Coluna Vitor Vogas
“Revolução social”: o programa de combate à miséria de Pazolini
Com Vix + Cidadania, prefeito espera zerar a extrema pobreza na Capital em dois anos. Programa de transferência direta de renda vai beneficiar 5,5 mil famílias com R$ 112,00 mensais por integrante para aquisição de produtos essenciais à dignidade humana
O complexo esportivo do Tancredão, na Grande Santo Antônio, é repleto de quadras poliesportivas e de campos de futebol. Foi ali, dentro do ginásio principal, que a Prefeitura de Vitória marcou um belo gol no último sábado, com o lançamento de um programa de distribuição de renda que, segundo o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos), promoverá uma verdadeira “revolução social” na capital do Espírito Santo.
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O programa Vix + Cidadania foi lançado pela prefeitura com a promessa de que, por meio dele, Vitória será a primeira cidade do país a eliminar a extrema pobreza (conceito equivalente à miséria). Ao menos foi assim que o programa foi anunciado pela assessoria de imprensa da prefeitura. A promessa por si já é ousadíssima e, se efetivamente cumprida, o “belo gol” virará um gol de placa.
Questionado pela coluna, o prefeito foi ainda mais ousado, acrescentando a informação que não constava no material da prefeitura à imprensa: a projeção do prazo para o alcance dessa meta. Segundo ele, com o Vix + Cidadania, Vitória poderá erradicar completamente a miséria em até dois anos – pouco mais que o tempo que lhe falta para o encerramento do atual governo.
“Estamos trabalhando com a expectativa de dois anos. Nós já vamos atender as famílias. Mas, claro, tem um tempo para isso ser mensurado através dos órgãos oficiais, do IBGE, do Instituto Jones dos Santos Neves. Vai ser um trabalho a longo prazo.”
Se a gestão Pazolini conseguir mesmo atingir essa meta em tão curto período, o “belo gol” que tinha virado “gol de placa” vai poder concorrer ao Prêmio Puskas (a honraria de tento mais bonito do ano concedida pela Fifa). Oxalá chegue pelo menos perto.
O Vix + Cidadania é, basicamente, um programa de transferência direta e voluntária de renda do governo municipal para pessoas que vivem abaixo da linha da extrema pobreza, nos moldes do Bolsa Família, mantido pelo Governo Federal desde o primeiro governo Lula (2003-2006).
Como explica o próprio prefeito, cerca de 5.500 famílias residentes em Vitória serão beneficiadas pelo programa. Tais famílias, mapeadas e cadastradas pela Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), têm renda domiciliar inferior a R$ 105 per capita.
Segundo a secretária de Assistência Social, Cintya Silva Schulz, esse é o mesmo critério utilizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social para determinar a linha da extrema pobreza. Portanto tais famílias, tecnicamente, estão em situação de extrema pobreza no presente momento.
Cada uma dessas famílias receberá da Prefeitura de Vitória um cartão magnético, com manual de instruções para efetuar o desbloqueio. A cada mês, esse cartão será recarregado pela prefeitura com o saldo de R$ 112,00 por membro da família (8,68% do salário mínimo). Supondo que uma família beneficiada pelo programa seja formada por cinco integrantes, o saldo inserido no cartão será de R$ 560,00 (R$ 112,00 x 5) por mês.
Não há limite para o número de membros que uma família contemplada pode ter nem teto para o valor pago a determinada família.
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O saldo do cartão deve ser usado, obrigatoriamente, para a aquisição de alimentos, materiais de higiene e limpeza e também gás de cozinha – “itens essenciais à existência humana”, como resume o próprio prefeito, e poderíamos acrescentar: à dignidade desses munícipes. Os produtos só poderão ser adquiridos em estabelecimentos credenciados pela prefeitura, os quais aceitarão o cartão como forma de pagamento.
Das 5,5 mil famílias alcançadas pelo programa, 370 delas foram convidadas a comparecer ao Tancredão no evento de lançamento no sábado para já obter o seu cartão. E muitas delas responderam ao chamado.
O programa, informa Pazolini, foi todo custeado com recursos municipais. Só este ano, o investimento da Prefeitura de Vitória chegará a R$ 13,7 milhões.
“Esse programa é o programa mais ousado de combate à extrema pobreza”, ressalta o prefeito. “Estamos concedendo a esse programa um investimento inicial de quase R$ 14 milhões, para fazer de fato uma revolução social. As pessoas terão autonomia para adquirir os alimentos. Não estamos entregando cesta básica nem alimentos escolhidos pela prefeitura. As pessoas irão ao mercado de consumo adquirir esses alimentos. A partir de hoje [sábado], elas já podem ir ao mercado. Como cada família recebe o cartão com crédito de R$ 112,00, multiplicado pelo número de integrantes, esse programa extingue a extrema pobreza. Essas famílias hoje, tecnicamente, não estarão mais na extrema pobreza, pois têm um programa voluntário de transferência de renda.”
No ano que vem, completa a secretária de Assistência Social, a intenção é, no mínimo, repetir esse valor, corrigido pelo valor do salário mínimo. E, se a equipe técnica da prefeitura concluir que há margem para isso, o investimento no programa poderá ser ampliado em 2024, bem como o número de famílias beneficiadas. Recursos para a continuidade do programa também serão garantidos no orçamento municipal de 2025, primeiro ano da próxima administração.
