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Coluna Vitor Vogas

Musso mantém superpoderes na Assembleia, mas Ferraço quer acabar com isso

Valendo-se de uma brecha legal, presidente da Assembleia segue decidindo sozinho sobre o preenchimento de cargos comissionados ligados à Mesa. Adversário de Musso apresentou projeto para revogar superpoderes de uma vez por todas, mas, por ora, foi barrado

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Erick Musso e Theodorico Ferraço são adversários

Comecemos pelo primeiro, mais importante e mais surpreendente ponto (ao menos para este colunista): o presidente da Assembleia Legislativa, Erick Musso (Republicanos), continua exercendo até hoje, pelo menos em parte, os “superpoderes” conferidos a ele mesmo por meio de um projeto de resolução de sua autoria, apresentado em fevereiro de 2019 e aprovado sem resistências pelos demais deputados naquela ocasião.

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A partir da publicação da referida resolução, Erick passou a concentrar nas próprias mãos poderes administrativos que competem à Mesa Diretora (formada, além do presidente, por outros dois deputados: o 1º e o 2º secretários, eleitos na mesma chapa). Na prática, desde então, o presidente passou a gozar de total autonomia para assinar atos administrativos como contratos, exonerações e nomeações para preenchimento dos mais de 300 cargos comissionados ligados à administração da Casa – e diretamente subordinados à Mesa.

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Mas antes não era assim?

Não, não era assim.

Até fevereiro de 2019, o presidente não podia decidir sozinho sobre essas questões. Para tomar qualquer decisão, ele precisava da assinatura (ou seja, do apoio) de pelo menos um dos dois secretários da Mesa. Prevista originalmente no Regimento Interno da Assembleia, essa regra servia como um “sistema de freios e contrapesos”, para dar equilíbrio à direção de um Poder tão heterogêneo politicamente. Com o apoio dos colegas à época, o atual presidente mudou isso.

Mas por que abri este texto dizendo da minha surpresa ao constatar que os “superpoderes” do presidente ainda são uma realidade? Porque cobri de perto a terceira eleição de Erick para a presidência, selada em fevereiro de 2021.

Naquela oportunidade, em uma articulação política que passou pelo endosso do governador Renato Casagrande (PSB) à sua recondução, Erick assumiu publicamente (espécie de “promessa de campanha”) o compromisso de cancelar os próprios “superpoderes” adquiridos dois anos antes. Isso foi dito por ele em entrevista a mim mesmo e a colegas, bem como reafirmado em sua entrevista coletiva após a eleição de sua chapa em plenário, em 1º de fevereiro.

Mas Erick fez mesmo o que prometeu fazer? Bem… sim e não. Fez, mas não fez… ou melhor, fez pela metade. A explicação minuciosa, tecnicamente aprofundada, é apresentada na sequência deste texto, mas o mais importante por ora é saber duas coisas:

1) No fim de março de 2021, após alguma postergação, Erick apresentou mesmo um projeto de resolução que passou a borracha, pelo menos parcialmente, naquela mudança em benefício próprio proposta e aprovada dois anos antes;

2) Essa borracha não apagou todo o escrito: ficou uma brecha da qual, pelo que apurei, o presidente está se valendo para continuar assinando sozinho alguns atos de competência da Mesa Diretora, especialmente aqueles relativos ao preenchimento de cargos comissionados, sem consultar nem o 1º nem o 2º secretário da Mesa (respectivamente, Dary Pagung e Alexandre Quintino).

Da maneira mais sucinta possível, faltou um “detalhezinho”: a própria “Resolução dos Superpoderes”, aprovada em 2019, não foi revogada em momento algum, logo, para todos os efeitos, continua valendo.

Assim sendo, no caso de contratos, por exemplo, as decisões da Mesa voltaram mesmo a ser colegiadas e compartilhadas com os secretários na atual gestão, desde março do ano passado. Mas, quando se trata de nomeações e exonerações, continua bastando até hoje a canetada do presidente. Há uma série de exemplos concretos.

O mais recente deles ocorreu em 13 de maio, quando, numa tacada só, Erick exonerou 12 servidores comissionados que haviam sido indicados por Alexandre Xambinho (PSC), em inequívoco ato de retaliação – já que, na véspera, o deputado aparecera em público com Renato Casagrande em evento de pré-campanha, e Erick é pré-candidato a governador em oposição ao atual ocupante do Palácio Anchieta.

