Coluna Vitor Vogas
Os recados passados com Ricardo: por que Casagrande escalou seu vice como secretário?
“Professor Renato” escalou seu futuro vice-governador para jogar em duas posições, acumulando a Secretaria de Desenvolvimento na próxima gestão. Coluna explica por que o governador fez isso, quem ele atende e o que pretende
Pela primeira vez em seus três governos (o terceiro começará em janeiro), Renato Casagrande (PSB) decidiu escalar seu vice-governador para uma secretaria de Estado: eleito com ele em outubro, Ricardo Ferraço (PSDB) acumulará as funções na Vice-Governadoria com as de secretário estadual de Desenvolvimento. Nem Givaldo Vieira nem Jacqueline Moraes assumiram secretarias. Por que então, quebrando o próprio padrão, Casagrande decidiu conferir esse “duplo status” a seu próximo vice? É o que respondemos a partir de agora.
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Tanto essa escalação quanto as respostas de Casagrande e Ricardo na entrevista coletiva em que foi feito o anúncio, na tarde desta quinta-feira (1º), confirmam duas expectativas criadas desde a campanha eleitoral. Em primeiro lugar, longe de ser um vice decorativo, Ricardo exercerá papel destacado no governo Casagrande 3, dividindo protagonismo com o próprio governador em algumas questões – sobretudo aquelas afetas ao desenvolvimento econômico do Estado.
Em segundo lugar, dar a Ricardo o status de secretário estadual de Desenvolvimento atende a um anseio do empresariado capixaba, um compromisso de campanha que o próximo governo não poderia deixar de cumprir.
Publicamente, as autoridades do atual governo não admitem isso, mas, em anonimato, fontes governamentais reconhecem que a interlocução do Palácio Anchieta com o setor produtivo capixaba precisa ser aprimorada: foi um dos recados gritados pelas urnas no Espírito Santo.
“Na Secretaria de Desenvolvimento, vamos trabalhar de forma muito sinérgica com as várias áreas do governo, mas, fundamentalmente, com o mundo empreendedor do nosso Espírito Santo, que estará na mesa com a gente nos ajudando nessa construção”, adiantou o próprio Ricardo, sinalizando a abertura de um espaço para participação direta de empreendedores em decisões da Sedes – portanto, do governo Casagrande.
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O recado das urnas
A necessidade de melhorar o diálogo com o empresariado estadual foi um dos problemas identificados pela campanha de Casagrande no início do 2º turno – um dos pontos, aliás, para além de questões ideológicas, que ajudam a explicar o fato de o governador, inesperadamente, não ter conseguido vencer a eleição em turno único.
Se parte do empresariado capixaba mantém certa resistência ao governador de centro-esquerda apoiador de Lula (PT) – e aqui questões ideológicas não podem ser ignoradas, pois se trata de um segmento extremamente permeável ao bolsonarismo –, o mesmo não se aplica a Ricardo.
Empresários capixabas em geral nutrem enorme simpatia pelo tucano, até porque o veem como um dos seus: o vice eleito com Casagrande não somente era ele próprio um empresário até pouco tempo atrás como representou profundamente os interesses do setor produtivo capixaba em Brasília, enquanto foi senador.
Não por acaso, constatada a necessidade de quebrar resistências e falar mais diretamente aos ouvidos do setor empresarial, a campanha de Casagrande ampliou bastante o espaço de Ricardo já no início do 2º turno.
Não à toa, também, Ricardo foi ovacionado por empresários durante sabatina promovida pelo Fórum de Entidades e Federações (FEF) com os dois candidatos a governador no dia 17 de outubro, em pleno 2º turno. Na ocasião, Casagrande fez questão de chamar seu companheiro de chapa ao palco. Foi o candidato a vice pisar no tablado que os sorrisos se abriram e a receptividade foi inteiramente outra. Como eu disse, os empresários se miram e se reconhecem em Ricardo: o palco, assim, virou espelho.
E, não por outro motivo, na reta final da disputa, Ricardo anunciou em comícios, sabatinas, reuniões de campanha e até em pleno horário eleitoral que, se Casagrande fosse reeleito, ele coordenaria pessoalmente, a pedido do governador, ações ligadas ao desenvolvimento econômico e à agricultura estadual nos próximos quatro anos. Foi um recado direto aos empreendedores capixabas.
Agora, com Ricardo, Casagrande confirma esse recado: o próximo governo será mais (ou ainda mais) simpático ao empresariado.
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É claro que, para mandar esse recado, ele não precisaria pôr Ricardo, oficialmente, à frente de uma pasta. O vice poderia coordenar programas sem necessariamente ostentar o título de secretário – a exemplo da sua primeira passagem pelo Palácio da Fonte Grande, como vice de Paulo Hartung, entre 2007 e 2010. Naquela oportunidade, Ricardo foi coordenador do programa de investimentos do governo com recursos próprios.
