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Coluna André Andrès

Messala: a história de um vinho brotado da guerra

Um marceneiro vai parar em uma guerra de forma um tanto involuntária. De lá, saiu para construir um patrimônio de onde surgiu um vinho de enorme sucesso

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Uva da casta Alvarinho, a mais represtantiva da região demarcada do Vinho Verde, em Portugal. Foto: Reprodução

O destino traça seus caminhos, e os homens definem seus destinos. Uma certa curiosidade, talvez traçada pelo destino, levou um jovem marceneiro português, chamado Mario Gonçalves, a perguntar a um homem, com trajes militares bastante atraentes, em uma missa, por que ele estava vestido daquela forma. “Eu sou paraquedista. Salto de aviões”, o homem respondeu. Mario não teve dúvidas: pouco tempo depois saiu em busca de uma junta militar para se inscrever. Queria ser paraquedista. Fez a inscrição e não mais cuidou do assunto.

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Havia, no entanto, um problema: Portugal estava, na década de 1960, em guerra com suas ex-colônias africanas. Antes de se inscrever na junta, o marceneiro não podia ser convocado para a batalha por ser uma espécie de arrimo de família. A partir do momento de sua inscrição, ele se tornou um voluntário, mesmo involuntariamente. Resultado: num certo dia, policiais foram buscá-lo em casa para levá-lo à guerra. Sua vida mudou radicalmente. E os caminhos por ele trilhados iriam desembocar em um belo vinho…

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Aos 18 anos, Mario enfrentava duas batalhas: a da guerra e a da necessidade de levantar algum dinheiro para ajudar a família. Sobreviveu a uma, aprendeu com a outra. Após cinco anos no front, se deparando com os horrores presentes quando a paz se ausenta, chegou o momento de voltar para casa. Ele se recusou. Não queria mais ser marceneiro. Assumiu de vez a gerência de um bar de oficiais no destacamento militar. O local virou uma referência para os clientes e chamou a atenção de vendedores de produtos, inclusive de um comerciante de bebidas. Mario começou a vender vinhos em seu bar e em outras bases militares. Ficou nessa atividade por mais quatro anos, até surgir a oportunidade de voltar a trabalhar na cidade do Porto. Sua criatividade na apresentação e na elaboração de produtos, como um molho de pimenta, o fizeram prosperar nos tempos seguintes, graças a muito trabalho e o apoio da família. Mesmo por caminhos tortos, a guerra acabou lhe abrindo oportunidades. E elas foram bem aproveitadas.

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A paixão de um garoto por vinhos
Havia por lá os terrenos de um integrante da família. Produzia-se batata, cebola e… vinho. Mas como era e é comum, a bebida servia apenas para o consumo da família e dos funcionários. No entanto, já chamava a atenção de Messala Gonçalves, um dos quatro filhos de Mario. O garoto, aos 12 ou 13 anos, levava jeito para a produção. Seu pai sabia disso. E determinava a todos: “Deixem o ‘puto’ trabalhar!” E o ‘puto’ trabalhou. Muito. Acertou, errou. Além dos tintos, descobriu técnicas para fazer brancos, espumantes, rosés. E aprimorou seus conhecimentos em terras adquiridas na região de Monção e Melgaço. Messala tornou-se um enólogo na prática, no dia a dia. E convenceu a família a investir no ramo, principalmente pela facilidade de distribuir a produção.

Messala Gonçalves, hoje à frente de uma produção de cerca de 30 rótulos de cinco regiões portuguesas. Foto: Divulgação

Mario decidiu dar ao vinho o mesmo nome do filho. Tornou-se um rótulo incomum, afinal,  Messala Severus é o vilão na história de Ben Hur. Ou melhor, vilão para quem tem uma visão tradicional sobre a obra. Para o ex-marceneiro e ex-combatente, Messala é o verdadeiro herói, daí sua escolha. Aliás, Mario tentou batizar outro de seus filhos como Mao Tsé-Tung. O bom senso imperou e isso não aconteceu.

