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Dia a dia

De divórcio unilateral a união gay: o que muda no Código Civil

A proposta de reforma do Código Civil promete provocar uma transformação nas relações familiares

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A advogada Nívea Mikaela Deps Rios avalia a novo Código Civil. Foto: Divulgação

A proposta de reforma do Código Civil, atualmente em fase inicial de tramitação no Senado, promete provocar uma profunda transformação nas relações familiares ao permitir, entre outras mudanças, o divórcio unilateral em cartório, sem a necessidade de ação judicial. O Projeto de Lei 4/2025, apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sugere alterações em mais de mil dispositivos da legislação atual, com impacto direto na vida cotidiana de milhões de brasileiros.

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De acordo com o texto, será possível que apenas um dos cônjuges solicite o divórcio diretamente no cartório onde a união foi registrada, bastando a presença de um advogado. A proposta reafirma o caráter potestativo do divórcio — ou seja, o direito de uma das partes de encerrar o vínculo conjugal sem depender da concordância do outro. Para a advogada Nívea Mikaela Deps Rios, especialista em Direito Civil e sócia do SVMP Advogados, a medida desburocratiza o processo e atua como uma forma de pacificar o dissenso entre as partes, “Se não há discussão, não há oposição. O novo modelo elimina a necessidade de intervenção judicial onde há apenas o desejo unilateral de se divorciar, conferindo celeridade, eficiência e alívio ao Judiciário”, destaca.

Segundo ela, a mudança consagra o princípio essencial de direito à liberdade existencial. “Permanecer ou não em uma união deve ser uma decisão livre, pessoal e irrenunciável. Nenhuma pessoa pode ser obrigada a continuar em um relacionamento contra a sua vontade”, afirma.

Nívea também chama atenção para o impacto da proposta na prevenção de relações abusivas ou marcadas por controle emocional. “Além do alívio no Judiciário, essa inovação evita situações em que o cônjuge insatisfeito permanece preso ao casamento por causa da inércia ou da resistência do outro, o que fere diretamente os fundamentos da dignidade da pessoa humana.”

Famílias plurais e reconhecimento da união homoafetiva

O PL 4/2025 também propõe uma atualização significativa no conceito de família, ao incluir no texto legal o reconhecimento explícito da união homoafetiva e da parentalidade socioafetiva. Para Nívea, trata-se de um avanço civilizatório. “O projeto incorpora entendimentos já consolidados no STF e STJ, mas que careciam de previsão legislativa expressa. Agora, vínculos historicamente marginalizados ganham visibilidade, dignidade e proteção jurídica plena.”

Ela acrescenta que, ao prever essas formas de família, o legislador afirma compromisso com os princípios da igualdade, da liberdade existencial e da pluralidade das entidades familiares, todos pilares da Constituição Federal.

Mudanças no Direito das Sucessões

Outro ponto de destaque é a exclusão do cônjuge do rol de herdeiros necessários. Nívea avalia que a medida corrige incongruências do Código atual, como o caso do casamento sob separação obrigatória de bens — onde, paradoxalmente, o cônjuge não tem direito na partilha do divórcio, mas é chamado à herança. “Essa dissonância entre os efeitos patrimoniais do casamento e da morte gerava insegurança e descompasso lógico”, explica.

Ela ressalta que a meação continua garantida, e o cônjuge só deixará de herdar automaticamente o patrimônio particular do falecido. “A mudança fortalece a autonomia privada, mas exige uma norma de transição para preservar a confiança de quem se casou sob a legislação anterior.”

Reprodução assistida e gestação por substituição

A regulamentação da reprodução assistida também ganha espaço na proposta. Nívea destaca como avanço o fato de práticas já consolidadas passarem a ter respaldo legal. “O projeto define parâmetros para gestação por substituição, exige consentimento formal e protege a dignidade da gestante e os direitos da criança.”

Contudo, ela aponta um ponto sensível quanto à gestação por substituição: a exigência de vínculo familiar entre a gestante e os pais intencionais. “Isso pode excluir casais homoafetivos ou pessoas sem rede familiar disponível, estimulando a informalidade ou práticas clandestinas. Uma regulação mais aberta, com critérios éticos e autorização judicial, seria mais adequada à realidade brasileira”, defende.

Autonomia patrimonial e reconhecimento da paternidade

O texto também prevê a possibilidade de alteração do regime de bens diretamente em cartório, sem necessidade de processo judicial. Para Nivea, é uma medida pragmática e alinhada à realidade social. “Facilita a vida dos casais e prestigia a autonomia privada, com segurança jurídica e sem burocracia desnecessária.”

Por fim, o projeto transforma em norma expressa a jurisprudência que já vem sendo aplicada: a recusa imotivada de um homem em se submeter a teste de DNA poderá ser interpretada como indício de paternidade. “Trata-se de uma medida eficaz, que protege o direito à identidade biológica e combate manobras protelatórias”, conclui.

A proposta ainda aguarda o início da tramitação formal no Senado, mas já mobiliza juristas e operadores do Direito por representar uma das mais amplas atualizações legislativas das últimas décadas — com potencial para moldar de forma mais justa e contemporânea as relações familiares no Brasil.