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Adoção é gerar com o coração: a história da jornalista Ester Tavares

Uma adoção nascida de orações coletivas e coragem legal transformou-se em testemunho de amor que desafia biologia

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Ester e Dalva celebram dois aniversários, um do nascimento e outro do dia em que se tornaram 'família de verdade' através da adoção. Foto: Arquivo Pessoal

Ester e Dalva celebram dois aniversários, um do nascimento e outro do dia em que se tornaram ‘família de verdade’ através da adoção. Foto: Arquivo Pessoal

A história de Dalva Tavares começa com um silêncio. Um silêncio que ecoava nos cômodos vazios de uma casa preparada para receber risos de criança, berços embalados, e pequenos passos que nunca chegavam. Em 1998, após uma tentativa frustrada de fertilização in vitro, ela aprendeu a esperar. Não mais com as mãos ansiosas de quem tenta controlar o tempo, mas com a serenidade de quem entende que a vida, às vezes, se tece em segredos. “Decidi esperar pela vontade de Deus e da maneira que Ele escolher”, diz Dalva, cujo sorriso hoje carrega a leveza de quem viu um milagre se materializar em forma de filha.

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Ester Tavares chegou ao mundo no dia 5 de janeiro de 2004, mas sua história com Dalva começou muito antes, em orações sussurradas em um altar de igreja. Durante três meses, Dalva e o marido, Péricles, se uniram a uma comunidade de fé em campanhas que pediam por uma criança. No último dia do ano, quando o réveillon iluminou o céu e as esperanças pareciam se dissipar com o fim do calendário, Dalva ainda não sabia que, a poucos quilômetros dali, uma menina respirava pela primeira vez. Quatro dias depois, um telefonema a colocou de joelhos: “Nasceu sua filha”. A resposta divina, como ela descreve, tinha nome, rosto e um destino que já estava escrito.

O primeiro encontro entre mãe e filha foi marcado por uma correria despretensiosa. Ao receber a notícia de que Ester estava em uma casa de passagem, Dalva e a família saíram de casa sem banho, sem roupas especiais, sem nada além do coração acelerado. A prima Ediméia, então uma adolescente, lembra da ansiedade coletiva: “Sua tia trouxe banheira, cadeirinha, enxoval… Todos queriam garantir que você chegasse ao nosso lar de qualquer jeito”. Quando Dalva a pegou no colo pela primeira vez, algo ancestral a atravessou. “Senti dores de parto”, conta, rindo da ironia divina. “Era como se você tivesse nascido de mim.”

O processo de adoção, surpreendentemente tranquilo nas palavras de Dalva, teve seu ápice em uma audiência emocionante. No dia 19 de fevereiro de 2005, quando Ester completava um ano de vida legalmente reconhecida como filha, o promotor questionou Péricles sobre a mãe biológica. “Não a conheço e nem quero conhecer. Ela é minha filha, e acabou”, respondeu o pai, lacônico e firme. Dalva, por sua vez, tentou explicar o inexplicável: “Quando olho para ela, é como se eu a tivesse parido”. O juiz, sensibilizado, dispensou testemunhas e assinou a guarda definitiva ali mesmo. Naquele instante, Ester ganhou não apenas uma certidão de nascimento, mas um legado de amor que desafiava códigos genéticos.

Os primeiros anos foram um aprendizado mútuo. Dalva, mãe de primeira viagem, tentou até produzir leite materno para amamentar Ester, mas descobriu que o colo era suficiente. “Ela chorava, eu a abraçava no peito e sussurrava: Calma, mamãe está aqui. Imediatamente, ela se acalmava.” A menina cresceu cercada por histórias de um amor que a escolheu: Ediméia lembra das férias em Guarapari, onde brincavam de Barbie — mesmo que Ester, travessa, destruísse as bonecas —, das caminhadas na praia e das mãozinhas erguidas em oração. “Você era um presente de Deus”, diz a prima, que a via como uma irmã desde o início.

Nem tudo, porém, foram sorrisos. A família precisou enfrentar olhares tortos e perguntas incômodas. “Alguns diziam filha de criação, e eu corrigia: Criação é de animais. Minha filha nasceu para mim“, relata Dalva. Denise, irmã de Dalva, testemunhou a transformação da irmã, outrora frágil, em uma “leoa” protetora. “Havia medo de perdê-la para a burocracia ou para os críticos”, confessa. Até mesmo na igreja, onde campanhas de oração sustentaram a esperança do casal, houve momentos de tensão. O pastor Marcílio Mendes relembra: “Quando soubemos que Ester precisava de amparo urgente, foi um teste de fé. Mas Dalva nunca duvidou: Ela vai sobreviver, eu vou cuidar dela“.

Para Ester, crescer sabendo-se adotada foi natural. “Me contavam que eu nasci no coração deles ou que caí de paraquedas no quintal”, diverte-se. Na escola, as perguntas surgiam — principalmente sobre a diferença de tons de pele entre ela, negra, e os pais, brancos. “Mas eu explicava com orgulho: sou adotada, e isso me faz especial.” Aos poucos, a comunidade viu a semelhança que o amor constrói: “Você é a cara da sua mãe”, ouviam.

A adolescência trouxe seus desafios — inseguranças, bullying na escola —, mas Dalva estava lá, firme como a rocha que Ester descreve. “Ela me ensinou que minha história não começa em um abandono, mas em uma escolha.” Hoje, jovem adulta, Ester não sente necessidade de buscar origens biológicas. “Se um dia eu procurar, será por curiosidade, não por vazio. Minha mãe me completa.”

Janice, melhor amiga de Dalva, resume o legado dessa história: “A maternidade nasce primeiro no coração”. Para ela, cada detalhe — desde os remédios para amamentar até as noites em claro — provou que laços de sangue não definem família. “O amor de Dalva por Ester é igual ao de qualquer mãe biológica: intenso, inexplicável, grande.”

Quando questionada sobre o que diria à mãe biológica, Ester responde com gratidão serena: “Obrigada por me dar a chance de viver. Assim, encontrei a melhor mãe do mundo”. Dalva, por sua vez, enxerga a adoção como um reflexo do amor divino: “Somos todos filhos adotivos de Deus”.

Na estante da sala da família Tavares, há duas datas marcadas em fotografias desbotadas: 5 de janeiro e 19 de fevereiro. Duas vezes por ano, velas são acesas, bolos são cortados e histórias são recontadas. Não são apenas aniversários; são celebrações de um amor que insistiu em existir. Um amor que não se contentou em esperar nos genes, mas que brotou, teimoso e radiante, no terreno fértil de um coração que soube gerar vida sem um útero.

E assim, entre orações atendidas, audiências emocionadas e brinquedos quebrados, Dalva e Ester provam, todos os dias, que adoção não é um plano B. É um convite a escrever milagres com letras de afeto — e acreditar que, às vezes, Deus entrega seus presentes em embalagens inesperadas.

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