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Coluna Vitor Vogas

06/03/24: o dia em que Assumção será livrado da prisão pelos colegas

Análise: no que depender do julgamento dos outros deputados nesta quarta (6), deputado do PL já está solto. Votação em plenário será formalidade, e placar a favor da soltura vencerá de lavada. Aqui enumeramos e explicamos os 4 fatores que nos permitem antecipar a libertação do capitão

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Capitão Assumção será libertado pela Assembleia

Seis de março de 2024. Esta quarta-feira entrará para a história política do Espírito Santo. Pela primeira vez, a Assembleia Legislativa (Ales) julgará, em sessão especial, a prisão preventiva de um deputado estadual determinada por ordem de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Pela primeira vez, os deputados decidirão revogar a prisão de um colega.

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O caso em questão todos conhecem: é o do deputado de extrema direita Capitão Assumção (PL), preso desde a noite da última quarta-feira (28) por decisão do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news no STF, atendendo a uma petição formulada em 17 de janeiro de 2023 pela chefe do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), Luciana Andrade.

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Com mais de um ano de delay, Moraes mandou a Polícia Federal prender o deputado e capitão da reserva da PMES por descumprir medidas cautelares, alternativas à prisão, que ele mesmo havia determinado em face de Assumção em dezembro de 2022, como usar tornozeleira eletrônica e não postar nada em redes sociais. O deputado, literalmente, debochou de tais cautelares, o que agora lhe custaram esses dias vendo o sol nascer quadrado no Quartel de Maruípe. Mas não se os deputados puderem evitar! E é exatamente o que eles farão nesta quarta-feira.

Espelhado pelo artigo 51 da Constituição Estadual, o artigo 53 da Constituição Federal determina que, em pleno exercício do mandato parlamentar, deputados e senadores só podem ser presos em flagrante e por crime inafiançável.

Mesmo assim, como princípio do sistema de freios e contrapesos e para impedir eventuais excessos de um Poder sobre o outro (abusos do Judiciário sobre o Legislativo, muito próprios de ditaduras, mas excrescentes em um regime democrático), o mesmo artigo determina que, em semelhantes situações, os autos devem ser remetidos pela autoridade judicial para a casa legislativa correspondente, que deverá “resolver sobre a prisão”.

A expressão é a mais vaga possível, mas, no caso concreto, significa que os outros deputados precisam decidir, em votação plenária, se mantêm ou revogam a ordem de prisão expedida contra o colega. É a isso que estamos assistindo nos últimos dias: um espetáculo que nesta quarta-feira chega ao seu clímax, no qual os deputados votarão em peso pela libertação de Assumção.

Por que nós podemos afirmar, aqui e agora, com tamanha convicção, que os colegas de Assumção o livrarão da cadeia?

“Porque não existe ‘crime de opinião’”, “porque essa é a ditadura da toga”, “porque é preciso conter os arroubos autoritários de um ministro que está agindo contra a Constituição e o Estado Democrático de Direito”… Todas essas respostas prontas poderiam ser dadas pelo advogado de Assumção e estão na ponta da língua de seu séquito de apoiadores.

Mas não é disso que se trata. Minha discussão aqui não é jurídica, até porque o caso de Assumção suscita um interminável debate em cujo mérito me reservo o direito de não entrar neste momento*.

Não, a minha discussão é política, mesmo porque, muito ao largo de qualquer argumento jurídico, Assumção será solto, basicamente, por um combo de razões políticas.

O que determinará a sua liberdade é uma combinação de ingredientes como pragmatismo político e eleitoral; o profundo corporativismo que rege as decisões dos deputados; a intensa ação de bastidores do presidente da Assembleia, Marcelo Santos (Podemos); a absoluta inação neste caso de um governo Casagrande (PSB) a quem muito mais convém neste momento um Capitão Assumção solto e com a língua idem; o amplo predomínio de forças de direita na atual composição do plenário da Ales, além da insólita extemporaneidade da decisão de Alexandre de Moraes. Há componentes pragmáticos, eleitorais e ideológicos.

Vamos a eles:

1) UM PLENÁRIO DE DIREITA

Desde o resultado do 1º turno em outubro de 2022, já chamávamos a atenção aqui: o plenário da Ales que saiu das urnas para esta legislatura tem um perfil, predominantemente, de direita.

Entre os 30 deputados estaduais, dá para contar nos dedos de uma mão os que ali podem verdadeiramente ser considerados deputados de esquerda. Se perguntarem ali quem votou em Lula, talvez não chegue a isso. É expressivo o número de apoiadores de Bolsonaro, aliás, do “voto Casanaro”: deputados de direita, ou de centro-direita, que apoiam o ex-presidente, mas estão na base do governo Casagrande.

A maior bancada eleita foi precisamente a do PL de Assumção, com cinco deputados. A identificação da grande maioria ali com o colega é grande. Mesmo quem não concorda com todo aquele seu radicalismo está mais próximo dele do que da bancada de esquerda.