Mais que uma questão de organograma, porém, há o peso simbólico da mensagem: acrescentar “chefe da Sedes” ao crachá de Ricardo aumenta o lastro do compromisso de Casagrande e do seu próximo governo com o setor. Ele será o cara que, oficialmente, responderá pela área.
Na entrevista desta quinta, Casagrande negou que a escalação de Ricardo para a Secretaria de Desenvolvimento já estivesse decidida entre eles desde o 2º turno, mas confirmou, isso sim, que estava certa desde aquele momento a participação destacada que competiria a seu vice nessa área. E o próprio Ricardo confirmou que, já no período eleitoral, havia uma “pactuação” nesse sentido com as entidades de representação dos empresários capixabas, agora reafirmada por ambos:
“Nós conversamos isso no processo eleitoral e agora estamos reafirmando o que pactuamos no processo eleitoral, para que eu possa estar ajudando na coordenação da Secretaria de Agricultura e na de Meio Ambiente, mas sendo secretário de Desenvolvimento, porque é uma secretaria transversal. É uma secretaria que vai aprofundar ainda mais o tanto que foi feito nesse período, mas, como tudo na vida, precisa ser aperfeiçoado e aprofundado, até porque os desafios vão se renovando.”
Bruno Henrique: “outro patamá”
Além disso, dando sequência ao cumprimento da promessa, Casagrande confirmou, na coletiva, que Ricardo terá ascendência sobre todos os outros secretários – até por ser, antes de tudo, o primeiro abaixo dele na linha hierárquica da próxima administração:
“Ele vai ser empoderado para isso. Ele é o vice-governador. Ele é secretário, mas, antes de ser secretário, ele é o vice-governador. […] Ele já tem ascendência, como vice-governador, independentemente de ser secretário ou não, sobre todos os secretários, não só sobre os futuros secretários de Meio Ambiente e de Agricultura.”
Numa reunião de secretariado, por exemplo, mesmo que esteja lá como secretário de Desenvolvimento, Ricardo não se verá em pé de igualdade com os colegas de equipe, mas um degrau acima dos demais. Como diria o atacante Bruno Henrique, do Flamengo de Ricardo, estará em “outro patamá”.
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Na prática, o vice-governador terá voz ativa inclusive sobre outras secretarias – destacadamente, as de Agricultura e de Meio Ambiente, citadas por ele na coletiva. “Ele vai ser empoderado por mim, como governador, para que ele possa exercer um acompanhamento de perto das ações dessas duas áreas”, adiantou Casagrande.
Tanto é assim que esse protagonismo já começa a se manifestar agora, antes mesmo da posse e do início do próximo governo, no trabalho de montagem do futuro secretariado.
Como ambos confirmaram na entrevista, Ricardo está participando pessoalmente desse processo, sugerindo nomes e ajudando Casagrande a escolher seus novos colaboradores. “Sim, Ricardo está contribuindo diretamente. Meus aliados serão ouvidos nessa composição e naturalmente o vice-governador, que vai governar junto comigo, será ouvido em todas elas, sem nenhuma exceção”, declarou o governador.
Os próximos secretários de Agricultura e de Meio Ambiente certamente passarão pelo crivo do vice, assim como o próximo chefe do Instituto Estadual do Meio Ambiente (Iema), até porque uma bronca antiga dos empreendedores diz respeito à demora na concessão de licenciamentos ambientais.
Por que Ricardo primeiro?
Na coletiva de imprensa, Casagrande explicou por que, entre todos os membros da equipe do seu próximo governo, Ricardo Ferraço foi o primeiro a ser anunciado: “Eu não poderia caminhar para nenhum outro nome sem definir com clareza qual será a função do Ricardo”. “Mas o salário é um só. Não tem dois salários, não”, pilheriou o governador.
Sim, porém não
O governador negou ter escolhido Ricardo para a Sedes especificamente para atender a um clamor do empresariado capixaba, disse que seu governo já tem uma boa relação com o segmento e fez uma ressalva importantíssima:
“A escolha e o convite que fiz a Ricardo foi para atender à população capixaba. Não queremos atender especificamente a um segmento, mas a toda a população capixaba. Do mesmo jeito que ele vai ter uma relação boa com o setor empresarial, como vice-governador, ele vai ter que ter relação boa com todos os segmentos da sociedade. […] O nosso conceito de desenvolvimento é um conceito que não quer deixar ninguém para trás. A gente quer que todos sejam muito bem acolhidos pelo nosso governo, e Ricardo com certeza fará isso com muita competência.”
Pode ser lido assim: seu governo vai governar para empresários, mas definitivamente não só para empresários. E o mesmo vale para Ricardo na Sedes: deverá levar em conta, por certo, as reivindicações do grande empresariado, mas mantendo o olhar ampliado para todos os empreendedores, inclusive os menores, aqueles que mais necessitam de uma mão fomentadora do Estado.
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