Coluna João Gualberto
Coluna João Gualberto | Nós, os capixabas
Construir um sentimento de pertencimento começa com o reconhecimento e a valorização de nossa história e cultura
Antes de sermos capixabas somos brasileiros, é óbvio. Cada brasileiro porta o Brasil dentro de si, gesticula, se alimenta, expressa-se verbalmente, ama e odeia a partir dos códigos culturais que aprendeu. Esses códigos formam em seu conjunto o imaginário social, que se organiza a partir de uma teia de significações densa e extensa. Nela se sobressaem a língua portuguesa falada do modo como nós a falamos, o cristianismo, a miscigenação pela qual passamos ao longo da história. Cito esses exemplos mais claros como elementos centrais, embora existam muitos outros, como a violência e o machismo.
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Nós, os capixabas, estamos para sempre mergulhados e inseridos nesse imaginário nacional brasileiro. Quanto a isso não existe discussão. O Brasil nos invade a todos nós. Entretanto, as culturas regionais no Brasil são muito fortes, basta vermos o exemplo dos gaúchos, dos mineiros, dos pernambucanos. Os capixabas, entretanto, não se dão conta, em boa parte do tempo, da força que tem o pertencimento a uma certa região deste país imenso. Muitas nações do mundo contemporâneo desenvolveram fortemente esse sentimento de nacionalismo, como franceses, italianos, argentinos ou russos – citando apenas países sobre os quais tenho um pouco mais de informação.
Não é desse sentimento nacional, no entanto, que estou falando. Tento me referir ao regionalismo que existe em cada pequena ou grande região que os compõe, àqueles sentimentos particulares, mesmo que o caráter mais amplo da nação os una, sobretudo em momentos de crise. No caso brasileiro o mesmo raciocínio se aplica. Temos em cada estado federado uma visão muito especial e particular da nossa língua, da alimentação, das religiões populares. Alguns desses locais organizam tudo isso em narrativas próprias, muitas vezes cheias de adjetivos qualificativos, que promovem solidariedade e pertencimento.
Minha questão chave é: por que boa parte dos capixabas, em boa parte do tempo, não opera da mesma forma? Por que não valorizam a natureza de nosso estado e os elementos mais fortes de nossa cultura? Uma hipótese que sempre me ocorreu é a de que nos conhecemos pouco. Nossa história sumiu das escolas em todos os níveis, acarretando que o interesse dos mais novos pela história de nossos antepassados seja cada vez menor.
Acredito que a ausência de interesse pelo passado contamina o presente e nos faz compreender pouco aquilo que somos. Não estou querendo propor uma construção de ufanismo regional. Antes, proponho uma reflexão sobre quem somos nós. Tenho feito um esforço para tentar entender essas questões a partir da excelente literatura que aqui temos. Para tanto, escolhi alguns autores muito importantes para fazer um pequeno ensaio de sociologia do nosso cotidiano. Publiquei ao longo de 2024 alguns artigos neste mesmo espaço explorando a obra de alguns deles; quem me acompanha sabe disso.
Muitos outros estudiosos, mais qualificados que eu, têm feito isso ao longo dos anos, e há muito tempo. Cito, como homenagem, Gabriel Bittencourt, que nos deixou recentemente, e nos ensinou muito de história econômica do Espírito Santo. O Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo vem publicando muitas dessas obras, em atitude louvável do ponto de vista da nossa memória. A área de história da nossa Universidade Federal também muito contribui nessa construção, afinal são dezenas de teses de doutorado e dissertações de mestrado produzias sobre o nosso estado.
Entretanto, o esforço de alguns não elimina a preocupação de nos estudarmos tão pouco e não avançarmos na construção de uma memória coletiva mais densa e que nos valorize mais. Para citar apenas um exemplo, o ensino de nossa história, de nossas tradições, resta quase esquecido nas instituições de ensino em todos os níveis. Creio poder afirmar que o passado histórico do Espírito Santo resta esquecido ou desconhecido para a maioria de nós.
Precisamos avançar na construção de um sentimento de pertencimento mais sólido de nosso território cultural, não apenas no nível do ensino e na produção de livros, mas sobretudo na valorização de nossos elementos. A situação privilegiada que hoje temos como gestão em comparação com outros estados é também uma construção coletiva, e isso precisa ser bem compreendido.
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