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Coluna Vitor Vogas

Pastor prega que evangélicos precisam ocupar o poder: “Deus quer”

Numa mistura de culto evangélico com showmício eleitoral, Pastor Romerito Oliveira prega, diante de Manato, Magno e Guerino: “Deus quer que nós possamos preencher todos os espaços [políticos]”. Ele é o presidente do Fenasp, que apoia reeleição de Bolsonaro

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Pastor Romerito Oliveira (de óculos) com Jair Bolsonaro, em Brasília. Foto: Reprodução/Fenasp.ES

Teve discurso de Magno Malta, Guerino Zanon e Manato. Mas o que mais chamou a atenção do colunista foram as palavras preliminares dirigidas aos fiéis pelo pastor Romerito Oliveira, no comício eleitoral evangélico realizado na noite da última quinta-feira (1º) no Espaço Patrick Ribeiro, em Vitória.

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Mistura de pregação religiosa com pronunciamento político, a fala do pastor não admite dúvida: líderes evangélicos, especialmente os de denominações neopentecostais, não estão brincando em serviço, estão cada vez mais organizados e mobilizados politicamente e têm um objetivo muito bem definido nas eleições deste ano: chegar ao maior número possível de cargos eletivos. Ou, nas palavras do próprio pastor, literalmente “ocupar os espaços de poder”.

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De certo modo, esses líderes evangélicos já chegaram ao poder central, em 2018, de carona com Jair Bolsonaro. E de lá não querem sair de jeito nenhum, defendendo com afinco a reeleição do presidente. Em outras esferas, estaduais e municipais, por intermédio de outros agentes políticos comprometidos com a sua agenda, eles também já estão no poder – vide, por exemplo, a Câmara de Vitória sob a presidência do vereador Davi Esmael (PSD) e alguns setores da atual administração da nossa capital.

O pastor Romerito, por sinal, é diretor-geral da Câmara de Vitória e aliado de Davi Esmel. Porém, no que mais importa nesta análise, é o presidente estadual do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp), entidade criada em 2002 que tem por objetivo declarado “incentivar a participação da igreja na política, por meio de representantes eleitos e frentes parlamentares, que trabalham para o resgate dos princípios cristãos nas câmaras e assembleias legislativas dos estados, como também nos Poderes Executivo e Judiciário.”

Em outras palavras, eles querem abertamente estar presentes e influenciar nas decisões tomadas pelos Três Poderes. O Fenasp é a mesma entidade que organizou a Marcha para Jesus em Vitória no dia 23 de julho, com a presença de Jair Bolsonaro, apoiado pelo fórum.

Na ocasião, houve um culto de recepção ao presidente no mesmo palco no Espaço Patrick Ribeiro, uma motociata pela Terceira Ponte e um showmício gospel na Praça do Papa, com discurso do presidente e da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, falando em “luta do bem contra o mal”. O casal só não pediu votos. Tirando esse detalhe, foi pura campanha antecipada.

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A pregação do Pastor Romerito

Na última quinta-feira, o pastor Romerito não falou que “evangélico vota em evangélico”, nem em “luta do bem contra o mal”. Não. Sua pregação foi bem mais elaborada, e é preciso reconhecer-lhe os méritos pela capacidade de emprestar, digamos, uma fundamentação pretensamente teológica para uma mensagem que na verdade é bem simples: evangélicos (ou, para ser mais preciso, “cristãos conservadores de direita”) precisam ocupar espaços de poder, diretamente ou por meio de representantes comprometidos com seus valores e princípios.

Para ser ainda mais claro: eles precisam preencher esses espaços antes que políticos de esquerda o façam. “Nenhum reino pode deixar espaço vago porque, se ficar um espaço vago, os inimigos e os adversários preenchem e dominam”, alertou o pastor.

Como preencher os espaços de poder do “Reino”? Simples, ora: disputando e vencendo as eleições para o maior número de cargos eletivos; ocupando e influenciando governos; indicando ou influindo na indicação de ministros do Judiciário; formando as maiores bancadas possíveis nas Casas de Leis em Brasília e país afora.

Por essa via de entendimento, fazer isso não seria nada além de obedecer à vontade divina: “Deus quer que nós possamos preencher todos os espaços, trazendo a impressão do Reino, trazendo seus valores e seus princípios”, afirmou para a plateia o presidente do Fenasp.

Os cristãos conservadores, em ação política e exercendo algum cargo público, teriam a obrigação de ajudar a imprimir a “cosmovisão cristã” nos rumos da nação. “Onde vocês estiverem [Executivo, Legislativo ou Judiciário], a impressão da cosmovisão cristã estará com vocês”, disse o pastor Romerito, dirigindo-se às dezenas de candidatos presentes (Magno, Guerino, Manato, Davi Esmael, Devanir Ferreira, entre outros), signatários da Carta de Princípios apresentada pelo Fenasp, com uma lista de nove compromissos.