Nem Quintino nem Pagung sequer ficaram sabendo que essa barca seria exonerada. Muitos deles foram renomeados depois, pelo próprio Erick. Pelo próprio Erick.

Ferraço vai pra cima

A fim de acabar com esse, digamos, individualismo, o veterano deputado Theodorico Ferraço (PP) protocolou, no início de maio, um projeto de resolução cujo teor não poderia ser mais simples: basicamente, revoga de uma vez por todas a “Resolução dos Superpoderes”, sem deixar margem a brechas nem dúvidas.

Para contextualizar, além de ser obviamente uma raposa política, Ferraço é adversário político de Erick desde que foi desbancado por ele da presidência da Casa em fevereiro de 2017. E, recentemente, foi ele mesmo “vítima” dos humores do presidente, perdendo alguns dos cargos comissionados ligados à Mesa que mantinha.

Assim, se as motivações de Ferraço podem ser discutíveis (reação política etc.), no mérito é preciso convir que ele tem boas razões: concentrar poderes demais nas mãos do presidente vai contra a própria essência de um órgão colegiado como a Mesa Diretora e, além de antidemocrático, pode ser algo perigoso, dependendo do perfil e das intenções de quem estiver sentado na cadeira, sem nenhum freio ou contrapeso para brecar seu livre agir.

Somente na sessão desta segunda-feira (27), o projeto de Ferraço foi incluído por Erick no expediente e lido por ele em plenário. Ferraço se queixa de uma alegada demora anormal, por parte do presidente, para pautar um projeto que evidentemente não é do seu agrado. O deputado cachoeirense vinha usando os microfones do plenário, durante recentes sessões, para cobrar de Erick a inclusão do seu projeto na pauta de votações. Na semana passada, chegou a ameaçar judicializar a questão.

Questionada sobre as alegações de Ferraço, a assessoria da Assembleia me respondeu que não têm o menor fundamento: “O Projeto de Resolução 5/2022 está seguindo a tramitação processual normal e será apreciado assim que for pautado”.

De todo modo, quando finalmente incluiu e leu o projeto no expediente, nesta segunda, Erick não deu uma notícia nada boa para Ferraço. Sumariamente, devolveu o projeto para seu autor, por considerá-lo antirregimental.

Seguindo parecer do procurador-geral em exercício da Casa, Erick considerou o projeto prejudicado, por “vício de iniciativa”. Tecnicamente ele está certo (como você já deve ter percebido, estamos diante de um daqueles casos em que ninguém está inteiramente certo, mas todos têm um pouco de razão): matérias que tratem de atribuições e competências da Mesa Diretora só podem ser apresentadas… pela Mesa Diretora.

Ferraço com certeza sabe disso, mas está pressionando mesmo assim. E, se esticar ainda mais a corda, pode até conseguir alguma coisa.

O que pode acontecer agora?

Ainda na tarde desta segunda, o ex-presidente da Casa recorreu da decisão de Erick à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a quem cabe agora analisar a legalidade da proposição. Presidida pelo deputado Fabrício Gandini (Cidadania), sabidamente aliado do governo Casagrande e adversário do grupo de Erick, a CCJ pode fazer vista grossa, por razões políticas, aos vícios formais do projeto, e aprovar parecer favorável a que ele siga tramitando.

Se isso ocorrer, o projeto segue para o plenário, que deverá decidir, por votação, sobre a legalidade da matéria. Se a maioria entender que o projeto é regimental – e, nos bastidores, pode haver um lobby do Palácio Anchieta nessa direção –, este seguirá a tramitação normal, como qualquer projeto, passando pelas comissões cabíveis, até chegar à votação do mérito no plenário.

Abaixo, você pode ler e entender em pormenores esse xadrez com contornos políticos e jurídicos:

Fev./2019: a Resolução dos Superpoderes

Em fevereiro de 2019, logo após ter sido reeleito pelos pares para o segundo biênio na presidência da Assembleia, Erick apresentou o projeto de resolução que concedeu a ele mesmo os chamados “superpoderes”. Aprovado em plenário, o projeto virou a Resolução nº 5.915, de 18 de fevereiro de 2019. Na redação dessa resolução, composta por três artigos, é preciso prestar atenção em dois detalhes:

O seu artigo 2º diz que “as atribuições de competência da Mesa, estabelecidas no Regimento Interno ou por resolução da Assembleia Legislativa, ou delas implicitamente resultantes, poderão ser efetivadas por ordem exclusiva do Presidente”.

