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Coluna João Gualberto

O Brasil e as drogas

Ao contrário da tendência de maior tolerância com o consumidor que vínhamos observando, temos uma retomada de medidas mais punitivas

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As drogas são temas de debate no STF e na Câmara. Foto: Freepik

As drogas são temas de debate no STF e na Câmara. Foto: Freepik

Um projeto de lei ainda em discussão na Câmara dos Deputados e uma nova interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre o porte das chamadas drogas leves tem despertado a atenção da opinião pública brasileira. Com isso, o tema voltou a ser discutido de forma mais intensa. Ele tem estado presente em todas as mídias sociais. Uma pesquisa do Instituto Datafolha publicada há alguns dias mostra esse interesse. Apresenta também o crescimento da reprovação ao uso da maconha. Aliás, todos sabemos que estamos passando por uma inflexão política à direita. O fato desse tipo de tema ter ganho mais repercussão no momento, reflete a nossa, sempre presente, polarização ideológica. Como em tudo o que ocorre hoje no Brasil.

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Nas eleições de 2022 elegemos parlamentos muito mais conservadores em nível nacional e nos vários Estados da Federação. A liderança do ex-presidente Jair Bolsonaro permitiu a criação de um novo estatuto, tanto para o pensamento conservador quanto para o reacionário no Brasil. Mais do que isso, os reuniu em uma coalisão com grande capacidade de entrega de modificações legais acerca de costumes. Por isso fervilham diariamente nas casas de leis novos projetos com esse corte mais conservador. Estamos revendo muito da nossa legislação para atender às essas novas demandas sociais.

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Assim, um dos temas que foi retomado com essa inflexão conservadora foi o porte de drogas para o consumo próprio. Ao contrário da tendência de maior tolerância com o consumidor que vínhamos observando, temos uma retomada de medidas mais punitivas, sobretudo a prisão. A ordem do dia entre nós é endurecer as penas e ampliar os tempos de prisão.

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Essas prisões não se dão na classe média e na classe média alta. Elas se dão no meio mais pobre, sobretudo nos bairros periféricos das grandes cidades. Um dos maiores sintomas de nossa desigualdade e hierarquização social – como mostra o antropólogo Roberto da Matta como elemento central do mundo brasileiro – são nossas cadeias. Mas não apenas. São também as mortes violentas na periferia das grandes cidades.

Certamente, em sua grande maioria, meus leitores pertencem aos extratos médios da sociedade. Em nossos meios não existem assassinatos ou prisões pelo consumo ou porte de drogas. Entretanto, o consumo permeia nossas classes sociais, que são as que têm capacidade de compra. O enorme volume de dinheiro que o comércio ilícito de drogas, consome vem de pessoas que vivem em bairros da Grande Vitória, como Praia do Canto, Mata da Praia, Jardim da Penha ou Praia da Costa. As mortes estão em Santa Rita, Morro de São Benedito ou Flexal. As prisões também.

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Lembro-me muito bem de um artigo publicado na Folha de São Paulo nos anos 1990 por Cesar Maia, que foi Secretário da Fazenda de Brizola em seu primeiro governo, nos anos 1980, depois deputado federal e prefeito do Rio de Janeiro. Nele, Maia afirmou que Brizola fez um acordo durante a eleição com os contraventores nas favelas do Rio de Janeiro, em sua maioria bicheiros. Naqueles anos iniciais da década 1980, a Colômbia começou a produzir cocaína em grandes toneladas. O Rio de Janeiro passou tanto a ser corredor de exportação para os Estados Unidos, quanto um grande centro consumidor da droga. Assim, o acordo feito com bicheiros foi cumprido por traficantes. Mudou tudo. O tráfico avançou, tomou conta da juventude dos morros e dos compradores ricos da zona sul. Mas só nas favelas a morte foi ampliada de forma implacável.

Meu argumento nesse artigo é que a ampliação das penas vai encher as prisões de pobres, sobretudo jovens pretos. Os consumidores estarão fora dessa sanha punitiva. As prisões são o campo de recrutamento de novos bandidos para o PCC e para os demais grupos que controlam em massa os presídios brasileiros. Vai ampliar de tal forma essas universidades do crime, que um dia poderemos estar mais próximos de El Salvador do que estão imaginando os nossos legisladores. Mas, creio que esse fenômeno do crescimento do poder do crime através da explosão dos presídios é inexorável. Faz parte do que quer boa parte dos brasileiros, sem compreender perfeitamente a extensão do que está sendo proposto.

A classe política, sobretudo, não faz essas contas e enche as mídias sociais desse clamor punitivo que pode nos transformar em um imenso El Salvador.


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João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

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