IBEF Academy
Estamos em 1984?
- Por Marcelo Mendonça
O título não se refere ao ano de 1984, mas ao romance “1984”, de George Orwell, em que o mundo vive submisso a um Poder Central, que tudo vê, fiscaliza e controla, desde o programa de TV até seu emprego.
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Respondendo ao título, (ainda) não estamos em 1984. Mas, parece que o Governo quer chegar perto. Não bastasse o Fisco e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sempre bem atentos, a desconfiança é tamanha que, agora, até a constituição de uma empresa vai ser “fiscalizada/avaliada”.
No ano passado, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei) publicou a Instrução Normativa (IN) nº 76, de 9 de março de 2020. Sob o argumento de evitar atos de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, a IN determina a implementação de procedimentos de prevenção pelas juntas comerciais.
Até aí, uma maravilha. Duvido que um cidadão honesto seja a favor da lavagem de dinheiro e do terrorismo. O problema é que, em seu art. 3o, a IN traz situações de abertura de empresas que as juntas comerciais deverão comunicar ao Coaf. Citemos algumas:
- Art. 3º As solicitações de arquivamentos que se enquadrem nas situações listadas a seguir devem ser monitoradas, selecionadas e analisadas com especial atenção pelas Juntas Comerciais e, se consideradas suspeitas, comunicadas ao COAF:
I – constituição de mais de uma pessoa jurídica, em menos de 6 (seis) meses, pela mesma pessoa física ou jurídica ou que seja integrada pelo mesmo administrador ou procurador;
[…]
III – registro de sociedade onde participe menor de idade, incapaz ou pessoa com mais de 80 anos;
[…]
V – registro de pessoa jurídica com capital social flagrantemente incongruente ou incompatível com o objeto social.
São 14 situações ao todo, mas citei três que, junto a outras, JAMAIS podem ser presumidas como indícios de crimes a ponto de justificar seu monitoramento, cabendo à própria junta analisar se a constituição traz elementos suspeitos. Um absurdo, seja porque a maioria das hipóteses são comuns, seja porque tal análise pressupõe qualificação específica, não necessariamente atinente aos funcionários das juntas comerciais.
A existência de um rol leva a crer que essas situações, por si só, já são indícios de eventual conduta criminosa. Ocorre que, juridicamente, a presunção é de que os negócios jurídicos são de boa-fé, salvo prova em contrário. Inclusive, o próprio Estado, quando da publicação da Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), garantiu ser direito de toda pessoa “gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica”, bem como “a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas”. Ou seja, somente em caráter excepcional deverá o Estado intervir nas atividades privadas.
Tudo o que não vejo é excepcionalidade na maioria das hipóteses. Ou há irregularidade em abrir mais de uma empresa dentro de 6 meses? Em colocar os sucessores (ainda que menores) no quadro societário para fins de planejamento sucessório?
No mínimo, a IN é temerária. Ainda que não tenha sido violada a liberdade empresarial, a fiscalização injustificada gera incômodo com um Estado em constante vigilância. É um recado ao empreendedor: “estou de olho em você, pouco importando seu histórico, seus valores e sua conduta”.
O Estado, cada vez mais, esconde-se atrás de falsas justificativas para tentar nos controlar e vigiar. Agradeço, mas pode deixar que eu, cidadão honesto, quero empreender para ganhar dinheiro limpo. Não preciso de sua eterna (e falsa) preocupação com bem-estar social. De programa de vigilância, já basta o Big Brother Brasil (BBB).
Sobre o autor
Advogado e Professor Universitário. MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), MBA em Gestão Tributária e Sucessória pela Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e Finanças (FUCAPE), LLM em Direito Societário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Membro do Instituto Líderes do Amanhã. Membro do Ibef Academy. Vice-presidente do Instituto Direito e Liberdade Econômica – IDL. Sócio do Mendonça & Machado Advogados.
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