Coluna Vitor Vogas
Análise: o que levou Ramalho a entregar o cargo a Casagrande?
Coluna analisa as motivações e aspirações eleitorais do coronel e como sua decisão de sair da Sesp afeta o cenário eleitoral em duas cidades da Grande Vitória
O secretário estadual de Segurança Pública, Alexandre Ramalho, conversou pessoalmente há poucos dias com o governador Renato Casagrande (PSB). Informou ao chefe que quer ser candidato a prefeito de Vila Velha e que, para construir esse projeto, pretendia entregar o cargo e sair do governo após o carnaval – antes do fim prazo de desincompatibilização, que vence em abril. Para isso, também terá de trocar de partido, pois o Podemos é a sigla do prefeito Arnaldinho Borgo, pré-candidato à reeleição.
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É fato que houve tal conversa entre o secretário e o governador. A informação chegou à coluna por volta das 18 horas e foi confirmada por um colaborador do Palácio Anchieta. Instantes depois, o próprio Casagrande comunicou, pelo Twitter, que o Coronel Márcio Celante assumirá interinamente o comando da Sesp, no lugar de Alexandre Ramalho, que se desligará do cargo no próximo dia 1º de fevereiro, para que possa, segundo Casagrande, “analisar projetos políticos neste ano”.
O que Casagrande não disse, mas podemos afirmar, é que o “projeto político” de Ramalho é concorrer a prefeito de Vila Velha. O município é o domicílio eleitoral do demissionário secretário. Desde o início do ano passado, quando voltou ao comando da Sesp após ficar como suplente do Podemos na Câmara dos Deputados, Ramalho nunca escondeu de interlocutores mais próximos sua preferência em disputar a eleição municipal em Vila Velha, muito embora aliados importantes no Palácio Anchieta tivessem outros planos para ele.
Para Casagrande e o grupo político do governador, além do próprio Podemos, seria muito mais interessante uma candidatura de Ramalho à Prefeitura de Vitória.
Para o Podemos, uma candidatura de Ramalho na Capital se somaria à de Arnaldinho em Vila Velha e à de Wanderson Bueno em Viana, fortalecendo o ascendente partido na Região Metropolitana. Para Casagrande e seus emissários, Ramalho poderia entrar nessa disputa como um trunfo e tanto para ajudar a derrotar o projeto liderado pelo prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) na Capital.
Com seu perfil de direita e seu discurso de endurecimento contra o crime – em uma cidade assombrada pela guerra entre facções do tráfico e o aumento no índice de homicídios –, o coronel da reserva da PMES poderia retirar votos valiosos de Pazolini, adversário do grupo de Casagrande, entre eleitores de direita. De quebra, poderia reduzir o tamanho do deputado estadual Capitão Assumção, o pré-candidato do PL, “roubando-lhe” votos de eleitores simpatizantes do militarismo e da ideia de “autoridade” emanada pela farda.
No mesmo movimento, embolando o campo da direita, o coronel poderia enfraquecer o delegado e o capitão, principais adversários do Palácio Anchieta em Vitória.
Ramalho entende porém que, sendo candidato na Capital, estaria (mais uma vez) cedendo aos planos políticos cultivados por terceiros para ele mesmo, em desfavor das suas próprias aspirações políticas; cumprindo um papel estratégico para o grupo político de Casagrande, a quem se mantém leal, em prejuízo dos próprios objetivos; jogando onde os outros querem, e não exatamente onde ele mesmo quer jogar.
Assim foi, no seu entendimento, na eleição geral de 2022, quando ele precisou se contentar em ser candidato a deputado federal e desistir de uma candidatura competitiva ao Senado, porque não teve o apoio de Casagrande (já comprometido com Rose de Freitas) e do próprio partido (o Podemos) para isso. Antes do fim do prazo de filiação, em abril daquele ano, Ramalho recebeu convites de outros partidos para se candidatar a senador, mas, mantendo a lealdade ao grupo, preferiu ficar mesmo no Podemos.
Na eleição para a Câmara Federal, ficou como suplente do Podemos, que elegeu Gilson Daniel e Victor Linhalis, mas viu seu capital político crescer, com uma votação respeitável em sua primeira eleição.
No ano passado, de volta à chefia da Sesp, manteve o capital político e ampla visibilidade devido à atuação à frente da pasta e ao cumprimento da meta de reduzir os índices de criminalidade no Espírito Santo, principalmente o de homicídios, colocado no mais baixo patamar da série histórica iniciada em 1996. Com esse bom desempenho, ele entra na campanha municipal não apenas com seu conhecido discurso linha-dura, mas também com resultados para exibir (para mostrar que “não é só discurso”).
Por que sair antes???
Outra lição que Ramalho aprendeu na marra em 2022 foi que qualquer candidatura, de vereador a presidente da República, precisa ser planejada e estruturada com a necessária antecedência. Rebaixado de senador a deputado federal em agosto de 2022, com o período eleitoral batendo à porta, o coronel fez uma campanha meio improvisada.
Se esse tempo de preparação é importante para uma candidatura proporcional, que dirá para uma candidatura majoritária no segundo maior colégio eleitoral do Espírito Santo…
Como secretário, premido pelas demandas intensas e intermináveis de uma pasta que é quase um gabinete de crise permanente, o secretário não tinha condições de se concentrar nas discussões e articulações político-eleitorais. Não dava para lidar com a última operação no morro ou responder sobre a queima do ônibus, enquanto se reunia com dirigentes partidários interessados na sua filiação.
