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Coluna João Gualberto

Crime e política

O crescimento da violência organizada tem sido objeto de muitos estudos, eles nos chegam de várias formas

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Milícias já dominam 57% do território do Rio, aponta estudo. Foto: Pixabay

O Estado, na maioria das vezes, é ausente nas periferias. Foto: Pixabay

Estamos assistindo ao crescimento da violência no Brasil. Espaços como as periferias das grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, estão completamente tomados por grupos extremamente organizados – todos eles a partir da violência – que dominam a cena. As populações que habitam esse espaço são permanentemente submetidas ao domínio dos contraventores, e de vários grupos de atores desse mundo. Nele se mata por muito pouco.

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Os que dominam o tráfico de drogas, o jogo do bicho, os que participam das milícias armadas, os pistoleiros – muitas vezes às ordens de um dos lados da luta, são os chefões. A polícia militar costuma ter sua dose de culpa nesse ambiente violento. Suas intervenções agudizam o clima instalado. O Estado, na maioria das vezes, ausente.

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O crescimento da violência organizada tem sido objeto de muitos estudos, eles nos chegam de várias formas. Chamo a atenção, aqui, para o podcast A República das Milícias organizado pelo estudioso do tema violência e pesquisador da USP Bruno Paes Manso, autor de livro do mesmo nome e de um outro igualmente importante chamado Fé e Fuzil: fé e religião no Brasil do século XXI. Um outro podcast, Os Pistoleiros assinado pelo jornalista Rafael Soares, também toca nos bastidores do crime organizado no Rio de Janeiro. A Globoplay tem duas séries importantes: Vale o Escrito e Doutor Castor. Ambas fazem radiografias dos grandes bicheiros cariocas, de sua paixão pelo carnaval e pelas escolas de samba. Esses quatro grandes trabalhos jornalísticos e de pesquisa sobre a vida cotidiana no Rio de Janeiro formam uma visão clara da dimensão a que chegou o crime organizado entre nós.

Ao contar a história dramática da organização da violência e do massacre do cidadão comum que vive nesses espaços urbanos, cuja ocupação se deu longe das regras do Estado, nos é mostrado um panorama muito atual do Brasil das grandes cidades. As favelas e as regiões da periferia, surgiram através de grandes improvisações de políticas públicas e pela total negligência histórica das autoridades brasileiras pela vida dos mais pobres. Os autores, na verdade, contam muito do que se passa em todas as cidades brasileiras.

A primeira questão que eu me coloquei ao ver e ouvir esse conjunto rico de trabalhos foi sobre a origem da contravenção no Jogo do Bicho. Por que contravenção? Apostas feitas, sobretudo no mundo dos pobres, têm o mesmo perfil de tantos outros jogos bancados pelo próprio governo. Somente a corrupção e a montanha de dinheiro fácil que ele gera pode explicar sua colocação como contravenção. Hipocrisia de muitos com permissão oficial. Dessa montanha de dinheiro originam-se outras contravenções como as chamadas máquinas caça-níqueis. As guerras por seu controle ganham dimensões de massacres nas grandes cidades. Todas as séries acima citadas colocam em evidências personagens como Rogério Andrade ou Shana Garcia, as famílias poderosas desse universo e os seus grupos armados. Eles comandam e usam a mesma lógica das máfias internacionais.

Toda essa máquina de poder e dinheiro precisa da proteção do Estado para agir. As milícias cariocas operam em áreas muito mais amplas do que o controle de suas bases territoriais. Vão do contrabando ao tráfico de droga, de armas e outras transgressões e violações. Tudo isso só existe sob forte proteção de autoridades. Por isso, ajudam a eleger muitos parlamentares e cargos no executivo. Estão representados nas câmaras de vereadores e nas prefeituras, além de muitas assembleias, e também no plano nacional.

Creio que posso afirmar, sem medo de errar, que, daqui para frente, ninguém pode compreender o que tende a acontecer na política brasileira, sem entender o mundo do crime. As milícias e as contravenções já elegem inúmeros políticos em muitos Estados Federados. E, assim, aos poucos, estão cercando nossas instituições com o poder de muito dinheiro.


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João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.