Coluna Inovação
Queremos viver em um mundo em que não há Van Goghs?
Van Gogh tinha esquizofrenia ou transtorno bipolar, assim como o matemático John Nash, Francis Ford Copolla e Edgar Allan Poe
Há pouco mais de um século foram descobertos três núcleos fundamentais da nossa existência: o átomo, o bit e o gene. A era do átomo, a partir de Einstein, na primeira metade do século XX, nos levou à bomba atômica e à energia nuclear, aos transistores e às naves espaciais, aos lasers e ao radar.
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Na segunda metade do século XX começou a era da tecnologia da informação, baseada na ideia de que toda a informação poderia ser transformada em números binários. Com isso desenvolveu-se o microchip, o computador e a internet que fizeram nascer as revoluções digitais.
Chegou a vez do gene com a revolução das ciências da vida. “A Decodificadora”, biografia de Jeniffer Doudna, vencedora do Prêmio Nobel de química de 2020 (com Emmanuelle Charpentier), escrita por Walter Isaacson, traça não só a vida da pesquisadora, mas todo o ambiente da biotecnologia e da revolucionária edição genética, que começa a resolver problemas de doenças e teve papel fundamental na revolução das vacinas para covid-19. E vai além, nos dando uma esclarecedora visão de como funciona o avanço da ciência, nas universidades e empresas e entre grupos de pesquisa com suas descobertas, mas também conflitos, disputas de patentes, competição e ciúmes.
Durante grande parte do século XX, a maioria dos medicamentos se baseava em avanços da química. O surgimento da empresa Genentech, em 1976, mudou o foco da comercialização para o ramo da biotecnologia. Os novos tratamentos passaram a envolver a manipulação de células vivas, muitas vezes por meio do uso da engenharia genética.
Ao longo de bilhões de anos, as bactérias desenvolveram um jeito totalmente esquisito e impressionante de se proteger contra os vírus. E esse sistema é adaptável: cada vez que um novo vírus surge, ela aprende a reconhecê-lo e a derrotá-lo.
Doudna e equipe conseguiram desenvolver a ferramenta básica CRISPR, para replicar esse processo e permitir a edição genética que sinaliza com a possibilidade de eliminar e prevenir doenças antes incuráveis. Com essa técnica desenvolveram um meio de reescrever o código da vida. Uma alteração genética com repercussão para as gerações futuras.
A tecnologia de utilização de CRISPR levanta alguns problemas: a possibilidade de programar características de seres humanos com todas as implicações éticas e o risco de utilização de mudanças genéticas para criar organismos para guerra. Tratar doenças com edição genética é aceitável pela comunidade científica, porém há questões complicadas como a pergunta: “Por que não posso dar a meu filho benefícios genéticos que outra criança tem naturalmente?”
O Departamento de Defesa nos EUA já patrocina pesquisas para estudar como criar soldados geneticamente melhorados. Em princípio, a tecnologia poderia fazer “supermelhoramentos”, isto é, dar aos humanos habilidades como enxergar luz infravermelha ou ouvir em altas frequências. Poderia ser criada uma nova raça de atletas, com ossos maiores e músculos mais fortes.
Mas, mesmo que concordemos em livrar a humanidade da esquizofrenia e de doenças parecidas, deveríamos considerar se haveria algum custo para a sociedade ou até mesmo para a civilização.
Van Gogh tinha esquizofrenia ou transtorno bipolar, assim como o matemático John Nash, Ernest Hemingway, Francis Ford Copolla, Gustav Mahler, Franz Schubert e Edgar Allan Poe.
“Queremos viver em um mundo em que não há Van Goghs?”, pergunta o autor do livro.
Enfim, estamos no limiar de uma nova era, promissora por um lado e extremamente perigosa por outro.
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