Cintya Schulz também explica que a Prefeitura de Vitória já mantinha um programa de distribuição de cestas básicas e que este será mantido, mas que a simples entrega das cestas, ainda que seja medida importante, provou-se insuficiente, principalmente se pensarmos em termos de segurança alimentar.
“Quando entregamos a cesta de alimentos, é uma cesta pobre nutricionalmente. Tem basicamente carboidrato e gordura. Quando você dá autonomia à família, ela pode ir ao mercado e comprar o que quiser. Ela vai comprar legumes, frutas da estação, alguma proteína, peixe… itens que a gente tem muita dificuldade de colocar numa cesta. Então, em respeito a essas famílias, a gente dá a elas autonomia, respeita o que elas querem comprar e investe R$ 13,7 milhões ao ano.”
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Cada família contemplada poderá receber o benefício por até dois anos. Para isso, precisa estar com o cadastro atualizado no CadÚnico e continuar frequentando os equipamentos da rede socioassistencial, para que a Semas possa acompanhá-las.
Ainda este ano, acrescenta a secretária, a Prefeitura de Vitória vai ofertar programas de qualificação profissional para esse mesmo público, por meio da Secretaria Municipal de Cidadania, Direitos Humanos e Trabalho.
Conforme explica ainda Cintya Schulz, a prioridade inicial é para as famílias que estão cadastradas no CadÚnico (o cadastro geral do Governo Federal para concessão de benefícios sociais) e que portanto são elegíveis para receber o Bolsa Família, mas por alguma razão não estão sendo alcançadas pelo benefício do programa federal.
Futuramente, informa a secretária, o programa municipal poderá ser ampliado para famílias já contempladas com o Bolsa Família. Nesse caso, algumas delas poderão acumular o recebimento do benefício do Vix + Cidadania com o do Bolsa Família. Não há impedimento legal quanto a isso.
Por que o programa é um gol?
Com dinheiro em caixa para isso – Vitória nesse aspecto tem condição privilegiada –, Pazolini acerta ao fazer a opção política pelo lançamento desse benefício.
A pandemia do novo coronavírus, lamentavelmente, além das centenas de milhares de vidas ceifadas só no Brasil, empurrou milhões de brasileiros de volta para baixo da linha da pobreza e da extrema pobreza. O recrudescimento desse quadro, conforme já demonstrado aqui, foi grave no país inteiro, e o Espírito Santo não escapou à regra.
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Na verdade, no Espírito Santo, o refluxo da pobreza se deu em ritmo ainda mais acelerado que a média nacional desde o início da pandemia, em 2020. E é preciso ter em mente: a parceira mais imediata e inseparável da miséria é a fome. Não por acaso, os números da insegurança alimentar também se agravaram muito no Brasil nos últimos anos. Um programa como o recém-lançado pela Prefeitura de Vitória ajuda a combater esse primeiro e mais urgente flagelo.
Prover uma renda mínima para todos os seus cidadãos é dever do Estado. Não é uma política de esquerda, não é uma política de direita, não deve ser preocupação exclusiva de progressistas e deveria passar distante de querelas de fundo ideológico, para se tornar um consenso nacional. Tem a ver com a promoção da dignidade e com a proteção aos direitos humanos mais básicos, incluindo o mais elementar de todos: o direito a uma alimentação decente.
Estudos e experiências internacionais, mesmo em alguns dos think tanks mais liberais, apontam a importância de o poder público manter mecanismos de transferência direta de renda para as pessoas socialmente mais vulneráveis, a fim de lhes proporcionar uma renda mínima para a sobrevivência.
A partir daí, a tendência é a geração de uma cadeia virtuosa de dignidade e prosperidade: pessoas antes totalmente desprovidas se transformam em pequenos consumidores, e consomem em pequenos negócios da própria comunidade, os quais assim também se fortalecem, fazendo girar a economia local e aumentando emprego e renda nesses bairros de mais baixa renda.
Tome-se, por exemplo, o Bolsa Família. Poucos programas terão sido tão incompreendidos e tão esculhambados pelos próprios brasileiros. Nenhum foi mais exitoso e mais crucial em promover a “revolução social” de que fala Pazolini, só que em âmbito nacional.
Celebrado internacionalmente, inclusive pela ONU, o Bolsa Família jamais foi sobre substituir a renda do trabalho para quem prefere não trabalhar, mas sobre complementar a renda do trabalho quando extremamente baixa ou suprir a total ausência dela para milhões de famílias sem fonte de renda alguma.
Ademais, a experiência real do governo Bolsonaro (2019-2022), diametralmente oposta ao teor de seus discursos antes de chegar ao Planalto, deveria bastar para acabar com qualquer argumento de quem ainda advoga contra programas de garantia de renda mínima para todos. Em seus tempos de deputado, Bolsonaro passou anos tratando o Bolsa Família como programa meramente eleitoreiro, de compra indireta de votos dos mais pobres.
Assim que ele chegou ao poder, seu governo não só manteve o Bolsa Família como criou um 13º pagamento do benefício. Em plena pandemia, transformou o programa em Auxílio Brasil e, às vésperas da campanha à reeleição, elevou o benefício para R$ 600,00.
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