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Coluna Vitor Vogas

A guinada de Gandini: os motivos por trás do rompimento com o governo Casagrande

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O deputado estadual Fabrício Gandini surpreendeu meio mundo na manhã da última quarta-feira (15), surgindo como líder da “Revolta da Bolsa”, como chamamos aqui uma rebelião em plenário de deputados da base de Casagrande que votaram contra o governo logo na primeira sessão de votação de projetos do Executivo na Assembleia este ano.

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No dia seguinte, para quem achara pouco, o deputado surpreendeu ainda mais, declarando a esta coluna que está fora da base do governo e que, daqui para a frente, na nova legislatura, fará um mandato autônomo, com “total independência”.

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Mais que isso: reconhecendo que não está fácil ser político de centro no Brasil hoje em dia, o presidente estadual do Cidadania mostrou que está buscando se reinventar política e ideologicamente.

O que explica essa guinada de Gandini – ou “crise de meia idade política” – é o que me proponho desvendar a seguir.

Em primeiro lugar, é preciso pôr em destaque as explicações fornecidas pelo próprio Gandini. Segundo o deputado, não foi ele quem deu o primeiro passo na direção oposta à do governo. Teria sido Casagrande, e não ele, quem iniciou um processo de afastamento, tão logo alcançou a suadíssima reeleição, no dia 30 de outubro passado.

Gandini não esconde de aliados que, desde a contagem dos votos, está tentando, sem sucesso, ser recebido por Casagrande para discutir a participação do Cidadania no novo governo. Tampouco disfarça o seu descontentamento com o chá gelado de espera que o governo lhe empurrou.

Mais que desprestigiado, o candidato a vice-governador de Casagrande em 2014 está se sentindo chutado para escanteio pelo Palácio Anchieta. Na conversa comigo, ele não usou esta palavra, sou eu que estou tomando a liberdade, mas creio que o termo correto seria “desimportante”: o sentimento é de perda de relevância no projeto liderado pelo governador, de alguém que de repente, de uma eleição para a outra, deixou de ser visto e tratado como um aliado prioritário para a administração, seja como parlamentar, seja como dirigente partidário.

Fato é que, depois da eleição, Gandini foi colocado na geladeira por Casagrande e seu governo. E essa perda de importância se reflete no decréscimo de espaço do Cidadania. No início da gestão passada (2019), o partido chegou a ter dois secretários de Estado: Lenise Loureiro e Davi Diniz (então filiado à sigla). Na atual, não tem nenhum.

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O que explica o afastamento?

A questão que emerge, então, é: por que esse afastamento intencional? Por que a relação esfriou tanto?

Ouvidos sob condição de anonimato, outros deputados citam um fator. O mesmo Gandini que agora se rebela e se sente preterido foi, de fato, um bom e consistente aliado do governo Casagrande na Assembleia no mandato passado; mas, durante o crítico período eleitoral, quando toda ajuda era imprescindível no 2º turno contra Manato, Gandini não teria se apresentado para a luta. Teria se mantido bem discreto, no fundo do pelotão.

Não é que tenha corrido do front, mas tampouco deu um passo adiante. Ele nega ter se omitido: “Fiz campanha para Casagrande, e o Cidadania sempre esteve na coligação”.

De todo modo, passado o trauma da quase derrota para Manato, Casagrande e sua cúpula iniciaram um processo de triagem e reclassificação dos antigos aliados, para definir quais deles entrariam no novo mandato com o selo de “alta-fidelidade”. E o critério com peso 2 nessa reavaliação foi precisamente a participação (ou não) na campanha de Casagrande. O empenho demonstrado então é proporcional ao prestígio e ao espaço concedido a cada aliado na nova administração.

Por esse aspecto, conforme apurei, Gandini perdeu algumas estrelas e foi rebaixado de patente na hierarquia dos aliados. Esse é um ponto que explica o afastamento do governo, o qual, por sua vez, explica a reação de Gandini. Sentindo que o governo sente não precisar mais dele, o deputado também já não sente a menor obrigação de lealdade e solidariedade com a gestão Casagrande.

Há, no entanto, mais que isso. Há o cálculo político e eleitoral.

A história de Gandini

Gandini certamente captou que, ao 43 anos e reeleito no sufoco em 2022, acaba de chegar a uma encruzilhada em sua trajetória política: o momento crucial em que precisa definir se é isso mesmo, se já bateu no teto da carreira e o máximo a que pode aspirar deste ponto em diante é seguir emendando mandatos na Assembleia; ou se ainda tem lenha para queimar e fôlego para galgar a posições maiores, no Congresso ou na Prefeitura de Vitória.

Se a resposta para si mesmo é a segunda, talvez ele tenha concluído que precisa mesmo urgentemente desgarrar-se do movimento político liderado por Casagrande no Estado e sair da sombra do Palácio Anchieta, iniciando um traçado próprio mais independente do governo. A sombra gera segurança política, mas também o risco de acomodação, além de engolir as luzes individuais.