Já no seu artigo 3º, lê-se: “Fica incluído o §3º ao art. 17 da Resolução 2.700, de 15 de julho de 2009, Regimento Interno, com a seguinte redação: ‘§3º As atribuições de competência da Mesa, estabelecidas neste Regimento Interno ou por resolução, poderão ser efetivadas por ordem exclusiva do Presidente’”.

Parece redundante. E é. Mas é aí que mora a chave para se compreender como Erick conserva até hoje seus superpoderes e por que, tecnicamente, ele ainda pode decidir sozinho.

Mar./2021: Superpoderes revogados pela metade

Em 23 de março de 2021, cumprindo parcialmente o seu compromisso público de dar fim aos próprios superpoderes, Erick apresentou um novo projeto de resolução (o nº 07/2021), aprovado pelo plenário e publicado no dia seguinte. O que fez esse projeto? Revogou aquele §3º que havia sido incluído no artigo 17 do Regimento Interno pelo artigo 3º da Resolução nº 5.915, de fevereiro de 2019. Mas notem bem: o projeto não revogou a resolução propriamente dita!

Em outras palavras, o projeto de 2021 que deveria ter vindo para eliminar os superpoderes conferidos ao presidente em 2019 só “cumpriu o serviço” pela metade: só revogou a parte da Resolução nº 5.915 que havia alterado o Regimento Interno, no próprio Regimento Interno, mas não revogou a dita resolução. Esta segue em vigor até hoje, com aquele artigo 2º que diz:

“As atribuições de competência da Mesa, estabelecidas no Regimento Interno ou por resolução da Assembleia Legislativa, ou delas implicitamente resultantes, poderão ser efetivadas por ordem exclusiva do Presidente”.

Na prática, é o que segue valendo.

O que Ferraço quer fazer agora?

O que Theodorico Ferraço fez agora foi apresentar um novo projeto de resolução, no último dia 2 de maio, com um propósito expresso e redação sumária: revogar a Resolução nº 5.915, de 18 de fevereiro de 2019. Acabar com a brecha legal. Simples assim.

Mas o mais interessante é a justificativa do projeto. Nela, Ferraço argumenta que a concentração de decisões da Mesa Diretora na figura do presidente não condiz com a natureza da própria Mesa Diretora – por definição, um órgão colegiado. Ele alerta para “a necessidade de ser respeitada a natureza da Mesa Diretora da Ales, tendo em vista não ser compatível com a natureza de um órgão colegiado que apenas um dos seus membros tenha o poder de decidir de forma exclusiva”.

Ferraço ainda cobra de Erick o cumprimento integral do compromisso público assumido por ele quando reconduzido pelos colegas para um 3º biênio consecutivo na presidência, em fevereiro de 2021:

“Lembro a todos que previamente à eleição da atual Mesa Diretora, conforme amplamente divulgado pelos meios de comunicação deste Estado, houve, segundo as matérias, um compromisso de revogação dos superpoderes do Presidente da Ales, fato que, com toda a certeza, influenciou na decisão dos deputados na eleição dos atuais membros da Mesa Diretora.”

Por fim, o experiente deputado de Cachoeiro cobra de Erick coerência com a justificativa apresentada pelo próprio presidente em seu projeto de resolução de março de 2021 que retirou apenas em parte os seus superpoderes.

Na justificativa desse projeto, Erick argumentou que a fatídica Resolução nº 5.915, de fevereiro de 2019, foi aprovada “para fins de que o presidente assumisse monocraticamente atribuições previstas no Regimento Interno”, “com o intuito de dar maior celeridade e desburocratizar os atos da Mesa Diretora”.  Mas, na mesma argumentação, Erick deixou registrado: “Atualmente, […] é possível agregar a almejada eficiência com a gestão formalmente compartilhada”.

Ora, conclui Ferraço, se em março de 2021 o próprio presidente já admitia ser possível retomar “a gestão formalmente compartilhada” da Mesa Diretora sem prejuízo da “eficiência”, “não há motivos para a Mesa Diretora continuar sendo desnaturada, com decisões exclusivas de apenas um dos seus membros, considerando tratar-se de um órgão colegiado deste Poder Legislativo Estadual”.

Ou seja, astutamente, Ferraço está apontando agora contra Erick o argumento usado pelo próprio presidente há mais de um ano.

É, como se pode ver, um jogo político e jurídico que decididamente não é para amadores.


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Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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