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Coluna Vitor Vogas

CCJ da Assembleia aprova distribuição da “maconha medicinal” no ES

Parecer pela legalidade foi aprovado por unanimidade na comissão. Projeto do Bispo Alves prevê acesso gratuito a medicamentos à base do canabidiol

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CCJ da Assembleia aprovou acesso gratuito a remédios à base de canabidiol, em reunião do colegiado (10/10/2023). Crédito: Lucas S. Costa/Ales

Por unanimidade (cinco votos a zero), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa aprovou, no início da tarde dessa terça-feira (10), parecer pela constitucionalidade de projeto de lei que prevê a distribuição gratuita da “Cannabis medicinal” no Espírito Santo para pacientes que necessitam fazer uso de medicamentos à base da substância, mas não podem pagar por tais remédios porque são importados e caros.

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O autor do projeto, protocolado em fevereiro, é o deputado Bispo Alves (Republicanos). Por se tratar de proposta correlata, um segundo projeto, de autoria do deputado Delegado Danilo Bahiense (PL), foi apensado ao primeiro (juntado para tramitação conjunta). Os dois por acaso são deputados de direita pertencentes a partidos conservadores de direita. O Bispo, como sugere seu nome político, é pastor licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus.

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O parecer pela constitucionalidade foi apresentado pelo deputado Mazinho dos Anjos (PSDB), presidente da CCJ, e seguido por todos os outros membros da comissão presentes: Denninho Silva (União Brasil), Capitão Assumção (PL), Lucas Polese (PL) e Lucas Scaramussa (Podemos). Os três primeiros são, notadamente, deputados conservadores de direita.

Agora, o projeto segue tramitação normal, precisando passar por outras duas comissões: a de Finanças e a de Saúde. Mas o deputado Coronel Weliton (PTB), também conservador de direita, protocolou requerimento de urgência que chegou a ser incluído no expediente da sessão plenária da última segunda-feira (9). Weliton é o líder do bloco de direita que reúne PL, Republicanos e PTB.

Inspirado em uma lei sancionada em janeiro no Estado de São Paulo pelo governador Tarcísio de Freitas (também do Republicanos), o projeto do Bispo Alves visa instituir uma política de fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol, substância extraída da planta da maconha, na rede pública de saúde estadual, para pacientes que sofrem de uma série de doenças.

Como se trata de tema cercado de muito preconceito e desinformação, o primeiro ponto que precisa estar bem claro desde o início é que o projeto trata exclusivamente do uso terapêutico e medicamentoso de algumas substâncias encontradas na Cannabis sativa (nome científico da planta da maconha). Não tem nada a ver com uso recreativo da maconha, o que é toda uma outra discussão.

Também chamado no meio médico de CBD, o canabidiol é uma das muitas dezenas de substâncias químicas canabinoides encontradas na Cannabis sativa. Constitui boa parte da planta, chegando a representar mais de 40% de seus extratos.

Os efeitos benéficos

A literatura científica indica que o uso de medicamentos à base do canabidiol gera efeitos terapêuticos muito úteis no tratamento de várias doenças que atingem o sistema nervoso central do ser humano.

Uma série de estudos desenvolvidos nas últimas quatro décadas relatam evidências desse potencial terapêutico em pessoas que sofrem, por exemplo, de algumas desordens neurológicas e psiquiátricas, como psicose, esquizofrenia, ansiedade e doenças neurodegenerativas, como esclerose múltipla e doença de Hutington.

Em 2014, o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou o uso compassivo do canabidiol para o tratamento de epilepsias de crianças e adolescentes refratários aos tratamentos convencionais, por meio da Resolução CFM 2113/2014.

Na exposição dos motivos, os médicos responsáveis registraram que, diferentemente do principal canabinoide psicoativo na maconha – o delta-9-tetra-hidrocanabinol (THC) –, o canabidiol não gera efeito psicotrópico, não produz euforia nem intoxicação, além de não gerar dependência química nem abstinência.

“Ao lado desse perfil favorável de efeitos adversos, nos últimos 40 anos vêm sendo acumuladas evidências experimentais que apontam o CBD como uma substância com um amplo espectro de ações farmacológicas. Muitas dessas ações têm um potencial interesse terapêutico em diversos quadros nosológicos, entre eles: a epilepsia, a esquizofrenia, a doença de Parkinson, a doença de Alzheimer, isquemias, diabetes, náuseas, câncer, como analgésico e imunossupressor, em distúrbios de ansiedade, do sono e do movimento”, escreveram os três relatores.

