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O país fica bem mais pobre sem Aldir Blanc. E talvez nem sabia disso…

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Aldir Blanc estava com covid-19 e seu quadro de saúde era considerado grave. Foto: Alaor Filho/Estadão Conteúdo

Aldir Blanc estava com covid-19 e seu quadro de saúde era considerado grave. Foto: Alaor Filho/Estadão Conteúdo

O Brasil tem a enorme, gigantesca capacidade de desconhecer seus grandes artistas. A segunda-feira (4) amanhece com uma triste notícia: morreu Aldir Blanc. Diante dessa informação, alguns fatos ficam para trás, pelo menos momentaneamente. A decisão do governador Renato Casagrande de estender o isolamento social fica para amanhã, assim como o novo avanço de Bolsonaro sobre as regras constitucionais. São assuntos a serem tratados em outro momento. Porque Aldir Blanc morreu.

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Vai com ele boa parte da excelência alcançada pela Música Popular Brasileira nos anos  60 e 70. Ou melhor… não vai com ele. Porque Aldir será lembrado a cada interpretação de “O Bêbado e a Equilibrista”, música-tema da campanha da anistia, talvez sua obra mais conhecida, mas não a mais brilhante. Porque Aldir brilhou desde sempre. De  Amigo é Pra Essas Coisas”, feita com Silvio Silva Junior, e eternizada pelo grupo MPB-4 até suas obras mais recentes, tem-se uma riqueza de obras quase única na música brasileira.

Em 1971, o Pasquim, jornal lendário, lançava um novo projeto, um disco, compacto simples, como se dizia na época. De um lado, um compositor já conhecido. Do outro, compositores a serem descobertos. Aquela edição teve, de um lado, Tom Jobim e “Águas de Março”, e, do outro, “Agnus Sei”, de Aldir Blanc e seu maior parceiro, João Bosco. Cantada por João, os versos davam uma ideia do brilhantismo de Aldir logo no início da carreira (“Ah! Ovelha negra me desgarrei / O meu pastor não sabe que eu sei / Da arma oculta na sua mão”).

Esse brilhantismo seria confirmado nos dois primeiros discos da dupla, uma sucessão grandiosa de sucessos: “Kid Cavaquinho”, “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, “De Frente Pro Crime”, “Incompatibilidade de Gênios”… a lista é enorme e não parou por aí. Ao contrário. Vieram mais e mais músicas, mais e mais obras. Durante muitos anos, foi a dupla de maior produção no país. E com uma qualidade poucas vezes alcançada.

Aldir era, antes de tudo, um carioca. Sabia, como poucos, compor cenários da cidade em suas canções. “De Frente Pro Crime” talvez seja o exemplo mais conhecido:  a partir de um corpo estendido no chão, tudo vai acontecendo: o jornal colocado sobre o cadáver, o bar lotado de curiosos, o político aproveitador do momento. Tudo numa sequência rápida de versos, escalados pela música e o violão de João Bosco.

Sua capacidade de transformar música em crônica, crônica em música talvez tenha alcançado o ponto máximo em duas canções: “Siri Recheado e o Cacete”, sobre as desventuras de um casal para fazer o almoço do “ compadre Anescar”, e “A Nível De…”, sobre as aventuras amorosas de dois casais de amigos.

Há muito a se falar sobre Aldir e sua obra. Muito. Tanta coisa bonita: “Nação”, “O Mestre Sala dos Mares”, “Linha de Passe” … Haveria tanto a se escrever. Mas a rapidez dos dias atuais determina, ao menos por enquanto, o registro apressado, para pelo menos tentar fazer justiça a um de nossos maiores compositores. E também um de nossos gênios mais desconhecidos. Foi também para, mesmo de longe, dar um abraço em João Bosco, cujo coração deve estar  estraçalhado.

Pobre país, já tão vilipendiado em sua cultura pelo governante de ocasião, ficou hoje culturalmente ainda mais pobre. E o pior é que a maioria da nação nem vai se dar conta disso…

Antonio Carlos Leite

Antonio Carlos tem 32 anos de jornalismo. E um tempo bem maior no acompanhamento das notícias. Já viu muitos acontecimentos espantosos. Mas sempre se sente surpreendido por novos fatos, porque o inesperado é a maior qualidade das coberturas jornalísticas. E também da vida...

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