Parece-me que Gandini concluiu que, para voltar a ter brilho próprio, para recuperar a própria luminosidade, tem de sair da zona de conforto e se “insubordinar”, no sentido literal de não estar mais politicamente subordinado, atrelado ao governo Casagrande. Isso pensando na própria sobrevivência política e eleitoral.

Na minha avaliação, Gandini entrou mesmo numa zona de conforto e é um caso atípico de parlamentar cuja ascensão política não lhe fez tão bem assim. No caso dele, subir para outro patamar na escalada legislativa teve o efeito inversamente proporcional ao desejado.

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Contra todas as expectativas, sua ascensão da Câmara de Vitória para a Assembleia em 2018 reduziu a sua visibilidade. O aumento do tamanho político e da importância do mandato foi proporcional à perda de destaque na cena política estadual. Explico.

O ex-líder estudantil do Cefetes e ex-assessor parlamentar de César Colnago na Assembleia e de Luciano Rezende na Câmara de Vitória (CMV) chegou jovem à CMV como promessa, revelação política e potencial seguidor dos passos de Luciano, com frescor nas ideias e na maneira de tocar o mandato.

De cara destacou-se no plenário, como líder da oposição a Coser no segundo governo do petista (2009-2012), mostrando desenvoltura e boa oratória em discursos contundentes da tribuna. Ou seja, surgiu na política chamando a atenção como parlamentar de oposição.

Aí, na eleição de 2012, Luciano chegou à Prefeitura de Vitória, e Gandini por óbvio desceu do palanque de opositor. Perdeu o “charme” e parte do apelo para o público e a imprensa, mas não perdeu a aura de novidade política. Tornou-se automaticamente o homem forte do prefeito na Câmara, inclusive como presidente no biênio 2013-2014.

Importante, porém: mesmo como braço direito do prefeito na Casa, seus momentos mais destacados eram aqueles em que reincorporava na tribuna o papel de opositor: não podendo bater na própria gestão municipal, o vereador mirava mais alto: atirava em secretarias de Estado, como a de Segurança Pública. E causava impacto.

Veio 2014, talvez o melhor momento de Gandini. Sua confiança então era tão alta que ele preparava um grande salto eleitoral: candidatura à Câmara Federal, sem escala na Assembleia. Engavetou o projeto para ser candidato a vice-governador de Casagrande, aceitando o convite do então governador. Deu a chapa Hartung/Colnago.

Então, outro momento importante: no começo de 2017, após reeleger-se como campeão de votos para o terceiro mandato na CMV, Gandini torna-se um supersecretário municipal, assumindo uma pasta resultante da junção de outras três. Torna-se o homem forte da prefeitura, o 02 atrás de Luciano, reeleito em 2016 contra Lelo Coimbra e Amaro Neto.

A chegada à Assembleia: inflexão

Já em 2018, em sua primeira candidatura à Assembleia, Gandini vence, mas, mesmo em seu entorno, havia discordâncias e relutância quanto a esse ser de fato o melhor passo estratégico a ser dado naquele momento. Afinal, todos sabiam que aquela era a última escala, o passo preparatório para aquela que sempre fora a verdadeira grande meta: a sucessão de Luciano em 2020, para a qual havia se preparado (e sido preparado) por anos.

Para alguns conselheiros de Gandini, ele precisava mesmo ir para a Assembleia. Para outros, melhor seria continuar licenciado da CMV e como homem forte de Luciano na prefeitura. Venceu a primeira opção e Gandini chegou ao Legislativo estadual em 2019. No meu entendimento, talvez não tenha sido a decisão correta. Desde que chegou à Assembleia, Gandini se apagou um pouco politicamente. Tornou-se um político menos interessante.

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Com o retorno de Casagrande ao Palácio Anchieta também em 2019, Gandini chegou à Assembleia como deputado de situação, mais que incorporado à base governista. Assumiu o comando da estratégica Comissão de Justiça – posto-chave nos bastidores da política, mas sem destaque algum para o grande público. Passou a usar muito pouco a tribuna.

Em novembro de 2019, foi um dos poucos deputados (meia-dúzia) a se opor à reeleição antecipada de Erick Musso para a Mesa Diretora. Mas foi esse um brilho fugaz do velho Gandini, na versão mais jovem e combativa.

E não é que tenha sido só por conta disso, obviamente, mas o fato é que, na tão aguardada eleição de 2020, o desempenho do deputado foi frustrante: o candidato do prefeito não chegou nem sequer ao 2º turno, vencido por Pazolini contra Coser. E o mandato discreto na Assembleia na certa não contribuiu para um melhor resultado.