No ano seguinte, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a importação para o Brasil de produtos medicinais fabricados a partir da Cannabis sativa. Até hoje, porém, na ausência de legislação específica, pacientes brasileiros só podem fazer uso desses medicamentos importados mediante autorização judicial.

Hoje, segundo dados da Anvisa, mais de 100 mil pacientes no país realizam algum tipo de tratamento que requer o uso do canabidiol. Só em 2021, mais de 66 mil fármacos à base da Cannabis foram importados para o Brasil. Em cinco anos, a importação da “Cannabis medicinal” cresceu 15 vezes no país.

O uso medicinal e industrial do canabidiol já é regulamentado em aproximadamente 50 países.

No Brasil, quem deu o primeiro passo nessa direção, recentemente, foi o estado de São Paulo. E a decisão, curiosamente, partiu de um correligionário do Bispo Alves.

O projeto sancionado por Tarcísio

Único governador filiado ao conservador Republicanos, Tarcísio de Freitas sancionou, no dia 31 de janeiro, o projeto de lei 1180/2019, de autoria do deputado paulista Caio França (por sua vez correligionário do governador Renato Casagrande, no PSB). O projeto foi aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em 21 dezembro do ano passado, servindo de molde para o projeto apresentado aqui pelo Bispo Alves.

Com a sanção da pioneira lei, foi instituída em São Paulo a política estadual de fornecimento gratuito de medicamentos formulados de derivado vegetal à base de canabidiol. A medida pretende beneficiar pacientes autistas, esquizofrênicos e portadores de doenças raras como o mal de Parkinson e outras patologias.

A lei estadual também estabelece que, excepcionalmente, o paciente terá direito à substância tetrahidrocanabidiol (THC) fornecida pelo Governo de São Paulo, nas unidades de saúde pública estadual e nas unidades privadas conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Na véspera da sanção da lei por Tarcísio, o deputado Caio França reuniu-se com o governador e mostrou-lhe uma petição com mais de 40 mil assinaturas.

“A substância é uma das mais de 50 ativas na planta e não tem efeito psicotrópico (não ‘dá barato’, ou seja, não provoca alterações da percepção em quem fuma). Basicamente, ao entrar na corrente sanguínea e chegar ao cérebro, ela ‘acalma’ a atividade química e elétrica excessiva do órgão”, justificou o autor do projeto à reportagem do portal Poder 360.

Apesar da liberação da Anvisa para a importação desses medicamentos desde 2015, tais remédios ainda são inacessíveis para grande parte da população, devido ao custo elevado. O valor médio por mês varia de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil.

A lei estadual de São Paulo também visa desburocratizar o acesso gratuito aos medicamentos, que já eram fornecidos pelo governo estadual, mas somente mediante decisões judiciais. De 2015 a 2019, o número de processos obrigando o governo paulista a fornecer remédios e produtos derivados da Cannabis cresceu quase 18 vezes, informou o Poder 360.

Logo após sancionar a lei que garante o fornecimento gratuito de medicamentos à base da Cannabis pelo SUS em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas se emocionou ao falar sobre um sobrinho que sofre de síndrome de Dravet, doença considerada rara e que causa convulsões no paciente.

Tarcísio contou que o sobrinho ganhou qualidade de vida a partir da utilização do canabidiol: “É duro ver uma criança convulsionar”.

O projeto do Bispo

O projeto de lei apresentado pelo Bispo Alves na Ales “institui [no Espírito Santo] a política estadual de fornecimento gratuito de medicamentos formulados de derivado vegetal à base de canabidiol, em associação com outras substâncias canabinoides, incluindo o tetrahidrocanabidiol em caráter de excepcionalidade, pelo Poder Executivo nas unidades de saúde pública estadual e privada conveniada ao Sistema Único de Saúde – SUS”.

Além de facilitar o acesso à “Cannabis medicinal”, o projeto pretende popularizar informações corretas sobre o tema.

Um de seus objetivos específicos é “promover políticas públicas de debate e fornecimento de informação a respeito do uso dessas substâncias para fins medicinais através de palestras, fóruns, simpósios, cursos de capacitação de gestores e demais atos necessários para o conhecimento geral da população acerca dos benefícios desse tratamento, realizando parcerias público-privadas com entidades, de preferência sem fins lucrativos”.

A implantação da política prevista no projeto ficará a cargo da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), que, no prazo de 30 dias a partir da publicação da lei, deverá criar comissão de trabalho com esse fim, incluindo técnicos e representantes de associações sem fins lucrativos de apoio e pesquisa ao canabidiol e de associações representativas de pacientes.

Se aprovada na Assembleia e sancionada por Renato Casagrande, a lei entrará em vigor 90 dias após a data de sua publicação.


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