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De vinho verde a vinho do Porto
Messala acertou na produção do vinho verde, feito com a casta Alvarinho. Já na sua segunda safra, há mais ou menos 18 anos, o vinho ganhou o prêmio de melhor Alvarinho de Portugal. Desde então, coleciona títulos, medalhas, prêmios. Ao longo dos anos, a produção se expandiu para mais três regiões vinícolas de Portugal: além de Monção e Melgaço, os vinhos saem das videiras plantadas no Alentejo, no Douro e no Dão. A linha da Grande Porto, nome da empresa hoje conduzida por Messala com apoio da família, notadamente do irmão mais velho, é muito variada e dividida em quatro grandes grupos, o Desfiado, formado pelos vinhos de Monção e Melgaço; o Encostas de Lá, do Douro; Montes de Lá, do Alentejo; e o Serras de Lá, do Dão. A empresa também tem uma atividade em Lisboa, com um rótulo de grande sucesso no Brasil, o Pode Ser.

Do vinho verde, premiado desde quando nasceu, Messala evoluiu para os mais variados tipos de rótulos, de brancos a vinhos fortificados, passando por tintos, rosés e espumantes, das mais diversas faixas de preço. Há vinhos feitos da forma mais tradicional possível, mas há também criações incomuns, como um vinho verde licoroso e um tinto com 17 graus de volume alcoólico, o Montes de Lá 17. “São dessas maluquices que faço”, comenta Messala. Quando perguntado sobre o número de rótulos hoje colocados no mercado pela Grande Porto, ele responde: “Cerca de 30”. O número causa espanto. E ele completa: “São muitos e muitos anos de trabalho”. De trabalho e de um caminho traçado em meio a  equívocos, guerra, erros e muitos acertos de quem decidiu fazer seu próprio destino. E conseguiu.

MESSALA ALVARINHO MONÇÃO E MELGAÇO – Vinho produzido apenas com a casta Alvarinho, a mais típica das uvas da região demarcada dos Vinhos Verdes. Um colecionador de prêmios, como é relatado pelo seu autor, Messala Gonçalves. Hoje, a produção está a cargo do enólogo João Garrido. Após a colheita, feita manualmente, a fermentação ocorre em cubas de inox a temperatura controlada. Aí, estagia durante três meses,prolongando-se o estágio por mais três meses em garrafa.
Quanto? Entre R$ 135 e R$ 190

MONTES DE LÁ 17 – Vinho produzido no Alentejo apenas em anos de safras excepcionais. Ganhou esse nome por dois motivos: o primeiro vinho produzido atingiu 17º no volume alcoólico e foi lançado no 17º aniversário de Mário André Gonçalves, o primeiro membro da terceiro geração da família. É feito com uma mescla muito incomum, de Alicante Bouschet, Syrah e Cabernet Sauvignon. Os 17º de álcool da primeira safra foram acidentais. Hoje, são intencionais. O enólogo David Patrício coloca o mosto por 12 dias em balseiro de carvalho francês à 24º. Depois, o vinho estagia em barricas de carvalho francês por 16 meses. O amadurecimento é concluído em mais um ano de garrafa. Desnecessário falar de sua potência e estrutura…
Quanto? Entre R$ 368 e R$ 600

PODE SER TINTO – Pode Ser é uma linha de vinhos bem mais acessíveis da Grande Porto. Trata-se de uma mescla de Touriga Nacional, Syrah e Alicante Bouschet, colhidas em Alenquer, uma sub-região de Lisboa. É vinificado em cubas de inox, não passando por madeira. Um vinho de grande sucesso no Brasil, atualmente, por conta de seu preço e pelo fato de ser “fácil de beber”, como dizem muitos portugueses. Atinge os objetivos de seu enólogo, Nuno Inácio. É ele quem também produz o vinho branco de mesmo rótulo, feito com as castas Arinto e Fernão Pires. Uma pequena amostra das razões do crescimento das vendas dos vinhos portugueses no Brasil, por juntar boa qualidade com preço bastante razoável.
Quanto? A partir de R$ 40.


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André Andrès

Há mais de 10 anos escrevo sobre vinhos. Não sou crítico. Sou um repórter. Além do conteúdo da garrafa, me interessa sua história e as histórias existentes em torno dela. Tento trazer para quem me dá o prazer da sua leitura o prazer encontrado nas taças de brancos, tintos e rosés. E acredite: esse prazer é tão inesgotável quanto o tema tratado neste espaço.

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