Agora, o foco passa a ser outro; a operação passa a ser eleitoral, e o morro que Ramalho quer subir é o que leva à Câmara dos Deputados. O topo é logo ali, em 2026. Mas uma escala importante é a eleição a prefeito de Vila Velha. Ninguém tem dúvida de que Arnaldinho Borgo entra nesse páreo como absoluto favorito. Mas, sendo candidato a prefeito de sua cidade, Ramalho aposta que conseguirá, no mínimo, ampliar ainda mais sua visibilidade política, numa vitrine eleitoral privilegiada, visando à escalada futura em 2026.
Ora, mas, permanecendo à frente da Sesp, com toda a visibilidade inerente ao cargo, ele também não poderia se manter em evidência, de uma maneira positiva, até 2026? Poderia. Exatamente por isso, muitos ao redor de Casagrande entendem que sair do governo agora e se candidatar em Vila Velha é um grave erro de cálculo político por parte do secretário. Ramalho discorda.
Em primeiro lugar, manter-se em evidência de forma positiva à frente da Sesp depende, fundamentalmente, de manter continuamente a redução das taxas de violência, com um sarrafo colocado cada vez mais alto. Trata-se de um desafio condicionado a uma série de variáveis que não estão totalmente sob o controle de governo algum, que dirá de um secretário… Se, nos próximos dois anos, os indicadores voltarem a piorar, será tiro, porrada e bomba, não só dos criminosos, mas da sociedade e da imprensa.
Em segundo lugar, não é de hoje que Ramalho vem confidenciando a auxiliares seu cansaço com o cargo de secretário de Segurança. Considera ter cumprido a sua missão na Sesp. Cansou-se de vestir o colete à prova de balas. Daqui para a frente, só quer o terno de político.
O novo partido
Ramalho também deixa o cargo antes do prazo de desincompatibilização obrigatória porque sabe que precisa, sem demora, tomar uma decisão fundamental, da qual vai depender toda a sequência do seu planejamento eleitoral: escolher o seu novo partido. A partir dessa definição, a candidatura será estruturada. Até o início de abril, ele precisa estar filiado à legenda pela qual vai concorrer.
A única certeza por ora é a de que, para ser candidato em Vila Velha, ele não pode ficar no Podemos. Desde o ano passado, Ramalho vem sendo assediado por várias siglas de direita e recebendo convites de dirigentes. As opções não são muitas e, em coerência com seu perfil político-ideológico (ele mesmo se define como político de “direita moderada” e foi expoente do voto Casanaro), não podem transpor a linha divisória da centro-direita, o que limita ainda mais o leque.
Concretamente, Ramalho já conversou pessoalmente com o presidente estadual do PP, Josias da Vitória, e com o presidente estadual do Republicanos, Erick Musso – com quem, aliás, desenvolveu excelente e produtiva relação. Informações de bastidores dão conta inclusive de que, em acordo mediado por Erick, Ramalho teria selado um pacto de não agressão eleitoral com Pazolini, o que também teria concorrido para sua decisão de não disputar contra ele em Vitória.
Em âmbito estadual, como já explanado aqui, PP, Republicanos e PL estão fechadinhos em um projeto de constituição de uma frente de direita no Espírito Santo visando às eleições de 2026, o qual, já nestas eleições municipais, se traduzirá em parcerias em muitos municípios estratégicos.
Minha aposta, hoje, é que o destino de Ramalho esteja entre estes dois partidos: o PP ou o Republicanos.
O PL seria extremo demais para ele. Embora seja eleitor de Bolsonaro, ele é, repito, antes de tudo, parceiro político de Casagrande – e pretende assim se manter.
Ora, no Espírito Santo, o PL é o principal partido de oposição aberta a Casagrande. Não dará para rezar para os dois santos. Mas isso não tem impedido o senador Magno Malta, presidente estadual do PL, de entrar na briga pelo passe de Ramalho, agora livre na praça.
Ontem, o senador repostou uma publicação do coronel nas redes sociais. Vale lembrar que, anteontem, uma bomba caiu sobre o PL especificamente em Vila Velha: com a prisão do veterinário e empresário Thiago do Nascimento, suspeito de extorsão e lavagem de dinheiro, o partido de Magno Malta se viu da noite para o dia sem um candidato para apresentar à cidade.
A eventual entrada de Ramalho na eleição para prefeito de Vila Velha, somada à sua intenção de não se desligar do grupo político de Casagrande, pode reconfigurar também profundamente a maneira como o governo e o próprio governador jogarão o jogo político no município.
Presente na administração de Arnaldinho com direito a secretário municipal, o PSB de Casagrande tem compromisso de apoio à reeleição do prefeito e está na briga para emplacar seu vice. Isso é uma coisa.
Quanto ao próprio Casagrande, já explicitou, em entrevista no fim de 2023 ao telejornal EStúdio 360, o modelo de participação nas eleições definido por ele: nas cidades onde ele tiver dois ou mais aliados disputando o cargo de prefeito, ele não entrará pessoalmente no processo. Onde houver apenas um, este na certa contará com seu apoio pessoal.
Bem, Vila Velha agora, ao que tudo indica, está prestes a ter dois aliados de Casagrande concorrendo ao mesmo cargo.