Aí veio a reeleição para deputado estadual em 2022. Ele passou, mas passou raspando. Como candidato do centro moderado, em busca de um voto qualificado, fez uma parceria com Sergio Majeski (PSDB), que acabou tendo votação muito aquém da esperada para federal. Em relação a 2018, a votação geral de Gandini diminuiu: de 20.170 para 16.948 (menos votos que o vereador Davi Esmael, que não entrou). Em Vitória também, caindo quase à metade, de 10.382 para 5.717.

Num cenário político doentiamente polarizado entre a esquerda lulista e a extrema direita bolsonarista, o centro foi esmagado e asfixiado, como já analisei aqui e como concluiu o próprio Gandini. Como naquela cena de Indiana Jones, as paredes da câmara estão se fechando dos dois lados, e a passagem para políticos mais moderados está ficando muito estreita. Por isso, também visando sobreviver eleitoralmente, Gandini busca neste momento se reposicionar do ponto de vista ideológico.

A eleição de 2024

Tudo isso – o afastamento de Casagrande, a reinvenção ideológica – faz ainda mais sentido se Gandini ainda nutrir a ambição de se candidatar de novo à Prefeitura de Vitória no ano que vem. Já estamos na antessala desse processo. E, se em 2018 ele era favorito, agora chegará como azarão.

A concorrência será duríssima, começando pelo próprio prefeito (provável candidato à reeleição) e espalhando-se ao redor de Gandini no plenário da própria Assembleia. De um lado, a esquerda (reascendente e parcialmente reabilitada com o retorno de Lula ao Planalto), representada por Camila Valadão (PSol) e, principalmente, por João Coser (PT); do outro, a direita bolsonarista, com Capitão Assumção (PL). Isso sem contar Denninho Silva (UB) e Mazinho dos Anjos (PSDB).

Coser (Lula) e Assumção (Bolsonaro) dificilmente ficarão de fora. E, de novo: Gandini corre o risco de ficar espremido pelos extremos ideológicos e sem atrativos para o eleitor nesse cenário. Também por isso procura se reposicionar.

E também por isso seu desgarramento do Palácio. Ele sabe que Coser (a quem tanto se opôs no início da trajetória) é candidatíssimo a prefeito e que, se assim for, o petista possivelmente gozará do apoio do PSB e de Casagrande.

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O governador, pessoalmente, pode até não entrar na campanha de Coser para derrotar Pazolini. Mas, com Coser no páreo, jamais vai apoiar Gandini, até em virtude dos laços reatados e agora apertadíssimos entre PSB e PT tanto em Brasília como no plano estadual. Ao contrário do Cidadania, o PT é sócio prioritário do novo governo Casagrande, e petistas já chegaram ocupando vários assentos colados às janelinhas do ônibus guiado por Casagrande.

Em 2020, aliás, Gandini já não pôde contar nem com o PSB nem com Casagrande na disputa em Vitória. O partido do governador lançou o então vice-prefeito Sérgio de Sá, o que por certo não ajudou em nada a candidatura de Gandini (ao contrário, pode ter ajudado a deixá-lo de fora do 2º turno). Durante toda a campanha, Casagrande não declarou apoio nem a Gandini nem a Sá nem a Coser… no 2º turno, porém, liberou o PSB e até secretários de Estado a fazerem campanha para o petista.

Portanto, essa fila já andou, Gandini sabe disso e sabe que, até para pavimentar um caminho alternativo para uma nova candidatura a prefeito, ficar à sombra do Palácio não é uma boa para ele.

Talvez, para recuperar parte do viço e do apelo popular de outrora, melhor seja voltar a exercitar o que já começou a ensaiar em plenário na última quarta: um mandato mais independente e combativo, indo à tribuna de maneira mais assídua e em tom muito mais crítico, como nos primeiros tempos de vereador… inclusive contra o governo Casagrande.

A avaliação de colegas

“Gandini está tentando se desvincular. Não acredito que se jogue de cabeça na oposição, mas está tentando assumir um perfil mais crítico e independente. Se ele ficar muito agarrado ao movimento do Renato, não vai ter espaço para crescer”, avalia um colega de Gandini no plenário.

Reservadamente, alguns deputados discordam desta análise. Avaliam que, se Gandini não estiver blefando e realmente se desligar da base de Casagrande, aí é que ele vai se isolar e se apagar de vez politicamente, enterrando as próprias pretensões eleitorais.

“Ele não pode romper com o Renato. Com a eleição do Pazolini em 2020, o Gandini perdeu muito espaço em Vitória. E hoje o mandato dele depende demais da estrutura do governo, com emendas em outras cidades. Já foi assim na reeleição dele no ano passado. Se ele se afastar de vez do governo, aí é que não tem a menor chance de ser candidato em Vitória”, opina outro deputado.

“Se ele se descolar mesmo, ele morre politicamente. Ficou neutralizado em Vitória e precisa do governo para fazer entregas no interior”, opina um terceiro.

Por outro lado, na última quarta, o recado de Gandini foi claro: não tem mais nada a perder.


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Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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