Entre eles, “acreditar em Deus e acreditar na Bíblia”, “defender a vida desde a sua concepção” (ser contra o aborto); “rejeitar a ‘ideologia de gênero’” (combater a implantação, ipsis litteris, da “agenda gayzista”), “ser contra a obrigatoriedade do passaporte sanitário” e “fazer uma aliança conservadora contra partidos e coligações de esquerda”.

A carta foi assinada por Guerino, Manato, Magno e alguns candidatos a deputado estadual e federal presentes.

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Daniel, Jesus, Paulo e Timóteo: do Velho Testamento à Nova República

Ao ocupar o púlpito antes de Guerino, Manato e Magno, o pastor Romerito deu uma explicação de fundo “teológico” para o projeto político do Fenasp de emplacar o maior número de governantes, legisladores e até magistrados comprometidos com os princípios bíblicos (tais como interpretados por algumas igrejas evangélicas).

O pastor começou citando Jesus Cristo, na frase que foi o eixo da sua pregação: “Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos Céus”. Também relatou passagens do Velho Testamento, como a história do profeta Daniel e do rei Nabucodonosor, e fixou-se no apóstolo Paulo, considerado um dos primeiros difusores do cristianismo no Império Romano – quando os primeiros cristãos ainda eram discriminados, perseguidos e assassinados.

A história de Paulo – que debatia de igual para igual com sábios romanos, na ágora, defendendo o cristianismo – foi o ponto de virada da pregação do pastor; o “gancho” encontrado por ele para transpor para o Brasil de hoje o que seria o “Reino dos Céus” anunciado por Jesus de Nazaré, isto é, para dar sua interpretação atualizada sobre esse “Reino” prometido aos cristãos pelo filho de Deus:

“O Reino de Deus não deixa espaço vago. O Reino de Deus disputa todos os espaços. E imprime a sua visão seja onde estiver. […] Não há espaço que possa se deixar vago, porque onde há disputa de poder não há espaço vazio.”

Na sequência, o pastor exortou os presentes à ação, à participação e à mobilização política: “Não adianta só ficar de joelhos dobrados em casa, orando. O cristão precisa agir. […] A igreja não pode ser só uma intenção. Ela precisa ter uma ação”. Segundo ele, “exercer a sua cidadania como cristão é tão importante quanto exercer a sua fé”.

O objetivo dessa ação política, prosseguiu Romerito, é ter uma “vida tranquila”. A expressão foi emprestada de São Timóteo, um dos primeiros apóstolos e bispos cristãos, ainda no século I d.C., tendo convivido e se correspondido com Paulo. Em dado ponto da Bíblia, ele recomenda que se façam orações “pelos reis e por todos os que exerçam autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica”.

Então, o pastor reinterpretou esse conceito de “vida tranquila” à luz da atual geopolítica mundial. A interpretação tem evidente viés ideológico, contaminada pela disputa política nacional que invadiu os púlpitos e os templos, conforme explicita este exemplo:

“Talvez, para nós, [essa ideia de ‘vida tranquila’] pareça algo distante. Mas vá lá na Venezuela e veja como o povo perdeu a sua tranquilidade. Vá em Cuba, na Coreia do Norte…”

(Parêntese: poderia ter acrescentado “vá na Ucrânia, bombardeada pela Rússia governada por um protoditador de direita que se perpetua no poder há mais de 20 anos”; ditaduras existem aos montes e são sempre ruins, seja qual for o matiz ideológico.)

Em seguida, o pastor citou o ministro do STF Alexandre de Moraes: “Vejam quanta perturbação ele gera com aquela caneta”. E defendeu a eleição de “homens que tenham uma percepção de mundo, no mínimo, com temor ao Senhor”.

O líder religioso concluiu a pregação com aquela frase que amarrou todo o seu “giro teológico” e que já destaquei acima. Vou repetir: “Deus quer que nós possamos preencher todos os espaços, trazendo a impressão do Reino, trazendo seus valores e seus princípios”.

Enfim, esta é a “vontade divina”.

Em minha humilíssima opinião, são teses bastante discutíveis. E talvez, na moderna ágora brasileira, o pastor tivesse mais dificuldades para convencer uma plateia não fidelizada como aquela do que as que enfrentava o apóstolo Paulo ao debater suas ideias com os sábios romanos em praça pública.

Mas o ponto nodal aqui, como dito na abertura do texto, é o seguinte: as palavras de Romerito provam que pastores neopentecostais não estão de brincadeira e mostram uma organização política cada vez maior (da qual o Fenasp é um expoente). Hoje alguns deles, como o próprio Romerito, gozam de canal direto com a Presidência da República e não só querem chegar ao poder como consideram ter o “direito sagrado” de fazê-lo.

E, se necessário for, são capazes de conferir todo um “verniz teológico” à sua argumentação, para justificar esse pretenso “direito”.

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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