Coluna André Andrès
Evento em Vitória festeja 25 anos do Almaviva, o grande vinho chileno
União de duas casas tradicionais, de França e Chile, resultou em um ícone da indústria vinícola mundial. Safra 2020 será provada nesta quarta-feira em Vitória
Há uma pergunta ainda a ser respondida: o autor de uma obra-prima tem consciência plena de sua criação? Muito provavelmente não. Caetano Veloso desejava homenagear Paulo Vanzolini e sua canção “Ronda”, até então a música-ícone de São Paulo, e acabou fazendo “Sampa” (já notou? As notas finais de “Ronda” são as notas iniciais de “Sampa”), hoje um hino paulistano. Tom Jobim estava preocupado com a reforma no seu sítio em Poço Fundo, região de Petrópolis, deprimido com as notícias sobre sua saúde e sufocado pelo trabalho com a produção de uma sinfonia encomendada a ele. Foi dar um tempo, espiar seus sentimentos e fez “Águas de Março”, tida por muitos como a mais bela canção da música brasileira. Leonardo Da Vinci foi chamado para fazer o retrato de Gioconda, mulher de um rico comerciante de Florença, pintou Mona Lisa e o resto é história. Lógico, em nenhum dos casos houve um acidente. Caetano, Tom, Da Vinci são mestres supremos, esbanjam talento, tinham a intenção de fazer algo muito bom, mas não tinham a certeza de estarem produzindo uma obra-prima.
Algo assim também pode ser dito da reunião entre os projetos da baronesa Philippine de Rothschild, responsável por uma tradicional vinícola francesa, e Don Eduardo Guilisasti Tagle, da Concha y Toro, potência absoluta da produção de vinhos do Chile. Ambos desejavam, logicamente, produzir algo muito bom. No entanto, talvez não tivessem a certeza absoluta de estarem produzindo algo quase único…
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A vinícola Almaviva: vinhos passam de 16 a 20 meses amadurecendo em barricas de carvalho francês. Foto: Divulgação
O encontro entre a elegância francesa e a força chilena está completando 25 anos. Houve uma combinação perfeita entre o terroir disponibilizado pela Concha y Toro e as técnicas de produção oferecidas pela Baron Philippe de Rothschild. O resultado, desde a primeira produção, com a colheita de 1996, é um vinho potente e, ao mesmo tempo, macio, capaz de conquistar altas notas de avaliação tanto nas safras recentes quanto naquelas guardadas há muitos anos. Você pode estar se questionando: se a primeira colheita aconteceu em 1996, não temos uma união superior a 25 anos? Sim, mas a referência é a chegada do vinho à mesa de quem tem a felicidade de prová-lo. E o Almaviva só fica pronto após passar de 16 a 20 meses em barricas novas de carvalho francês. Por conta disso, nesta quarta-feira, dia 8, no restaurante Aleixo, em Vitória, a vinícola vai apresentar sua última safra, a de 2020, para um pequeno grupo de convidados.
Além da variação do tempo de maturação nas barricas, o vinho também muda sua composição a cada safra. A base é sempre uma mescla de Cabernet Sauvignon e Carménère. Às duas castas pode se juntar a Cabernet Franc e, com menos frequência, a Petit Verdot e a Merlot. Tudo depende dos desejos e das percepções do enólogo Michel Friou.

Michel Friou, enólogo responsável pelo vinho, considera a safra de 2020 incomum por conta da influência da pandemia no trabalho da vinícola. Foto: Divulgação
Friou, aliás, é quem tem a responsabilidade de reunir, a cada safra, as tradições, criadas ao longo dessas duas décadas e meia, em um vinho sempre surpreendente. Não… pensando melhor, surpreendente não é o melhor adjetivo para definir o trabalho final de Michel Friou. Quem abre um Almaviva entende a riqueza do momento. Não a riqueza em termos financeiros, embora a garrafa custe entre R$ 2.400 a R$ 4.000 no mercado brasileiro. A riqueza está no fato de o vinho traduzir duas culturas, maneiras diferentes de ver o mundo. E seu rótulo resume isso, ao juntar a referência ao Conde de Almaviva, personagem das Bodas de Fígaro, com o símbolo do cosmos elaborado pelo povo Mapuche, raiz da cultura chilena. Rica também é a história da construção de um ícone. A riqueza maior, no entanto, talvez esteja no fato de estarmos diante de algo concretizado a cada dia e a cada ano no trabalho duro e ao mesmo tempo delicado da vinícola. Quem abre um Almaviva não se surpreende com sua qualidade, mas se encanta com o resultado de realidades contrastantes, com a soma de elegância e potência, de tradição e inovação, da união entre o Velho e o Novo Mundo do vinho. Um encanto somente experimentado por quem sabe apreciar o talento de mestres. Talento capaz de nos entregar trabalhos únicos, como já fizeram Caetano, Tom, Da Vinci… E como acontece com Michel Friou e o Almaviva, obra-prima da vinicultura chilena.

A safra 2020 do Almaviva: lacre da garrafa lembra os 25 anos do nascimento do grande vinho chileno. Foto: Divulgação.
A SAFRA 2020 DO ALMAVIVA
Em grande parte das vezes, o Almaviva é feito com Cabernet Sauvignon, sempre predomminante, e Carménère. Em algumas safras ele ganha companhia, normalmente a Cabernet Franc. Mas há ocasiões, como no caso desta safra, na qual a mescla é feita com quatro uvas. O Almaviva 2020 é resultado da mistura de Cabernet Sauvignon (68%), Carménère (24 %); Cabernet Franc (6%) e Petit Verdot (2%), com estágio de 20 meses em barricas novas de carvalho francês. Michel Friou, em sua última passagem pelo Brasil, destacou as questões climática na produção do vinho, mas também falou de pontos relacionados à pandemia. “Muitos vizinhos não tinham trabalho, estavam em casa. Toda essa gente veio trabalhar conosco. Houve mais compromisso, mais energia. E 2020 foi um ano em que era importante a experiência técnica. Tivemos tantos problemas logísticos que a parte técnica tinha que funcionar sem problemas. Ao final, vimos que trabalhamos bem, e a uva estava boa. Em razão da pandemia, tive que me isolar da minha família por cinco meses. Eu ficava em contato com muita gente todos os dias. E como estava só, tive tempo para resolver os problemas logísticos e de recursos humanos. No começo, era difícil encontrar máscaras ou álcool em gel para os funcionários. Não posso dizer que foi uma vindima como sempre”, disse o enólogo. Além das castas, o tinto chileno desta vez também traz a emoção e os sentimentos de uma época…
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