Coluna João Gualberto
Coluna João Gualberto | A República brasileira
O projeto político que Getúlio Vargas implantou no Brasil a partir do Golpe de Estado tentou desconstruir a imagem da nossa Primeira República

O projeto político que Getúlio Vargas implantou no Brasil a partir do Golpe de Estado tentou desconstruir, deliberadamente, a imagem da nossa Primeira República. Foto: Divulgação
O projeto político que Getúlio Vargas implantou no Brasil a partir do Golpe de Estado que o levou ao poder tentou desconstruir, deliberadamente, a imagem da nossa Primeira República – aquela que governou o Brasil entre 1889 e 1930 – assim como negar seus avanços. Eles foram obtidos no processo de construção gradual de uma sociedade democrática nos moldes concebidos no século XIX, sobretudo na França e nos Estados Unidos. E esses avanços não foram poucos, afinal estávamos saindo de um regime monárquico centralizador, e acreditava-se em processos sociais mais participativos e na autonomia das elites regionais.
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O primeiro movimento dessa campanha para manchar a imagem republicana foi denominar “República Velha” ao regime que o antecedeu, para, justamente, criar um sentimento negativo, com forte carga pejorativa. Como Vargas queria implantar um processo político percebido pelos brasileiros como novo, nada melhor do que todos pensarem que a república implantada em 1889 era, de fato, velha.
Tanto isso é verdade que, no segundo golpe dado por Vargas, em 1937, com a implantação de uma ditadura, a denominação dada foi Estado Novo. Aí é que se trabalhou como fundamento do novo modelo a pretensa falência da república liberal brasileira. Os formuladores do governo autoritário foram intelectuais como Oliveira Viana e Alberto Torres, que tentaram vincular o que consideravam atraso econômico e social brasileiro às políticas liberais das nossas oligarquias, sobretudo as cafeeiras do eixo Minas – São Paulo, a chamada república café com leite.
Havia muito o que corrigir nas políticas dos coronéis que tomaram conta do poder a partir de 1889, isso não se discute. O viés elitista que a proclamação da República trouxe é inegável, como é igualmente inegável o fato deque pequenos grupos partidários também se apegaram muito ao poder. As oligarquias estaduais eram produzidas nas estruturas familiares dos governantes, e governos inteiros eram consolidados a partir desses critérios de clãs. Entretanto, não podemos esquecer que esse é o caminho mais do que natural de todos os governos.
Os atores políticos se apegam aos regimes que ajudaram a implantar, criam grupos que se apropriam de muitas vantagens que o poder possibilita. Para não fazer distinção ideológica, basta ver o que aconteceu na União Soviética, nos governos da esquerda no Brasil ou ainda na Venezuela. Foi assim também com a nossa nascente República. Ela prestou grandes serviços ao nosso processo civilizatório, pois não podemos esquecer que eleições foram implantadas em todos os níveis de governo e queprocessos sociais foram atualizados. Tudo se iniciou com a vontade de renovação, de progresso e de participação política de jovens doutores positivistas e maçons, em grande parte.
Eram os filhos dos coronéis da Guarda Nacional, os que detinham em seu tempo as estruturas do poder econômico nas mãos. Esses coronéis eram, em grande parte, fazendeiros, com especial atenção para os grandes plantadores de café. A geração dos homens ricos do império, os empresários, desejavam se livrar das amarras de um poder sem compreensão da dinâmica econômica que estava sendo implantada. Os jovens doutores, a geração de seus filhos e genros, buscavam canais de prosperidade dentro dos ditames da ciência, sobretudo a de inspiração positivista. A preocupação com a nossa educação mais inclusiva nasce aí.
Essa foi a tradição que fundou a república, a renovação dos modos de fazer política e a atualização dos processos sociais, como educação e saúde. Os critérios da ciência, tão em voga no final do século XIX, foram o seu fundamento. Na tese da entropia, todo sistema social caminha para a morte ou para o inevitável envelhecimento. Assim foi com a Primeira República, assim também foi depois com a Era Vargas. Penso nisso para lembrar aos que me leem que não podemos ser muito severos com os sistemas que envelhecem, nem odiá-los por isso. Todos envelhecerão, mesmo os que parecem muito modernos hoje.
A ideia de que estava tudo errado antes de nós não costuma ser boa conselheira. Ela pode conduzir a exageros que só nos causam transtornos, quando gera seus contrários na sociedade. Olho com muita cautela o que se passa hoje no terreno dos gestos teatrais que se espalhavam na política. Todos estarão velhos um dia, e muitos poderão não produzir resultados tão bons como a nossa República, que passou para a história como velha, mesmo tendo portado novidades importantes para o seu temp
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