Coluna João Gualberto
Coluna João Gualberto: Salvar a democracia
Imaginário autoritário entre os brasileiros é muito denso, é muito profundo, está muito enraizado
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, os mesmos autores do excelente livro Como as Democracia Morrem, um best-seller global, escreveram outro que foi lançado no Brasil no ano passado, intitulado Como Salvar a Democracia.
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No livro recente, os dois professores de Harvard traçam um panorama das transformações que a democracia vem passando nos Estados Unidos. Eles analisam também, a perspectiva de mudanças que uma reação autoritária colocou. Essa reação autoritária, ameaça também os fundamentos do próprio sistema político. Ele estará no epicentro das eleições naquele país, agora em 2024.
Para os autores, o modelo democrático estunidense garantiu a dominação de cristãos brancos durante dois séculos. Durante duzentos anos, ficaram no topo de todas as hierarquias econômicas, políticas e culturais do país. Isso começou a mudar de forma drástica no século XXI. As velhas hierarquias raciais estão sendo seriamente contestadas e o país começou a se tornar o que eles chamam de uma democracia multirracial.
Os antigos donos do poder começaram a ter a sensação de que estavam perdendo o país. O lugar em que foram criados está sendo tomado deles. É essa sensação de perda é que vem empurrando uma grande base social para o extremismo, sobretudo no Partido Republicano.
Para eles, a atual crise democrática nos Estados Unidos tem suas raízes numa reação contra a democracia multirracial. As mudanças estão sendo marcadas pela inserção política mais forte dos negros e de outros grupos antes afastados do poder. Foram muitos os direitos conquistados por esses grupos. São muitos também os atritos que a prolongada luta pela igualdade racial produziu. Comparando com a crise autoritária que também vivemos no Brasil hoje, ela tem para os autores diferenças importantes, a começar pela consolidação de inúmeros direitos produzidos pelas lutas raciais lá e aqui. Apesar de serem a maioria da população, os negros no Brasil estão longe de desfrutar dos mesmos direitos, proteções legais e oportunidades que os brancos.
Por outro lado, a sociedade brasileira, marcada pelo coronelismo, tem profundos traços autoritários. Somos um país extremamente machista. Postos chave na cadeia de poder são sobretudo masculinos. Uma certa masculinidade tóxica acaba por tomar conta das organizações, da vida familiar e de todas as relações com a sociedade. Todas as questões de gênero têm muitas dificuldades em avançar entre nós
A cultura do desrespeito é muito forte também. Mais aqui do que lá. Desrespeito ao outro de uma forma geral, e especial com os mais fracos, com os pobres maneira geral. Em época de verão e férias, por exemplo, vemos isso no som alto as praias e lugares de entretenimento, sobretudo os públicos. Desrespeito aos idosos, aos portadores de necessidades especiais, àqueles que professam religiões que não sejam as nossas, de forma especial as de matriz africana.
Temos muitas semelhanças sociais com os irmãos de norte da América. Tanto que o bolsonarismo como matriz autoritária avançou aqui, como avançou o apoio às ideias de Donald Trump lá. Temos também nossas diferenças. O imaginário autoritário entre os brasileiros é muito denso, é muito profundo, está muito enraizado. O fenômeno Bolsonaro foi produzido pelo que já estava instituído.
Temos que reconhecer que não difícil que uma onda autoritária se implantasse entre nós. As pré-condições já estavam dadas. Todo o resto foi uma consequência dessas nossas raízes. Entretanto, a organização política para a manutenção de privilégios tão arcaicos na sociedade também não é fácil. Os próximos anos serão fundamentais na definição do tamanho de nossa capacidade de reduzir as injustiças, desigualdades e produzir a prosperidade para muitos no Brasil.
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