O parecer preliminar do relator, Lucas Scaramussa (Podemos), deputado também de direita, é pela soltura. E a prisão de Assumção só será mantida se a maioria absoluta dos deputados (16 dos 29 aptos a votar) for contra o parecer. Para Assumção escapar da prisão, basta que 14 dos 29 votantes concordem com o relator, votando pela revogação da ordem de Moraes.

Dito isso, não farei aqui apostas, mas não ficarei nada surpreso se Assumção se livrar da cadeia com 24 ou 25 dos votos possíveis (dependendo de Marcelo querer votar ou não).

Os únicos quatro votos certos pela manutenção da prisão são de João Coser (PT), Iriny Lopes (PT) e Camila Valadão (PSol), o que também pode ser considerado um voto mais ideológico, já que os três deputados formam a bancada minoritária da esquerda. O quarto virá de Tyago Hoffmann (PSB).

O vice-líder do governo votará pela manutenção da prisão não só por lealdade a Casagrande e por ser de um partido de centro-esquerda, mas porque ele mesmo, enquanto secretário estadual, foi alvo de muitos ataques de Assumção no governo passado e move processos na Justiça contra o deputado do PL.

Mas até o líder do governo Casagrande, Dary Pagung (PSB), deve votar pela reversão da ordem de Moraes, o que nos leva ao ponto seguinte.

2) GOVERNO CASAGRANDE LAVOU AS MÃOS

O governador e o seu governo não moveram um músculo para mobilizar a sua base visando à manutenção da prisão de Assumção.

Entendendo que se trata de uma questão totalmente interna corporis da Assembleia, o governo Casagrande lavou as mãos, até porque esse negócio virou uma casa de marimbondos sem fim na qual o governo prefere não meter a mão para não piorar a situação. Tivesse ocorrido no início do ano passado, logo após o pedido do MPES, o decreto de prisão de Assumção até teria sido “oportuno”.

Mas a esta altura do campeonato, extemporânea como foi e com uma eleição municipal batendo à porta, a decisão pode ser considerada uma “barbeiragem jurídica” de Moraes, com implicações políticas inclusive desfavoráveis aos planos do Palácio Anchieta.

Chiliques à parte na Assembleia, Assumção já estava sob controle, politicamente domado e quase isolado na oposição em plenário. Para o governo, é uma voz barulhenta e monótona, porém é uma voz solitária, pregando só para sua bolha da tribuna. Seu dano potencial hoje em dia é bem limitado.

Além disso, se prestarmos atenção aos seus pronunciamentos desde o início da atual legislatura, em fevereiro do ano passado, Assumção tem pegado muito mais leve com o governo Casagrande.

Uma das razões para isso, explica um deputado da base, é que ele tomou alguns sustos. Sofreu uma série de derrotas judiciais em processos por danos morais movidos por Casagrande e companhia. Mandou a família ir morar nos Estados Unidos.

No mandato passado, ele passava o tempo todo atacando o Governo do Estado e seus membros. De 2023 para cá, passou a mirar para cima ou para baixo, concentrando os seus ataques ora no Governo Federal de Lula e do PT, ora em potenciais concorrentes à Prefeitura de Vitória.

E esse é o último ponto que explica a posição de Casagrande. Nos últimos tempos, Assumção passou a morder da tribuna os calcanhares do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos), adversário a ser batido pelo Palácio Anchieta em Vitória.

Quando for libertado da prisão erguido nos ombros de seus apoiadores, Assumção voltará politicamente mais forte, porém mais forte junto ao seu mesmo nicho. O Palácio aposta que, por ser um candidato restrito a uma determinada bolha, ele não chegará ao 2º turno na Capital, mas tem o poder de tirar votos à direita de Pazolini, maior beneficiado se ele ficasse impedido de disputar a eleição.

Por esse ângulo, ter Assumção livre e mais vivo que nunca na eleição à Prefeitura de Vitória é até mais conveniente para o Palácio neste momento. Ele passa a ser um “chato útil”.

3) O CORPORATIVISMO DA CASA

A Assembleia Legislativa é um Poder no qual predomina o espírito de corpo. Diga-se de passagem, essa constatação não é exclusividade da Assembleia. Poderia ser perfeitamente aplicada ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.

Na Ales, sempre que um deputado se vê acossado por problemas provocados por ele mesmo, o que tem predominado, ao longo dos anos, é esse “corporativismo parlamentar”. Pensando que poderiam ser eles mesmos no paredão desta vez e que de fato poderão ser eles mesmos futuramente, os deputados se unem e se fecham como se fossem um só corpo, toda vez que um deles se vê subitamente na berlinda.

Esse corporativismo grassou durante a Era Erick Musso, presidente da Casa por seis anos consecutivos, de fevereiro de 2017 a janeiro de 2023, e há fortes sinais de ter se intensificado desde que chegou à presidência o deputado Marcelo Santos.

