Plural
Nova lei torna feminicídio crime autônomo e endurece punições
Vítor de Souza Ishikawa e Gabriela de Brito Burke são advogados criminalistas na Burke Advogados e autores do artigo sobre a nova lei do feminicídio
A violência doméstica e de gênero é uma questão alarmante no Brasil. Em 2023, os índices de feminicídio evidenciaram a urgência de ações efetivas para combater esse problema. A Lei n. 14.994/2024, conhecida como “Lei do Antifeminicídio”, trouxe mudanças significativas, como a criação de um crime autônomo para o feminicídio e o aumento das penas para os agressores. Contudo, é fundamental entender que o endurecimento das punições não resolve, por si só, a violência contra a mulher. As ações devem estar inseridas em um contexto mais amplo de mudanças no sistema de justiça, educação e cultura, buscando não apenas a punição, mas a transformação das condições que possibilitam a violência.
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A grande novidade da Lei é a criação de um tipo penal específico para o feminicídio (art. 121-A do Código Penal), com pena de reclusão de 20 a 40 anos – anteriormente, o feminicídio era considerado homicídio qualificado (art. 121 do Código Penal), com pena de 12 a 30 anos. As penas mínima e máxima orientam os juízes na aplicação da pena. É importante destacar que o gênero da vítima não caracteriza o feminicídio, mas sim a motivação do agente ou sua relação com a vítima. Assim, nem todo homicídio de mulher é feminicídio.
A caracterização do feminicídio ocorre quando alguém comete o crime motivado por menosprezo ou discriminação à condição da mulher ou em contexto de violência doméstica ou familiar. O crime pode ser praticado por homens ou mulheres, mas tem apenas mulheres como vítimas. Nesses casos, o julgamento ocorre no Tribunal do Júri e, conforme entendimento recente do Supremo Tribunal Federal, o réu inicia o cumprimento da pena logo após a condenação.
Existem circunstâncias que podem aumentar a pena do feminicídio em 1/3 até a metade – conhecidas como “causas de aumento de pena”. Incluem, por exemplo, se a vítima for gestante ou mãe de criança pequena, se tiver mais de 60 anos, for vulnerável devido a deficiência, ou se o crime for cometido de forma cruel, com uso de arma de fogo de uso restrito ou proibido, ou por meios que dificultem a defesa da vítima. A pena também é aumentada se o delito ocorrer na presença de familiares da vítima ou em descumprimento de medida protetiva.
A nova Lei endureceu as penas: o crime de lesão corporal no contexto de violência doméstica passa a ter pena de 2 a 5 anos, assim como o crime de descumprimento de medida protetiva. Além disso, agora o juiz pode dobrar as penas para injúria, difamação, calúnia e ameaças, e triplicar as penas nos casos de contravenção penal de vias de fato, quando a agressão física não deixa vestígios.
A Lei também avançou no processo penal, estabelecendo prioridade de tramitação para crimes de violência contra a mulher, sem necessidade de pagamento de custas, salvo em caso de má-fé. Qualquer benefício concedido ao condenado deve ser acompanhado de monitoramento eletrônico. Para progressão de regime, o cumprimento da pena deve ser de 55%, em vez de 50% anteriormente. Em caso de condenação, o autor se torna incapaz de exercer poder familiar, perde cargo, função pública ou mandato eletivo, e é proibido, até a extinção da pena, de assumir qualquer função pública.
A Lei n. 14.994/2024 institui penas mais rigorosas, mas o aumento das penas não deve ser considerado uma solução isolada. Para reduzir os índices de feminicídio e garantir um ambiente seguro para as mulheres, é necessário um compromisso com mudanças estruturais, incluindo educação para a igualdade de gênero e prevenção à violência, além de capacitação de policiais e investimento em delegacias especializadas. Uma abordagem integrada, que inclua educação e reestruturação das políticas públicas, é fundamental para enfrentar a violência de gênero de forma eficaz, necessitando de um esforço conjunto que promova uma transformação cultural e social que garanta dignidade e segurança para todas as mulheres.
*Vítor de Souza Ishikawa é advogado criminalista na Burke Advogados e mestre em Direito Penal na Universidade de São Paulo; Gabriela de Brito Burke é advogada criminalista na Burke Advogados, especialista em Direito Penal Econômico e mestranda em Direito Penal Econômico pela FGV São Paulo.
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