indispostos com suas bases sem necessidade e, claro, a briga pública “federal” de Marcelo Santos com Sergio Meneguelli (que deve estar especialmente boquiaberto com o recuo do governo nesse caso).

Dar voltas completas em torno do próprio eixo, sem sair do lugar, equivale a andar em círculos.

E é isso que, aparentemente, o governo está fazendo em alguns temas.

Conclusão

De pacote de reajustes à BR-101, passando pelo pedágio da Terceira Ponte e pela alíquota do ICMS, este primeiro ano do governo Casagrande 3 foi marcado por um inquietante vaivém em alguns temas capitais.

Além das muitas dúvidas e da insegurança gerada, idas e vindas denotam inconstância no processo de tomada e anúncio de decisões de interesse do povo capixaba, estabelecendo a imprevisibilidade como padrão e marca a ser abandonada.