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Coluna João Gualberto

Coluna João Gualberto | Violência brasileira

O imaginário social, que é uma obra de séculos, legitima ações que são uma ameaça ao presente e ao futuro

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A construção do imaginário da sociedade brasileira é obra de séculos. Foto: Sérgio Lima/Reprodução

A construção do imaginário da sociedade brasileira é obra de séculos. Foto: Sérgio Lima/Reprodução

Juliana Sabino Simonato, na sua tese de doutoramento em história pela Universidade Federal de Minas Gerais faz profunda reflexão sobre a escravidão no Espírito Santo entre 1580 e 1640, período em que Portugal e Espanha foram administrados por um só rei através dos tempos. Eles foram os Felipes. É um trabalho baseado em muitas e muitas pesquisas, em fontes nem sempre simples de serem encontradas, o que foi produto certamente de dedicação e empenho.

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Em sua obra, a historiadora deixa claro que a escravidão fez parte de toda a lógica de construção do mundo ibérico na América, tanto que as normas que a disciplinaram foram constituídas antes mesmo da prática cotidiana do trabalho cativo em terras brasileiras e capixabas, que é o território do qual Juliana Simonato se ocupa. Escravidão de indígenas e africanos, de negros e de negros da terra, como a estudiosa tão bem descreve.

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A típica sociedade do antigo regime, hierarquizada, elitista, aristocrática, foi transportada para o mundo que o português criou nos trópicos, com o agravante do trabalho forçado dos seres humanos em cativeiro, subjugados, humilhados. O catolicismo medieval praticado pelos agentes da colonização dava densidade ideológica às praticas atrozes que os castigos operavam nos escravizados da colônia.

Tudo isso não é apenas história. É um legado importante para o imaginário social brasileiro dos dias atuais. Nossa violência policial não nasce de corporações despreparadas. Antes, pelo contrário, é produto de uma história social onde as relações de poder entre pobres e ricos sempre teve a violência, o castigo, a chibata, como panos de fundo. Não creio mesmo que se queira, com essas atitudes policiais de invasão de periferias muito mais do que castigar, punir.

Não temos no Brasil uma política de segurança. Nossa sociedade como um todo nunca teve um projeto que incluísse questões como educação, saúde, lazer ou cultura como bases para uma ação de redução das prisões, das mortes violentas ou do crescimento das atividades ilícitas no mundo os pobres. Dado ao caráter hierarquizado da sociedade em que temos, a existência de super cidadãos que tudo podem – como tão bem estuda Roberto DaMatta – e a uma maioria que vive à margem desses benefícios da sociedade desigual que construímos no Brasil, os personagens pobres são submetidos a essas humilhações diárias.

Não será simples superarmos tudo isso, mas todos sabemos que manter a lógica da punição nas periferias não construirá um país melhor. O que estamos assistindo nesse momento, como muito bem registrou Sérgio Denicoli em um de seus últimos artigos em O Estado de São Paulo, é a expansão sem limites dos grupos que organizam o mundo do crime como o PCC, o Comando Vermelho e outros. Eles vão chegando perigosamente à gestão de instituições importantes do mundo público e privado – e não apenas no Rio de Janeiro ou em São Paulo – vão avançando para a esfera política com voracidade.

Como costumo chamar a atenção em meus escritos, a construção de nosso imaginário social é obra de séculos. Ele legitima ações que são uma ameaça ao presente e ao futuro. Para repensar nossas políticas públicas de segurança precisamos estar atentos à construção de uma cidadania plena, igualitária e que leve em consideração o respeito aos mais desprotegidos. Precisamos superar as heranças desse passado que insiste em estar presente.


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João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

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