Dia a dia
Arte, Cultura e Educação sob reflexão no Museu da Vale
- Por Marli Siqueira Leite
A coluna LINGUAviaGEM de hoje mostra um pouquinho do que foi a 3ª edição do evento Encontros com a Arte Contemporânea – Arte, Cultura, Educação, promovido pelo Museu da Vale, nos dias 15, 16 e 17 de outubro. A organização e a mediação continuam a cargo de Fernando Pessoa, professor do Departamento de Filosofia da UFES e também responsável pelos Seminários Internacionais Museu Vale, importante evento relativo à arte no Espírito Santo.
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No primeiro dia, o professor e escritor Luiz Antonio Simas revela, por meio de sua trajetória de vida – em meio ao candomblé, ao samba e à rua –, o quanto a cultura dos povos marginalizados, em especial a dos negros, resiste, mesmo negada pelas culturas dominantes. Como exemplo dessas “escapadas”, cita o desfile da Império Serrano de 1946, que homenageou Tiradentes. Embora o enredo destacasse um herói branco, o ritmo do tambor e a dança dos componentes da escola de samba de Madureira, Zona Norte do Rio de Janeiro, saudavam os mitos e a cultura do povo africano. É por meio dessas fraturas que a cultura marginalizada se afirma. Em certo momento, perguntado sobre como aliar cultura e educação em tempos de cortes e censura, Simas diz acreditar na resistência. Os baobás costumam florescer e produzir sombra frequentemente. O gao, uma espécie de árvore do contra, também de origem africana, não. Precisamos acreditar no poder do gao. Talvez não façamos sombra sempre e para nós mesmos, mas podemos abrigar os mais necessitados quando florescermos.
O presidente da Academia Brasileira de Letras, Marco Lucchesi, surpreendeu. Pouco falou de livros. Até chegou a dizer que os livros nos distanciaram do conhecimento genuíno, originário do contato direto com a natureza, com a realidade. Falou dos presos e dos presídios. Incluindo-se na pergunta, voltou-se para o público: “O que você fez hoje para evitar que aquelas pessoas estejam lá?”. Sua exposição nos permite acreditar que a saída está no embate – não só dos discursos, mas das ações. Infiel ao texto encaminhado para a organização do encontro, provocou o espectador a refletir duplamente: por meio de sua fala contundente e do texto divulgado na revista do encontro, igualmente rico.
A ausência física do multiartista Antonio Nóbrega por motivos de saúde foi compensada por sua apresentação via Skype. Quem conhece Nóbrega, sabe que perdemos de um certo modo. Trata-se de uma artista, além de estudioso da cultura popular, performático: conta, canta, toca, dança. Deu uma bela aula sobre as produções poéticas vindas de todo canto do país. Falou da frequência e importância da quadra poética e dos versos de sete sílabas nas composições populares e revelou, tocando e cantando, a riqueza e a diversidade dessa poesia.
Em diálogo com Nóbrega, José Rufino, além de artista plástico, geólogo e professor, mostrou como a arte e a vida podem estar amalgamadas em um projeto poético concretizado por todos. Declarando certas influências, como de Marcel Duchamp, conhecido como o criador da arte conceitual, e pelo artista performático alemão Joseph Beuys, Rufino revelou o seu percurso, marcado pelo resgate da memória e pela ideia de “arte útil” e de “escultura social”. Chegou, em 2015, à criação de um museu aberto: a Usina de Arte, na região da Mata Sul de Pernambuco, cujos artistas são os moradores locais, incluindo os trabalhadores da antiga Usina Santa Terezinha, hoje sede do espaço artístico. Uma obra em processo, em progresso, e sob a ação da comunidade.
Por fim, no terceiro e último dia, Charles Watson tratou de criatividade. Professor de artistas, como Adriana Varejão e Beatriz Milhazes, desconstruiu muitos achados sobre o ato da criação: “Criatividade não é baixar o santo ou algo assim, é fruto de um investimento…”, “… pessoas criativas normalmente não estão tentando ser criativas. A criatividade decorre naturalmente do envolvimento profundo que [as pessoas] têm com as atividades que amam”. A respeito de seus alunos, que o acompanham muitas vezes em visitas aos museus brasileiros e estrangeiros, pelo que ele chama de Workshops Dynamic Encounters, diz: “… os convenço a deixar de ler os textos dos curadores de início”. Segundo Watson, desse modo, o observador pode fruir as obras e discutir mais livremente a respeito delas sem uma direção predeterminada pelo curador.
A arte-educadora Janaina Melo expõe o seu trabalho no Inhotim, museu aberto localizado em Brumadinho-MG, e na passagem pelo Museu de Arte do Rio (MAR). Neste caso, antes mesmo da construção do espaço na região portuária do Rio de Janeiro, o seu contato com os moradores do local permitiu os primeiros projetos de ação educativa, como o “Café no Museu”, fonte de trocas com a comunidade e de novas ações com a participação dos visitantes. Sua ação no Inhotim não foi diferente. Com a parceria dos habitantes da região o espaço é mantido e ocupado em ações educativas e artísticas.
Todas as apresentações, em resumo, reforçam os paradoxos de que arte, cultura educação pressupõem e são capazes de promover. O Museu da Vale, responsável pelos desastres ambientais de Mariana e Brumadinho, investe há anos sobretudo nas artes plásticas. A empresa tem os seus propósitos outros evidentemente e nós – como visitantes, espectadores, artistas, estudiosos – aceitamos a contradição em nome da criação e da transformação do espaço e de nós mesmos. Afinal, na maioria das vezes, é no olho do furacão que as mudanças são possíveis.
- O nome – LINGUAviaGEM – é referência ao poema de Augusto de Campos, de 1967-1970, que concretiza bem os propósitos deste espaço.
Marli Siqueira Leite é colunista do ES360