Basta ver o que se tornou a Corregedoria da Assembleia. Teoricamente, o órgão existe para processar e, se for o caso, punir os próprios deputados por violações às normas de decoro parlamentar estipuladas pelo Regimento Interno. Na prática, a teoria é outra.

Historicamente, o órgão existe exatamente para não funcionar. O próprio Assumção é incansável em exibir falta de decoro, desrespeito e até incivilidade em seus discursos da tribuna da Assembleia. Nunca sofreu cócegas da Corregedoria.

No ano passado, mesmo após instaurados os trabalhos da atual legislatura, os deputados preencheram, logo nas primeiras semanas, todos os disputados postos das cobiçadas comissões temáticas. “Esqueceram-se” de montar a Corregedoria.

O órgão só foi constituído às pressas em meados de maio, diante de um caso concreto: o episódio em que o deputado Lucas Polese, colega de bancada de Assumção no PL, recusou-se a soprar o bafômetro ao ser parado em uma blitz policial.

Só faltou Polese admitir publicamente que havia ingerido bebida alcoólica (ops, nem isso faltou), mas o caso não deu em absolutamente nada no órgão, que passou a ser presidido pelo deputado Mazinho dos Anjos (PSDB).

Mas a tônica tem partido de Marcelo.

4) A ATUAÇÃO DE MARCELO SANTOS

Praticamente unanimidade entre seus pares, o presidente Marcelo Santos tem seguido uma linha reta do tipo “mexeu com um deputado, mexeu comigo… e mexeu com toda a Casa enquanto instituição”.

Sempre que um deputado se vê às voltas com problemas judiciais e/ou políticos causados por si mesmo, Marcelo tem agido de maneira muito firme, na condição de chefe do Poder Legislativo, como representante da instituição e em defesa das prerrogativas parlamentares do colega envolvido.

Foi assim no caso do já citado Polese. Outro exemplo emblemático, no fim do ano passado, foi quando Pablo Muribeca (Republicanos) complicou-se após ter protagonizado a autointitulada “Operação Peixada”, mirando na gestão do prefeito Sergio Vidigal (PDT), seu adversário político e eleitoral na Serra.

Acompanhado de três vereadores de oposição, o deputado deu uma “batida” numa agência do Sine e, com estrondo nas redes sociais, acusou um subsecretário de promover ali um esquema de direcionamento de vagas de emprego em troca de apoio eleitoral ao grupo do prefeito. Não havia propriamente uma “operação” assim constituída por Justiça, MPES ou alguma força policial. Foi o próprio deputado verificando in loco a denúncia de uma servidora.

A reação de Vidigal veio fortíssima. Entre uma série de outras medidas, a Prefeitura da Serra representou contra Muribeca na Assembleia, pedindo abertura de processo contra ele por quebra de decoro parlamentar.

Há sérias dúvidas de que Muribeca estivesse ali representando alguma comissão parlamentar. Mas Marcelo saiu em sua defesa de maneira veemente. Em nota, sustentou que o deputado estava em pleno exercício de suas prerrogativas parlamentares e de seu dever de fiscalizar. Na semana passada, o próprio Marcelo engavetou a representação da prefeitura contra Muribeca.

Agora, no episódio de Assumção, o presidente foi além. Já em sua primeira nota oficial, logo após a prisão, deixou claro que não mediria esforços para defender o deputado e o exercício de suas prerrogativas parlamentares. E assim fez.

Naquela primeira nota, Marcelo manifestou inclusive preocupação com a integridade física e psicológica do colega e até exagerou na adjetivação atribuída a Assumção: chegou a tratá-lo como um exemplo de “urbanidade”, isto é, respeito às normas da boa educação (?!?).

Assim que soube da prisão, Marcelo deslocou três membros do alto escalão da direção da Assembleia (o procurador-geral, o diretor de Segurança e o diretor de Relações Institucionais) para acompanharem o caso de perto e prestarem a Assumção toda a assistência jurídica e política.

No dia seguinte, quinta-feira (29), o presidente empenhou-se pessoalmente em uma grande operação visando encontrar caminhos jurídicos e políticos para livrar Assumção da prisão. Nesse esforço, chegou a entrar em contato com a chefe do MPES, Luciana Andrade, autora do pedido de prisão de Assumção, com quem Marcelo tem excelente relação, e com a cúpula do governo Casagrande.

O caminho encontrado e seguido foi o constitucional/institucional: controle da prisão pela Assembleia, como casa legislativa do deputado preso, em cumprimento do disposto no artigo 53 da Constituição Federal.

Não é preciso destacar a influência de Marcelo Santos sobre os seus pares nesse processo de votação.

* A discussão jurídica tem a ver com os limites muito difusos entre liberdade de expressão e crimes contra a honra de terceiros; imunidade parlamentar e apologia de golpe de Estado; inviolabilidade por opiniões políticas expressas no exercício do mandato e defesa aberta da ruptura do mesmo Estado Democrático de Direito que se alega defender.


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